Este capítulo é baseado em Êxodo 19-24.
Logo depois de se acamparem no Sinai, Moisés foi chamado à montanha a encontrar-se com Deus. Sozinho subiu a íngreme e áspera vereda, e aproximou-se da nuvem que assinalava o lugar da presença de Jeová. Israel ia ser agora tomado em uma relação íntima e peculiar para com o Altíssimo — sendo incorporado como uma igreja e nação sob o governo de Deus. A mensagem dada a Moisés, para o povo, foi: PP 213.1
“Vós tendes visto o que fiz aos egípcios, como vos levei sobre asas de águias, e vos trouxe a Mim; agora pois, se diligentemente ouvirdes a Minha voz, e guardardes o Meu concerto, então sereis a Minha propriedade peculiar dentre todos os povos, porque toda a Terra é Minha. E vós Me sereis um reino sacerdotal e o povo santo”. Êxodo 19:4-6. PP 213.2
Moisés voltou ao acampamento, e, tendo convocado os anciãos de Israel, repetiu-lhes a mensagem divina. Sua resposta foi: “Tudo o que o Senhor tem falado, faremos.” Assim entraram em um concerto solene com Deus, comprometendo-se a aceitá-Lo como seu Governador, pelo que se tornavam, em sentido especial, súditos sob Sua autoridade. PP 213.3
De novo seu líder subiu a montanha; e o Senhor lhe disse: “Eis que Eu virei a ti numa nuvem espessa, para que o povo ouça, falando Eu contigo, e para que também te creiam eternamente.” Quando deparavam dificuldades no caminho, estavam dispostos a murmurar contra Moisés e Arão, e acusá-los de tirar as hostes de Israel do Egito para as destruir. O Senhor queria honrar Moisés perante eles, a fim de que pudessem ser levados a confiar em suas instruções. PP 213.4
Deus Se propunha fazer da ocasião em que falaria a Sua lei uma cena de terrível grandeza, à altura do exaltado caráter da mesma. O povo deveria receber a impressão de que todas as coisas ligadas ao serviço de Deus, deviam ser consideradas com a maior reverência. O Senhor disse a Moisés: “Vai ao povo, e santifica-os hoje e amanhã, e lavem eles os seus vestidos; e estejam prontos para o terceiro dia; porquanto no terceiro dia o Senhor descerá diante dos olhos de todo o povo sobre o Monte Sinai.” Durante esses dias intermediários, todos deviam ocupar o tempo em preparação solene para comparecer perante Deus. Suas pessoas e vestes deviam estar livres de impureza. E, ao indicar-lhes Moisés os pecados, deviam dedicar-se à humilhação, jejum e oração, a fim de que o coração deles da fosse limpo da iniqüidade. PP 213.5
A preparação fora feita, conforme o mandado; e, em obediência a outra ordem, determinou Moisés que fosse colocado um obstáculo em redor do monte, para que nem homem nem animal pudesse introduzir-se no recinto sagrado. Se algum se arriscasse a tão-somente tocá-lo, o castigo seria a morte instantânea. PP 214.1
Na manhã do terceiro dia, volvendo-se os olhares de todo o povo para o monte, o cimo deste estava coberto de uma nuvem densa, que se tornou mais negra e compacta, descendo até que toda a montanha foi envolta em trevas e terrível mistério. Então se ouviu um som como de trombeta, convocando o povo para encontrar-se com Deus; e Moisés guiou-os ao pé da montanha. Da espessa treva chamejavam vívidos relâmpagos, enquanto os ribombos do trovão ecoavam e tornavam a ecoar por entre as montanhas circunvizinhas. “E todo o Monte de Sinai fumegava, porque o Senhor descera sobre ele em fogo; e o seu fumo subiu como fumo de um forno, e todo o monte tremia grandemente.” “A glória do Senhor era como fogo devorador no cume do monte”, à vista da multidão congregada. “E o sonido da buzina ia crescendo em grande maneira.” Tão terríveis eram os sinais da presença de Jeová que as hostes de Israel tremeram de medo, e caíram prostrados perante o Senhor. Mesmo Moisés exclamou: “Estou todo assombrado, e tremendo”. Hebreus 12:21. PP 214.2
E então cessaram os trovões; não mais se ouviu a trombeta; a terra ficou calada. Houve um tempo de solene silêncio, e então se ouviu a voz de Deus. Falando da espessa escuridão que O envolvia, encontrando-Se Ele sobre o monte, rodeado de um acompanhamento de anjos, o Senhor deu a conhecer a Sua lei. Moisés, descrevendo esta cena, diz: “O Senhor veio de Sinai, e lhes subiu de Seir; resplandeceu desde o monte Parã, e veio com dez milhares de santos; à Sua direita havia para eles o fogo da lei. Na verdade ama os povos; todos os Seus santos estão na Tua mão; postos serão no meio, entre os Teus pés, cada um receberá das Tuas palavras”. Deuteronômio 33:2, 3. PP 214.3
Jeová revelou-Se não somente na terrível majestade de juiz e legislador, mas como um compassivo guarda de Seu povo: “Eu sou o Senhor teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão”. Êxodo 20:2. Aquele a quem já haviam conhecido como seu guia e libertador, que os trouxera do Egito, preparando-lhes caminho através do mar e subvertendo Faraó e seus exércitos, que assim Se mostrara superior a todos os deuses do Egito, Esse era o que agora falava a Sua lei. PP 214.4
A lei não fora proferida naquela ocasião exclusivamente para o benefício dos hebreus. Deus os honrou, fazendo deles os guardas e conservadores de Sua lei, mas esta deveria ser considerada como um depósito sagrado para todo o mundo. Os preceitos do Decálogo são adaptados a toda a humanidade, e foram dados para a instrução e governo de todos. Dez preceitos breves, compreensivos, e dotados de autoridade, abrangem os deveres do homem para com Deus e seus semelhantes; e todos baseados no grande princípio fundamental do amor. “Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, e de toda a tua alma, e de todas as tuas forças, e de todo o teu entendimento, e ao teu próximo como a ti mesmo”. Lucas 10:27; Deuteronômio 6:4, 5; Levítico 19:18. Nos Dez Mandamentos estes princípios são apresentados pormenorizadamente, e aplicáveis às condições e circunstâncias do homem. PP 214.5
“Não terás outros deuses diante de Mim” (Êxodo 20:3) — Jeová, o Ser eterno, existente por Si mesmo, incriado, sendo o originador e mantenedor de todas as coisas, é o único que tem direito a reverência e culto supremos. Proíbe-se ao homem conferir a qualquer outro objeto o primeiro lugar nas suas afeições ou serviço. O que quer que acariciemos que tenda a diminuir nosso amor para com Deus, ou se incompatibilize com o culto a Ele devido, disso fazemos um deus. PP 215.1
“Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem embaixo na Terra, nem nas águas debaixo da Terra. Não te encurvarás a elas nem as servirás.” — O segundo mandamento proíbe o culto ao verdadeiro Deus por meio de imagens ou semelhanças. Muitas nações gentílicas pretendiam que suas imagens eram meras figuras ou símbolos pelos quais adoravam a Divindade; mas Deus declarou que tal culto é pecado. A tentativa de representar o Eterno por meio de objetos materiais, rebaixaria a concepção do homem acerca de Deus. A mente, desviada da perfeição infinita de Jeová, seria atraída para a criatura em vez de o ser para o Criador. E, rebaixando-se suas concepções acerca de Deus, semelhantemente degradar-se-ia o homem. PP 215.2
“Eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso.” A íntima e sagrada relação de Deus para com Seu povo é representada sob a figura do casamento. Sendo a idolatria o adultério espiritual, é o desprazer de Deus contra a mesma apropriadamente chamado ciúme. PP 215.3
“Visito a maldade dos pais nos filhos, até a terceira e a quarta geração daqueles que Me aborrecem.” É inevitável que os filhos sofram as conseqüências das más ações dos pais, mas não são castigados pela culpa deles, a não ser que participem de seus pecados. Dá-se, entretanto, em geral o caso de os filhos andarem nas pegadas de seus pais. Por herança e exemplo os filhos se tornam participantes do pecado do pai. Más tendências, apetites pervertidos e moral vil, assim como enfermidades físicas e degeneração, são transmitidos como um legado de pai a filho, até a terceira e quarta geração. Esta terrível verdade deveria ter uma força solene para restringir os homens de seguirem uma conduta de pecado. PP 215.4
“Faço misericórdia em milhares aos que Me amam e guardam os Meus mandamentos.” Proibindo o culto aos falsos deuses, o segundo mandamento envolve a ordem de adorar o verdadeiro Deus. E aos que são fiéis em Seu serviço, promete-se a misericórdia, não meramente à terceira e quarta geração, como é ameaçada a ira contra os que O aborrecem, mas a milhares de gerações. PP 215.5
“Não tomarás o nome do Senhor teu Deus em vão; porque o Senhor não terá por inocente o que tomar o Seu nome em vão” (Êxodo 20:7) — Este mandamento não somente proíbe os falsos juramentos e juras comuns mas veda-nos o uso do nome de Deus de maneira leviana ou descuidada, sem atentar para a sua terrível significação. Pela precipitada menção de Deus na conversação comum, pelos apelos a Ele feitos em assuntos triviais, e pela freqüente e impensada repetição de Seu nome, nós O desonramos. “Santo e tremendo é o Seu nome”. Salmos 111:9. Todos devem meditar em Sua majestade, pureza e santidade, para que o coração possa impressionar-se com uma intuição de Seu exaltado caráter; e Seu santo nome deve ser pronunciado com reverência e solenidade. PP 216.1
“Lembra-te do dia do sábado, para o santificar. Seis dias trabalharás, e farás toda a tua obra. Mas o sétimo dia é o sábado do Senhor teu Deus; não farás nenhuma obra, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem o teu servo, nem a tua serva, nem o teu animal, nem o teu estrangeiro que está dentro das tuas portas. Porque em seis dias fez o Senhor os céus e a Terra, o mar e tudo que neles há, e ao sétimo dia descansou, portanto abençoou o Senhor o dia do sábado, e o santificou” (Êxodo 20:8-11) — O sábado não é apresentado como uma nova instituição, mas como havendo sido estabelecido na criação. Deve ser lembrado e observado como a memória da obra do Criador. Apontando para Deus como Aquele que fez os céus e a Terra, distingue o verdadeiro Deus de todos os falsos deuses. Todos os que guardam o sétimo dia, dão a entender por este ato que são adoradores de Jeová. Assim, é o sábado o sinal de submissão a Deus por parte do homem, enquanto houver alguém na Terra para O servir. O quarto mandamento é o único de todos os dez em que se encontra tanto o nome como o título do Legislador. É o único que mostra pela autoridade de quem é dada a lei. Assim contém o selo de Deus, afixado à Sua lei, como prova da autenticidade e vigência da mesma. PP 216.2
Deus deu aos homens seis dias nos quais trabalhar, e exige que seus trabalhos sejam feitos nos seis dias destinados a isso. Atos necessários e misericordiosos são permitidos no sábado; os doentes e sofredores em todo o tempo devem ser tratados; mas o trabalho desnecessário deve ser estritamente evitado. “Se desviares o teu pé do sábado, e de fazer a tua vontade no Meu santo dia, e se chamares ao sábado deleitoso, e santo dia do Senhor, digno de honra, e o honrares não seguindo os teus caminhos, nem pretendendo fazer a tua própria vontade...” Isaías 58:13. Tampouco fica nisto a proibição. “Nem falar as tuas próprias palavras”, diz o profeta. Aqueles que no sábado discutem assuntos de negócios ou fazem planos, são considerados por Deus como se estivessem empenhados na própria transação de negócio. Para santificar o sábado não devemos mesmo permitir que nosso espírito se ocupe com coisas de caráter mundano. E o mandamento inclui todos dentro de nossas portas. Os que convivem na casa devem durante as horas sagradas pôr de parte suas ocupações mundanas. Todos devem unir-se a honrar a Deus por meio de um culto voluntário em Seu santo dia. PP 216.3
“Honra a teu pai e a tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na Terra que o Senhor teu Deus te dá” (Êxodo 20:12) — Os pais têm direito ao amor e respeito em certo grau que a nenhuma outra pessoa é devido. O próprio Deus, que pôs sobre eles a responsabilidade pelas almas confiadas aos seus cuidados, ordenou que durante os primeiros anos da vida estejam os pais em lugar de Deus em relação aos seus filhos. E aquele que rejeita a lícita autoridade de seus pais, rejeita a autoridade de Deus. O quinto mandamento exige que os filhos não somente tributem respeito, submissão e obediência a seus pais, mas também lhes proporcionem amor e ternura, aliviem os seus cuidados, zelem de seu nome, e os socorram e consolem na velhice. Ordena também o respeito aos ministros e governantes, e a todos os outros a quem Deus delegou autoridade. PP 217.1
Este, diz o apóstolo, “é o primeiro mandamento com promessa”. Efésios 6:2. Para Israel, esperando em breve entrar em Canaã, era um penhor, ao obediente, de uma vida longa naquela boa terra; mas tem ele uma significação mais ampla, incluindo todo o Israel de Deus e prometendo vida eterna sobre a Terra, quando esta estiver livre da maldição do pecado. PP 217.2
“Não matarás” (Êxodo 20:13) — Todos os atos de injustiça que tendem a abreviar a vida; o espírito de ódio e vingança, ou a condescendência de qualquer paixão que leve a atos ofensivos a outrem, ou nos faça mesmo desejar-lhe mal (pois “qualquer que aborrece seu irmão é homicida”); uma negligência egoísta de cuidar dos necessitados e sofredores; toda a condescendência própria ou desnecessária privação, ou trabalho excessivo com a tendência de prejudicar a saúde — todas estas coisas são, em maior ou menor grau, violação do sexto mandamento. PP 217.3
“Não adulterarás” (Êxodo 20:14) — Este mandamento proíbe não somente atos de impureza, mas pensamentos e desejos sensuais, ou qualquer prática com a tendência de os excitar. A pureza é exigida não somente na vida exterior, mas nos intuitos e emoções secretos do coração. Cristo, que ensinou os deveres impostos pela lei de Deus, em seu grande alcance, declarou ser o mau pensamento ou olhar tão verdadeiramente pecado como o é o ato ilícito. PP 217.4
“Não furtarás” (Êxodo 20:15) — Tanto pecados públicos como particulares são incluídos nesta proibição. O oitavo mandamento condena o furto de homens e tráfico de escravos, e proíbe a guerra de conquista. Condena o furto e o roubo. Exige estrita integridade nos mínimos detalhes dos negócios da vida. Veda o engano no comércio, e requer o pagamento de débitos e salários justos. Declara que toda a tentativa de obter-se vantagem pela ignorância, fraqueza ou infelicidade de outrem, é registrada como fraude nos livros do Céu. PP 217.5
“Não dirás falso testemunho contra o teu próximo” (Êxodo 20:16) — Aqui se inclui todo falar que seja falso a respeito de qualquer assunto, toda tentativa ou intuito de enganar nosso próximo. A intenção de enganar é o que constitui a falsidade. Por um relance de olhos, por um movimento da mão, uma expressão do rosto, pode-se dizer falsidade tão eficazmente como por palavras. Todo exagero intencional, toda sugestão ou insinuação calculada a transmitir uma impressão errônea ou desproporcionada, mesmo a declaração de fatos feita de tal maneira que iluda, é falsidade. Este preceito proíbe todo esforço no sentido de prejudicar a reputação de nosso próximo, pela difamação ou suspeitas ruins, pela calúnia ou intrigas. Mesmo a supressão intencional da verdade, pela qual pode resultar o agravo a outrem, é uma violação do nono mandamento. PP 218.1
“Não cobiçarás a casa do teu próximo, não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem o seu servo, nem a sua serva, nem o seu boi, nem o seu jumento, nem coisa alguma do teu próximo” (Êxodo 20:17) — O décimo mandamento fere a própria raiz de todos os pecados, proibindo o desejo egoísta, do qual nasce o ato pecaminoso. Aquele que em obediência à lei de Deus se abstém de condescender mesmo com um desejo pecaminoso daquilo que pertence a outrem, não será culpado de um ato mau para com seus semelhantes. PP 218.2
Tais foram os sagrados preceitos do Decálogo, proferidos entre trovões e chamas, e com maravilhosa manifestação de poder e majestade do grande Legislador. Deus acompanhou a proclamação de Sua lei com mostras de Seu poder e glória, para que Seu povo nunca se esquecesse daquela cena, e tivesse a impressão de uma profunda veneração pelo Autor da lei, o Criador do Céu e da Terra. Desejava mostrar também a todos os homens a santidade, a importância e a permanência de Sua lei. PP 218.3
O povo de Israel estava dominado pelo pavor. O terrível poder da fala de Deus parecia tal que o não poderiam suportar seus trêmulos corações. Pois, ao ser apresentada diante deles a grande regra de justiça de Deus, compenetraram-se, como nunca antes, do caráter ofensivo do pecado, e de sua própria culpabilidade à vista de um Deus santo. Recuaram da montanha com medo e espanto. A multidão clamou a Moisés: “Fala tu conosco, e ouviremos; e não fale Deus conosco, para que não morramos”. Êxodo 20:19-21. O líder respondeu: “Não temais, que Deus veio para provar-vos, e para que o Seu temor esteja diante de vós, para que não pequeis.” O povo, entretanto, permaneceu à distância, olhando com terror a cena, enquanto Moisés “se chegou à escuridade onde Deus estava”. PP 218.4
A mente do povo, cega e aviltada pela escravidão ao paganismo, não estava preparada para apreciar completamente os princípios de grande alcance dos dez preceitos de Deus. Para que pudessem os deveres expressos no Decálogo ser entendidos e impostos mais plenamente, deram-se preceitos adicionais, ilustrando os princípios dos Dez Mandamentos e dando-lhes aplicação. Estas leis foram chamadas juízos, tanto porque eram organizadas com sabedoria e eqüidade infinitas, como porque deveriam os magistrados julgar de acordo com elas. Diferente dos Dez Mandamentos, foram transmitidas particularmente a Moisés, que as deveria comunicar ao povo. PP 218.5
A primeira destas leis referia-se aos servos. Nos tempos antigos, os criminosos eram algumas vezes vendidos como escravos pelos juízes; nalguns casos os devedores eram vendidos pelos seus credores; e a pobreza levava mesmo pessoas a vender a si ou a seus filhos. Um hebreu, porém, não podia ser vendido como escravo para toda a vida. Seu prazo de serviço limitava-se a seis anos; no sétimo deveria ser posto em liberdade. O furto de homens, o assassínio premeditado, e a rebelião contra a autoridade paterna, eram punidos com a morte. Era permitida a manutenção de escravos que não fossem israelitas de nascimento, mas sua vida e pessoa eram estritamente guardadas. O assassino de um escravo devia ser castigado; um agravo infligido a um deles pelo seu senhor, ainda que fosse a perda de um dente, dava o direito à liberdade. PP 219.1
Os próprios israelitas tinham sido recentemente escravos, e agora que iam ter servos sob suas ordens, deviam guardar-se de alimentar um espírito de crueldade e extorsão, de que haviam sofrido sob os maiorais de tarefas no Egito. A lembrança de sua amarga servidão devia habilitá-los a colocar-se no lugar do servo, levando-os a ser benévolos e compassivos, a tratar os outros como desejariam fossem eles mesmos tratados. PP 219.2
Os direitos das viúvas e órfãos eram especialmente resguardados, e ordenava-se uma escrupulosa atenção à sua desajudada condição. “Se de alguma maneira os afligirdes”, declarou o Senhor, “e eles clamarem a Mim, Eu certamente ouvirei o seu clamor. E a Minha ira se acenderá, e vos matará à espada; e vossas mulheres ficarão viúvas, e vossos filhos órfãos”. Êxodo 22:23, 24. Os estrangeiros que se uniam a Israel deviam ser protegidos de mal ou opressão. “Não oprimirás o estrangeiro; pois vós conheceis o coração do estrangeiro, pois fostes estrangeiros na terra do Egito”. Êxodo 23:9. PP 219.3
Era proibido tomar usura do pobre. As vestes ou o cobertor de um homem pobre tomados em penhor, deviam ser-lhes restituídos à tarde. Exigia-se daquele que era culpado de furto restituir o dobro. Ordenava-se o respeito aos magistrados e príncipes, e advertia-se aos juízes contra o perverter o juízo, auxiliando uma causa falsa, ou recebendo suborno. A mentira e a calúnia eram proibidas, e ordenados atos de bondade, mesmo para com inimigos pessoais. PP 219.4
De novo lembrou-se ao povo a sagrada obrigação do sábado. Designaram-se festas anuais, nas quais todos os homens da nação deviam congregar-se perante o Senhor, trazendo-Lhe suas ofertas de gratidão, e as primícias de Sua generosidade. O objetivo de todo este regulamento foi declarado: não procediam esses preceitos do exercício de mera soberania arbitrária; foram todos dados para o bem de Israel. O Senhor disse: “Ser-Me-eis homens santos” (Êxodo 22:31) — dignos de ser reconhecidos por um Deus santo. PP 219.5
Estas leis deviam ser registradas por Moisés, e qual tesouro cuidadosamente guardadas como fundamento da lei nacional; e, juntamente com os dez preceitos para ilustração dos quais foram dadas, deviam ser a condição para o cumprimento das promessas de Deus a Israel. PP 220.1
Foi-lhes então dada esta mensagem da parte de Jeová: “Eis que Eu envio um Anjo diante de ti, para que te guarde neste caminho, e te leve ao lugar que te tenho aparelhado. Guarda-te diante dEle, e ouve a Sua voz, e não O provoques à ira, porque não perdoará a vossa rebelião; porque o Meu nome está nEle. Mas, se diligentemente ouvires a Sua voz, e fizeres tudo o que Eu disser, então serei inimigo dos teus inimigos, e adversário dos teus adversários”. Êxodo 23:20-22. Durante todas as vagueações de Israel, Cristo, na coluna de nuvem e fogo, foi o seu dirigente. Ao mesmo tempo em que havia tipos que apontavam para um Salvador vindouro, havia também um Salvador presente, que dava ordens a Moisés para o povo, e que diante deles fora posto como o único conduto de bênção. PP 220.2
Ao descer do monte, Moisés veio e contou ao povo todas as palavras e estatutos do Senhor; então o povo respondeu a uma voz, e disse: “Todas as palavras que o Senhor tem falado, faremos”. Êxodo 24. Este compromisso, juntamente com as palavras do Senhor a que o mesmo os obrigava a obedecer, foi escrito por Moisés em um livro. PP 220.3
Seguiu-se então a ratificação do concerto. Foi construído um altar ao pé da montanha, e ao lado dele ergueram-se doze colunas, “segundo as doze tribos de Israel”, em testemunho de sua aceitação do concerto. Foram então apresentados sacrifícios pelos moços escolhidos para tal ato. PP 220.4
Havendo aspergido o altar com o sangue das ofertas, Moisés “tomou o livro do concerto, e o leu aos ouvidos do povo”. Assim foram solenemente proferidas as condições do concerto, e todos ficaram na liberdade de escolherem conformar-se com as mesmas ou não. Tinham a princípio prometido obedecer à voz de Deus; mas haviam depois disto ouvido proclamar a Sua lei; e seus princípios tinham sido particularizados, para que pudessem saber o quanto este concerto abrangia. Outra vez o povo respondeu unanimemente: “Tudo o que o Senhor tem falado faremos, e obedeceremos.” “Havendo Moisés anunciado a todo o povo todos os mandamentos segundo a lei, tomou o sangue [...] e aspergiu não só o próprio livro como também todo o povo, dizendo: Este é o sangue do testamento que Deus vos tem mandado”. Hebreus 9:19, 20. PP 220.5
Deviam agora tomar-se disposições para o amplo estabelecimento da nação escolhida, sob a direção de Jeová como seu Rei. Moisés havia recebido a ordem: “Sobe ao Senhor, tu e Arão, Nadabe e Abiú, e setenta dos anciãos de Israel; e inclinai-vos de longe. E só Moisés se chegará ao Senhor.” Esses homens escolhidos foram chamados ao monte, enquanto o povo adorava junto ao mesmo. Os setenta anciãos deviam ajudar a Moisés no governo de Israel, e Deus pôs sobre eles Seu Espírito, e honrou-os dando-lhes uma visão de Seu poder e grandeza. “E viram o Deus de Israel, e debaixo de Seus pés havia como uma obra de pedra de safira, e como o parecer do céu na sua claridade.” Não viram a Divindade, mas viram a glória de Sua presença. Antes disso não poderiam ter suportado tal cena; mas a exibição do poder de Deus, infundindo-lhes temor, levou-os ao arrependimento; estiveram a contemplar Sua glória, pureza e misericórdia, até que puderam aproximar-se mais dAquele que era o objeto de suas meditações. PP 220.6
Moisés e “Josué seu servidor” foram agora chamados a encontrar-se com Deus. E, como devessem ficar algum tempo ausentes, o chefe designou Arão e Hur, auxiliados pelos anciãos, para agirem em seu lugar. “E, subindo Moisés ao monte, a nuvem cobriu o monte. E habitava a glória do Senhor sobre o monte de Sinai.” Durante seis dias a nuvem cobriu o monte, como sinal da presença especial de Deus; contudo, não fez revelação alguma de Si, nem comunicação de Sua vontade. Durante este tempo Moisés permaneceu à espera de um chamado à audiência com o Altíssimo. Havia-lhe sido determinado: “Sobe a Mim ao monte, e fica lá”; e, se bem que sua paciência e obediência fossem provadas, não se tornou cansado de esperar nem abandonou o posto. Este período de espera foi-lhe um tempo de preparo, de íntimo exame próprio. Mesmo este servo favorecido de Deus não poderia de pronto aproximar-se de Sua presença, e resistir às manifestações de Sua glória. Seis dias deviam ser empregados em dedicar-se a Deus, mediante o exame próprio, meditação e oração, antes de poder estar preparado para comungar diretamente com seu Criador. PP 221.1
No sétimo dia, que era o sábado, Moisés foi chamado para dentro da nuvem. A espessa nuvem abriu-se à vista de todo o Israel, e a glória do Senhor irrompeu semelhante a um fogo devorador. “Moisés entrou no meio da nuvem, depois que subiu ao monte; e Moisés esteve no monte quarenta dias e quarenta noites.” Os quarenta dias de permanência no monte não incluíam os seis dias de preparo. Durante os seis dias Josué esteve com Moisés, e juntos comiam do maná e bebiam do ribeiro que descia do monte. Mas Josué não entrou com Moisés na nuvem. Ficou fora e continuou a comer e a beber diariamente enquanto esperava a volta de Moisés; Moisés, porém, jejuou durante todos os quarenta dias. PP 221.2
Durante sua permanência no monte, Moisés recebeu instruções para a construção de um santuário, no qual a presença divina se manifestaria de modo especial. “E Me farão um santuário, e habitarei no meio deles”, foi a ordem de Deus. Êxodo 25:8. Pela terceira vez foi ordenada a observância do sábado. “Entre Mim e os filhos de Israel será um sinal para sempre”, declarou o Senhor, “para que saibais que Eu sou o Senhor que vos santifica. Portanto guardareis o sábado, porque santo é para vós: [...] qualquer que nele fizer alguma obra, aquela alma será extirpada do meio de seu povo”. Êxodo 31:17, 13, 14. Acabavam de ser dadas instruções para o levantamento imediato do tabernáculo para o serviço de Deus; e agora, sendo que o objeto em vista era a glória de Deus, e também porque tinham grande necessidade de um lugar de culto, poderia o povo concluir que estariam justificados trabalhando naquela construção ao sábado. Para os guardar de tal erro, foi feita uma advertência. Mesmo a santidade e urgência daquela obra especial para Deus não os deviam levar a infringir o Seu santo dia de repouso. PP 221.3
Dali em diante o povo seria honrado com a presença permanente de seu Rei. “Habitarei no meio dos filhos de Israel, e lhes serei por Deus”, “para que por Minha glória sejam santificados” (Êxodo 29:45, 43), foi a segurança dada a Moisés. Como símbolo da autoridade de Deus, e incorporação de Sua vontade, foi entregue a Moisés uma cópia do Decálogo gravada pelo dedo do próprio Deus em duas tábuas de pedra (Deuteronômio 9:10; Êxodo 32:15, 16), para que, de maneira sagrada, fosse encerrada no santuário, o qual, depois de feito, deveria ser o centro visível do culto da nação. PP 222.1
De uma raça de escravos os israelitas haviam sido exaltados acima de todos os povos, para serem o tesouro peculiar do Rei dos reis. Deus os separara do mundo a fim de que lhes pudesse confiar um sagrado depósito. Deles fizera os guardas de Sua lei, e propunha-Se, por meio deles, conservar entre os homens o Seu conhecimento. Assim a luz do Céu resplandeceria a um mundo rodeado de trevas, e ouvir-se-ia uma voz apelando para todos os povos para voltarem de sua idolatria a fim de servirem ao Deus vivo. Se os israelitas fossem fiéis ao seu encargo, tornar-se-iam um poder no mundo. Deus seria a sua defesa, e Ele os elevaria acima de todas as outras nações. Sua luz e verdade seriam reveladas por meio deles, e achar-se-iam sob o Seu governo sábio e santo, como um exemplo da superioridade de Seu culto sobre toda a forma de idolatria. PP 222.2