Foi a cruz, esse instrumento de vergonha e tortura, que trouxe esperança e salvação ao mundo. Os discípulos não passavam de homens humildes, sem dinheiro e com nenhuma outra arma que não a Palavra de Deus; entretanto, na força de Cristo eles saíram para contar a maravilhosa história da manjedoura e da cruz e para triunfar sobre toda a oposição. Sem honra ou reconhecimento terrestres, foram heróis da fé. De seus lábios saíam palavras de divina eloqüência que abalaram o mundo. AA 44.1
Em Jerusalém, onde existia o mais profundo preconceito, e onde prevaleciam as mais confusas idéias com respeito Àquele que havia sido crucificado como malfeitor, os discípulos continuaram a falar com ousadia as palavras da vida, expondo perante os judeus a obra e a missão de Cristo, Sua crucifixão, ressurreição e ascensão. Sacerdotes e príncipes ouviam pasmados o claro, ousado testemunho dos apóstolos. O poder do Salvador ressurgido tinha sem dúvida alguma caído sobre os discípulos, e sua obra era acompanhada por sinais e milagres que aumentavam diariamente o número de crentes. Ao longo das ruas por onde deviam passar os discípulos, o povo trazia seus enfermos “para as ruas e os punham em leitos e em camilhas para que ao menos a sombra de Pedro, quando este passasse, cobrisse alguns deles” (At 5:15). Traziam também os que estavam tomados de espíritos imundos. As turbas aglomeravam-se-lhes em torno, e os que eram curados prorrompiam em louvores a Deus, glorificando o nome do Redentor. AA 44.2
Os sacerdotes e príncipes viram que Cristo era mais enaltecido do que eles. Ouvindo os saduceus, que não criam na ressurreição, os apóstolos declararem que Cristo ressuscitara dos mortos, ficaram enraivecidos, compreendendo que se aos apóstolos fosse permitido pregar um Salvador ressuscitado e operar milagres em Seu nome, a doutrina de que não haveria ressurreição seria rejeitada por todos e a seita dos saduceus logo se extinguiria. Os fariseus ficaram irados ao perceberem que a tendência do ensino dos discípulos era solapar as cerimônias judaicas e tornar de nenhum valor as ofertas sacrificais. AA 44.3
Até ali todos os esforços feitos para suprimir este novo ensino tinham sido em vão; mas agora, tanto fariseus como saduceus decidiram que a obra dos discípulos devia ser contida, pois estava demonstrando serem eles os culpados da morte de Jesus. Cheios de indignação, os sacerdotes violentamente lançaram mãos de Pedro e João e os encerraram na prisão comum. AA 44.4
Os guias da nação judaica tinham assinaladamente deixado de cumprir o propósito de Deus para Seu povo escolhido. Aqueles a quem o Senhor tinha feito AA 44.5
depositários da verdade provaram-se infiéis a seu legado, e Deus escolheu outros para fazerem Sua obra. Em sua cegueira, esses guias davam agora amplo impulso ao que chamavam justa indignação contra aqueles que estavam pondo de lado suas acariciadas doutrinas. Não podiam sequer admitir a possibilidade de não haverem entendido devidamente a Palavra, ou que tivessem interpretado mal ou mal aplicado as Escrituras. Agiam como homens que houvessem perdido a razão. Que direito têm esses ensinadores, diziam, alguns deles meros pescadores, para apresentar idéias contrárias às doutrinas que temos ensinado ao povo? Estando determinados a suprimir o ensino dessas idéias, aprisionavam os que o estavam apresentando. AA 44.6
Os discípulos não se intimidaram nem esmoreceram com tal tratamento. O Espírito Santo lhes trouxe à mente as palavras proferidas por Cristo: “Não é o servo maior do que o seu Senhor. Se a Mim Me perseguiram, também vos perseguirão a vós; se guardaram a Minha palavra, também guardarão a vossa. Mas tudo isto vos farão por causa do Meu nome; porque não conhecem Aquele que Me enviou” (Jo 15:20, 21). “Expulsar-vos-ão das sinagogas; vem mesmo a hora em que qualquer que vos matar cuidará fazer um serviço a Deus.” “Tenho-vos dito isto, a fim de que, quando chegar aquela hora, vos lembreis de que já vo-lo tinha dito” (Jo 16:2, 4). AA 45.1
O Deus do Céu, o poderoso Governador do Universo, tomou em Suas mãos a questão do aprisionamento dos discípulos; pois homens estavam a guerrear contra a Sua obra. À noite, o anjo do Senhor abriu as portas da prisão e disse aos discípulos: “Ide e apresentai-vos no templo, e dizei ao povo todas as palavras desta vida” (At 5:20). Esta ordem era diretamente contrária à ordem dada pelos chefes judeus; porventura disseram os apóstolos: Não podemos fazer isto sem ter consultado os magistrados e recebido deles permissão? Não! Deus dissera: “Ide”, e eles obedeceram. “Entraram de manhã cedo no templo, e ensinavam” (At 5:21). AA 45.2
Quando Pedro e João apareceram entre os crentes e contaram como o anjo os havia guiado diretamente através do grupo de soldados que guardavam a prisão, ordenando-lhes retomar a obra interrompida, os irmãos se encheram de espanto e alegria. AA 45.3
Nesse ínterim, o sumo sacerdote e os que com ele estavam convocaram o conselho, “e a todos os anciãos dos filhos de Israel”. Os sacerdotes e príncipes resolveram atribuir aos discípulos a acusação de insurreição, acusando-os do assassínio de Ananias e Safira e de conspiração para despojarem os sacerdotes de sua autoridade. Esperavam despertar a turba de tal maneira que esta decidisse tomar a questão nas mãos e tratar com os discípulos como haviam feito com Jesus. Eles sabiam que muitos que não haviam aceitado os ensinos de Cristo estavam cansados do arbitrário governo das autoridades judaicas, e ansiosos por alguma mudança. Os sacerdotes temiam que se esses descontentes fossem levados a aceitar as verdades proclamadas pelos apóstolos e a reconhecer a Jesus como o Messias, a ira de todo o povo se levantaria contra os guias religiosos, fazendo-os responder pelo assassínio de Cristo. Decidiram então tomar medidas drásticas para prevenir isto. AA 45.4
Quando mandaram trazer os prisioneiros a sua presença, grande foi o seu espanto ante a resposta de que as portas da prisão foram encontradas seguramente fechadas e a guarda estacionada perante elas, mas não se encontravam os prisioneiros em parte alguma. AA 45.5
Logo chegou a estranha notícia: “Eis que os homens que encerrastes na prisão estão no templo e ensinam ao povo. Então foi o capitão com os servidores, e os trouxe, não com violência (porque temiam ser apedrejados pelo povo)” (At 5:25, 26). AA 45.6
Embora os apóstolos tivessem sido miraculosamente libertados da prisão, não escaparam ao interrogatório e castigo. Cristo dissera, quando estava com eles: “Mas olhai por vós mesmos, porque vos entregarão aos concílios” (Mc 13:9). Enviando um anjo para os livrar, Deus lhes dera um sinal de Seu amor e certeza de Sua presença. Tocava-lhes agora sofrer por amor dAquele cujo evangelho estavam pregando. AA 46.1
Na história dos profetas e apóstolos, existem muitos nobres exemplos de lealdade para com Deus. As testemunhas de Cristo têm suportado a prisão, tortura e a própria morte, de preferência a violar os mandamentos de Deus. O relatório deixado por Pedro e João é tão heróico como qualquer da dispensação cristã. Achando-se eles pela segunda vez perante os homens que pareciam empenhados em efetuar a sua destruição, nenhum temor ou hesitação se poderia divisar em suas palavras e atitudes. E quando o sumo sacerdote disse: “Não vos admoestamos nós expressamente que não ensinásseis nesse nome? AA 46.2
E eis que enchestes Jerusalém dessa vossa doutrina, e quereis lançar sobre nós o sangue desse homem”, Pedro respondeu: “Mais importa obedecer a Deus do que aos homens” (At 5:28, 29). Foi um anjo do Céu que os livrou da prisão e os mandou ensinar no templo. Seguindo suas instruções estavam obedecendo à ordem divina; e isto deveriam continuar a fazer, custasse o que custasse. AA 46.3
Então o Espírito de Inspiração sobreveio aos discípulos; os acusados se tornaram os acusadores, denunciando como assassinos de Cristo aqueles que compunham o concílio. “O Deus de nossos pais ressuscitou a Jesus,” declarou Pedro, “ao qual vós matastes, suspendendo-O no madeiro. Deus com a Sua destra O elevou a Príncipe e Salvador, para dar a Israel o arrependimento e remissão dos pecados. E nós somos testemunhas acerca destas palavras, nós e também o Espírito Santo que Deus deu àqueles que Lhe obedecem” (At 5:30-32). AA 46.4
Tão enraivecidos ficaram os judeus com estas palavras que se decidiram a fazer justiça pelas próprias mãos, e, sem mais processo, ou sem autoridade dos oficiais romanos, matar os presos. Já culpados do sangue de Cristo, estavam agora ávidos de manchar as mãos com o sangue de Seus discípulos. AA 46.5
Mas no concílio houve um homem que reconheceu a voz de Deus nas palavras proferidas pelos discípulos. Este homem foi Gamaliel, fariseu de boa reputação e homem de saber e alta posição. Seu claro intelecto viu que o passo violento que tinham em vista os sacerdotes, traria terríveis conseqüências. Antes de se dirigir aos presentes, pediu que os presos fossem afastados. Bem conhecia os elementos com quem tinha de tratar; sabia que os assassinos de Cristo em nada hesitariam a fim de levar a efeito o seu propósito. AA 46.6
Falou então com grande ponderação e calma, dizendo: “Varões israelitas, acautelai-vos a respeito do que haveis de fazer a estes homens. Porque antes destes dias levantou-se Teudas, dizendo ser alguém: a este se ajuntou o número de uns quatrocentos homens; o qual foi morto, e todos os que lhe deram ouvidos foram dispersos e reduzidos a nada. Depois deste levantou-se Judas, o galileu, nos dias do alistamento, e levou muito povo após si; mas também este pereceu, e todos os que lhe deram ouvidos foram dispersos. E agora digo-vos: dai de mão a estes homens, e deixai-os, porque, se este conselho ou esta obra é de homens, se desfará. Mas, se é de Deus, não podereis desfazê-la; para que não aconteça serdes também achados combatendo contra Deus” (At 5:35-39). AA 46.7
Os sacerdotes viram a racionalidade destas opiniões, e foram obrigados a concordar com Gamaliel. Contudo seu preconceito e ódio dificilmente se podiam restringir. Muito relutantemente, depois de castigarem os discípulos, e ordenando-lhes de novo, sob pena de morte, a não mais pregarem no nome de Jesus, soltaram-nos. “Retiraram-se pois da presença do conselho, regozijando-se de terem sido julgados dignos de padecer afronta pelo nome de Jesus. E todos os dias, no templo e nas casas, não cessavam de ensinar, e de anunciar a Jesus Cristo” (At 5:41, 42). AA 47.1
Pouco tempo antes de Sua crucifixão, Cristo tinha garantido a Seus discípulos um legado de paz. “Deixo-vos a paz,” disse Ele, “a Minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá. Não se turbe o vosso coração, nem se atemorize” (Jo 14:27). Esta paz não é a paz que se obtém mediante a conformação com o mundo. Cristo jamais comprou a paz condescendendo com o mal. A paz que Cristo deixou a Seus discípulos é antes interna que externa, e sempre devia permanecer com Suas testemunhas nas lutas e contendas. AA 47.2
Falando de Si, Cristo disse: “Não cuideis que vim trazer a paz à Terra; não vim trazer paz, mas espada” (Mt 10:34). Príncipe da paz, era Ele não obstante causa de divisão. Aquele que veio proclamar alegres novas e promover a esperança e alegria no coração dos filhos dos homens, abriu uma controvérsia que arde profundamente e desperta intensa paixão no coração humano. E Ele adverte Seus seguidores: “No mundo tereis aflições” (Jo 16:33). “Lançarão mão de vós, e vos perseguirão, entregando-vos às sinagogas e às prisões, e conduzindo-vos à presença de reis e presidentes, por amor do Meu nome.” “E até pelos pais, e irmãos, e parentes, e amigos sereis entregues; e matarão alguns de vós” (Lc 21:12, 16). AA 47.3
Essa profecia tem sido marcadamente cumprida. Toda indignidade, toda injúria, toda crueldade que Satanás podia instigar o coração humano a imaginar, têm recaído sobre os seguidores de Jesus. E isso será de novo notadamente cumprido; pois o coração carnal está ainda em inimizade com a lei de Deus, e não se sujeitará a Seus mandamentos. O mundo não está hoje em maior harmonia com os princípios de Cristo, do que esteve no dia dos apóstolos. O mesmo ódio que motivou o clamor: “Crucifica-O! Crucifica-O!” (Lc 23:21), o mesmo ódio que levou a perseguição aos discípulos, ainda opera nos filhos da desobediência. O mesmo espírito que nos séculos escuros enviou homens e mulheres à prisão, ao exílio, e à morte; que concebeu as atrozes torturas da inquisição; que planejou e executou o massacre de São Bartolomeu e acendeu as fogueiras de Smithfield, está ainda agindo com maligna energia em corações não regenerados. A história da verdade tem sido sempre o relato da luta entre o direito e o erro. A proclamação do evangelho sempre tem sido levada avante neste mundo em face de oposição, perigos, perdas e sofrimentos. AA 47.4
Em que consistia a força daqueles que no passado sofreram perseguição por amor a Cristo? Era a união com Deus, união com o Espírito Santo, união com Cristo. A acusação e a perseguição têm separado muitos de seus amigos terrestres, mas nunca do amor de Cristo. Nunca a alma, provada pela tempestade, é mais encarecidamente amada por seu Salvador do que quando sofre a perseguição por amor à verdade. “Eu o amarei”, disse Cristo, “e Me manifestarei a ele” (Jo 14:21). Quando, por causa da verdade, o crente se acha perante os tribunais terrestres, Cristo Se acha a seu lado. Quando é encerrado entre as paredes da prisão, Cristo Se lhe manifesta e com Seu amor lhe anima o coração. Quando sofre a morte por amor a Cristo, o Salvador lhe diz: Eles podem matar o corpo, mas não podem matar a alma. “Tende bom ânimo, Eu venci o mundo” (Jo 16:33). “Não temas, porque Eu sou contigo; não te assombres, porque Eu sou teu Deus: Eu te esforço, e te ajudo, e te sustento com a destra da Minha justiça” (Is 41:10). AA 47.5
“Os que confiam no Senhor serão como o Monte de Sião, que não se abala, mas permanece para sempre. Como estão os montes à roda de Jerusalém, assim o Senhor está em volta do Seu povo desde agora e para sempre” (Sl 125:1, 2). “Libertará as suas almas do engano e da violência, e precioso será o seu sangue aos olhos dEle” (Sl 72:14). AA 48.1
“O Senhor dos exércitos os amparará.” “E o Senhor seu Deus naquele dia os salvará, como ao rebanho do Seu povo; porque como as pedras de uma coroa eles serão exaltados na sua terra” (Zc 9:15, 16). AA 48.2