Depois de seu batismo, Paulo quebrou o jejum, e permaneceu “alguns dias com os discípulos que estavam em Damasco. E logo nas sinagogas pregava a Jesus, que Este era o Filho de Deus”. Ousadamente declarou ser Jesus de Nazaré o ansiado Messias, que “morreu por nossos pecados, segundo as Escrituras; ... foi sepultado, e... ressurgiu ao terceiro dia”, após o que foi visto pelos doze e pelos outros. “E por derradeiro de todos”, acrescenta Paulo, “me apareceu também a mim, como a um abortivo” (1Co 15:3, 4, 8). Sua argumentação com respeito às profecias era tão lógica, seus esforços tão manifestamente acompanhados pelo poder de Deus, que os judeus ficavam confundidos e eram incapazes de responder-lhe. AA 68.1
As novas da conversão de Paulo haviam chegado aos judeus como enorme surpresa. Aquele que havia viajado para Damasco “com poder e comissão dos principais dos sacerdotes” (At 26:12), para prender e processar os crentes, estava agora pregando o evangelho do AA 68.2
Salvador crucificado e ressurgido, fortalecendo as mãos dos que eram já Seus discípulos e continuamente trazendo novos conversos para a fé a que outrora tão amargamente se opusera. AA 68.3
Paulo fora anteriormente reconhecido como zeloso defensor da religião judaica, e implacável perseguidor dos seguidores de Jesus. Corajoso, independente, perseverante, seus talentos e preparo tê-lo-iam capacitado a servir quase em qualquer atividade. Era capaz de arrazoar com clareza extraordinária, e por seu fulminante sarcasmo podia colocar o adversário em posição nada invejável. E agora os judeus viam esse jovem extraordinariamente promissor unido com aqueles a quem antes perseguira, pregando destemidamente no nome de Jesus. AA 68.4
Um general que tomba em combate está perdido para seu exército, mas sua morte não acrescenta força ao inimigo. Mas quando um homem preeminente se une às forças opositoras, não apenas se perdem seus serviços como ganham decidida vantagem aqueles com quem se uniu. Saulo de Tarso, em caminho para Damasco, podia facilmente ter sido fulminado pelo Senhor, e muita força se teria retirado do poder perseguidor. Mas Deus em Sua providência não apenas poupou a vida de Saulo, mas converteu-o, transferindo assim um campeão do campo do inimigo para o lado de Cristo. Orador eloqüente e crítico severo, Paulo, com seu decidido propósito e inquebrantável coragem, possuía as próprias qualificações necessárias à igreja primitiva. AA 68.5
Enquanto Paulo pregava a Cristo em Damasco, todos os que o ouviam ficavam admirados, e diziam: “Não é este o que em Jerusalém perseguia os que invocavam este nome, e para isso veio aqui, para os levar presos aos principais dos sacerdotes?” Paulo declarava que sua mudança de fé não tinha sido gerada por impulso ou fanatismo, mas fora resultado de irresistível evidência. Em sua apresentação do evangelho, ele procurava tornar claras as profecias relativas à primeira vinda de Cristo. Mostrava irrefutavelmente que essas profecias se tinham cumprido literalmente em Jesus de Nazaré. O fundamento de sua fé era a segura palavra da profecia. AA 68.6
Enquanto continuava a apelar a seus assombrados ouvintes para “que se emendassem e se convertessem a Deus, fazendo obras dignas de arrependimento”, (At 26:20), Saulo “se esforçava muito mais, e confundia os judeus que habitavam em Damasco, provando que Aquele era o Cristo”. Muitos, porém, endureceram o coração, recusando-se a atender a sua mensagem; e logo o espanto deles pela sua conversão foi mudado em ódio intenso, semelhante ao que haviam mostrado para com Jesus. AA 69.1
A oposição tornou-se tão violenta que não foi permitido a Paulo continuar seus labores em Damasco. Um mensageiro do Céu ordenou-lhe retirar-se por algum tempo; e ele foi “para a Arábia”, onde encontrou um refúgio seguro. Gl 1:17. AA 69.2
Ali, na solitude do deserto, Paulo teve ampla oportunidade para sossegado estudo e meditação. Recapitulou calmamente sua experiência passada, possuindo-se de genuíno arrependimento. Buscou a Deus de todo o coração, não descansando até que tivesse a certeza de que seu arrependimento fora aceito e seus pecados perdoados. Anelava a certeza de que Jesus estaria com ele em seu ministério futuro. Esvaziou a alma dos preconceitos e tradições que lhe haviam até então modelado a vida e recebeu instruções da fonte da verdade. Jesus comungou com ele e confirmou-o na fé, conferindo-lhe uma rica medida de sabedoria e graça. AA 69.3
Quando a mente de um homem é posta em comunhão com a mente de Deus, o finito com o Infinito, o efeito sobre o corpo, a mente e a alma vai além do admissível. Em comunhão tal é encontrada a mais alta educação. É o método de desenvolvimento usado por Deus. “Une-te, pois, a Ele”, é a mensagem do Senhor à humanidade. Jó 22:21. AA 69.4
A solene incumbência dada a Paulo por ocasião de seu encontro com Ananias, pesou-lhe mais e mais sobre o coração. Quando, em resposta à declaração: “Irmão Saulo, o Senhor Jesus... me enviou, para que tornes a ver”, Paulo olhou pela primeira vez a face deste devoto homem, Ananias, sob a inspiração do Espírito Santo, disse-lhe: “O Deus de nossos pais de antemão te designou para que conheças a Sua vontade, e vejas aquele Justo, e ouças a voz de Sua boca. Porque hás de ser Sua testemunha para com todos os homens do que tens visto e ouvido. E agora por que te deténs? Levanta-te, e batiza-te, e lava os teus pecados, invocando o nome do Senhor” (At 22:14-16). AA 69.5
Estas palavras estavam em harmonia com as palavras do próprio Jesus, que, quando deteve Saulo na viagem para Damasco, declarou: “Porque te apareci por isto, para te pôr por ministro e testemunha tanto das coisas que tens visto como daquelas pelas quais te aparecerei ainda; livrando-te deste povo e dos gentios, a quem agora te envio, para lhes abrires os olhos, e das trevas os converteres à luz, e do poder de Satanás a Deus; a fim de que recebam a remissão dos pecados, e sorte entre os santificados pela fé em Mim” (At 26:16-18). AA 69.6
Ponderando essas coisas em seu coração, Paulo compreendeu mais e mais claro a razão de seu chamado - ser um “apóstolo de Jesus Cristo, pela vontade de Deus” (1Co1:1). Este chamado lhe veio, “não da parte dos homens, nem por homem algum, mas por Jesus Cristo, e por Deus Pai” (Gl 1:1). A magnitude da obra que estava a sua frente levou-o a dedicar muito estudo às Escrituras Sagradas, a fim de que pudesse pregar o evangelho, “não em sabedoria de palavras, para que a cruz de Cristo se não faça vã”, “mas em demonstração de Espírito e de poder”, para que a fé de todos os que ouvissem “não se apoiasse em sabedoria dos homens, mas no poder de Deus” (1Co 1:17; 2:4, 5). AA 69.7
Ao examinar as Escrituras, Paulo aprendeu que através dos séculos “não são muitos os sábios segundo a carne, nem muitos os poderosos, nem muitos os nobres que são chamados. Mas Deus escolheu as coisas loucas deste mundo para confundir as sábias; e Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes; e Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis e as que não são, para aniquilar as que são; para que nenhuma carne se glorie perante Ele” (1Co 1:26-29). E assim, considerando a sabedoria do mundo à luz que promana da cruz, Paulo se propôs nada “saber... se não a Jesus Cristo, e Este crucificado” (1Co 2:2). AA 70.1
Através de todo o seu ministério posterior, Paulo jamais perdeu de vista a Fonte de sua sabedoria e força. Ouviu-o declarar anos mais tarde: “Porque para mim o viver é Cristo” (Fp 1:21). E de novo: “Tenho também por perda todas as coisas, pela excelência do conhecimento de Cristo Jesus, meu Senhor; pelo qual sofri a perda de todas estas coisas... para que possa ganhar a Cristo, e seja achado nEle, não tendo a minha justiça que vem da lei, mas a que vem pela fé em Cristo, a saber, a justiça que vem de Deus pela fé; para conhecê-Lo, e à virtude da Sua ressurreição, e à comunicação de Suas aflições” (Fp 3:8-10). AA 70.2
Da Arábia, Paulo voltou outra vez a Damasco (Gl 1:17), e “falava ousadamente... no nome de Jesus”. Incapazes de resistir à sabedoria de seus argumentos, “os judeus tomaram conselho entre si para o matar”. As portas da cidade eram guardadas diligentemente, de dia e de noite, para impedir que ele escapasse. Esta situação crítica levou os discípulos a buscar a Deus com fervor; e, finalmente, “tomando-o de noite, os discípulos o desceram, dentro de um cesto, pelo muro” (At 9:25). AA 70.3
Depois de escapar de Damasco, Paulo foi a Jerusalém, tendo já passado três anos de sua conversão. Seu principal objetivo ao fazer esta visita, como ele próprio mais tarde declarou, era “ver a Pedro” (Gl 1:18). Tendo chegado à cidade onde outrora fora bem conhecido como “Saulo, o perseguidor”, “procurava ele juntar-se aos discípulos, mas todos o temiam, não crendo que fosse discípulo”. Era-lhes difícil crer que tão fanático fariseu, e um dos que tanto fizeram para destruir a igreja, se pudesse transformar num sincero seguidor de Jesus. “Então Barnabé, tomando-o consigo, o trouxe aos apóstolos, e lhes contou como no caminho ele vira ao Senhor e lhe falara, e como em Damasco falara ousadamente no nome de Jesus.” AA 70.4
Ouvindo isso, os discípulos o receberam como um de seu número. Logo tiveram provas abundantes da genuinidade de sua experiência cristã. O futuro apóstolo dos gentios agora se achava na cidade em que viviam muitos de seus anteriores companheiros; e a estes chefes judeus almejava ele explicar as profecias relativas ao Messias, as quais se cumpriam no advento do Salvador. Paulo estava certo de que esses mestres em Israel, com os quais estivera tão bem familiarizado, eram tão sinceros e honestos como ele o fora. Mas apreciara erradamente o espírito de seus irmãos judeus, e na esperança de sua rápida conversão estava condenado a amargo desapontamento. Ainda que falasse “ousadamente no nome de Jesus”, e disputasse “também contra os gregos”, aqueles que estavam à testa da igreja judaica se recusaram a crer, antes “procuravam matá-lo”. A tristeza encheu-lhe o coração. De boa vontade teria ele dado a vida se, por este meio, pudesse trazer alguns ao conhecimento da verdade. Com vergonha pensava na parte ativa que tomara no martírio de Estêvão; e agora, em sua ansiedade por apagar a mancha que repousava sobre aquele que fora tão falsamente acusado, procurava reivindicar a verdade pela qual Estêvão dera a vida. AA 70.5
Sentindo a responsabilidade em relação aos que se recusavam a crer, estava Paulo a orar no templo, como ele próprio testificou mais tarde, quando caiu em êxtase. Nisso aparece diante dele um mensageiro celestial e diz: AA 71.1
“Dá-te pressa, e sai apressadamente de Jerusalém; porque não receberão o teu testemunho acerca de Mim” (At 22:18). AA 71.2
Paulo se inclinava a permanecer em Jerusalém, onde poderia fazer frente à oposição. Parecia-lhe um ato de covardia fugir, se, permanecendo, pudesse convencer alguns dos obstinados judeus quanto à verdade da mensagem evangélica, mesmo que o permanecer lhe custasse a vida. E assim respondeu: “Senhor, eles bem sabem que eu lançava na prisão e açoitava nas sinagogas os que criam em Ti. E quando o sangue de Estêvão, Tua testemunha, se derramava, também eu estava presente, e consentia na sua morte, e guardava os vestidos dos que o matavam.” Mas não estava de acordo com os propósitos de Deus que Seu servo desnecessariamente expusesse a vida; e o mensageiro celestial respondeu: “Vai, porque hei de enviar-te aos gentios de longe” (At 22:19-21). AA 71.3
Ao saberem desta visão, os irmãos apressaram-se em efetuar ocultamente a saída de Paulo de Jerusalém, receosos de que fosse assassinado. Os irmãos “o acompanharam até Cesaréia, e o enviaram a Tarso” (At 9:30). A partida de Paulo suspendeu por algum tempo a oposição violenta dos judeus, e a igreja teve um período de descanso, no qual muitos foram acrescentados ao número dos crentes. AA 71.4