No decorrer de seu ministério o apóstolo Pedro visitou os crentes em Lida. Ali curou Enéias, que durante oito anos estivera de cama, com paralisia. “Enéias, Jesus Cristo te dá saúde”; disse o apóstolo; “levanta-te, e faze a tua cama. E logo se levantou. E viram-no todos os que habitavam em Lida e Sarona, os quais se converteram ao Senhor” (At 9:34, 35). AA 72.1
Em Jope, que era perto de Lida, vivia uma mulher chamada Dorcas, cujas boas ações a tornaram grandemente amada. Era uma digna discípula de Jesus e sua vida estava repleta de atos de bondade. Sabia quem carecia de roupa confortável e quem necessitava de simpatia, e liberalmente ministrava aos pobres e tristes. Seus hábeis dedos eram mais ativos do que sua língua. AA 72.2
“Aconteceu naqueles dias que, enfermando ela, morreu” (At 9:37). A igreja de Jope sentiu a sua perda; e, ouvindo que Pedro estava em Lida, os crentes lhe enviaram mensageiros “rogando-lhe que não se demorasse em vir ter com eles. E, levantando-se Pedro, foi com eles. Quando chegou, o levaram ao quarto alto, e todas as viúvas o rodearam, chorando e mostrando as túnicas e vestes que Dorcas fizera quando estava com elas” (At 9:38, 39). Em vista da vida de serviços que Dorcas vivera, não admira que chorassem, que cálidas lágrimas caíssem sobre o corpo inanimado. AA 72.3
O coração do apóstolo foi tocado de simpatia ao contemplar-lhes a tristeza. Então, determinando que os amigos em pranto se retirassem do quarto, ajoelhou-se e orou fervorosamente a Deus, para que restabelecesse Dorcas à vida e à saúde. Voltando-se para o corpo, disse: “Tabita, levanta-te. E ela abriu os olhos, e vendo a Pedro, assentou-se” (At 9:40). Dorcas fora de grande utilidade à igreja, e Deus quis trazê-la da terra do inimigo, a fim de que sua habilidade e energia pudessem ainda ser uma bênção a outrem, e que também por esta manifestação de Seu poder a causa de Cristo se fortalecesse. AA 72.4
Foi enquanto Pedro ainda se encontrava em Jope, que ele foi chamado por Deus para levar o evangelho a Cornélio, em Cesaréia. AA 72.5
Cornélio era centurião romano. Era homem rico e de nobre nascimento, e seu cargo era de confiança e honra. Gentio de nascimento, ensino e educação, pelo contato com os judeus adquirira o conhecimento de Deus, e O adorava com coração verdadeiro, mostrando a sinceridade de sua fé pela compaixão para com os pobres. Era conhecido longe e perto pela sua beneficência, e sua vida reta o fazia de boa reputação entre judeus e gentios. AA 72.6
Sua influência era uma bênção a todos os que com ele entravam em contato. O relato inspirado descreve-o como um homem “piedoso e temente a Deus, com toda a sua casa, o qual fazia muitas esmolas ao povo, e de contínuo orava a Deus” (At 10:2). AA 72.7
Crendo em Deus como o Criador do Céu e da Terra, Cornélio O reverenciava, reconhecia Sua autoridade e procurava Seu conselho em todos os negócios da vida. Era fiel a Jeová em sua vida doméstica e em seus deveres oficiais. Erguera em seu lar o altar de Deus, pois não ousava efetuar seus planos ou encarar suas responsabilidades sem o auxílio divino. AA 73.1
Posto que Cornélio cresse nas profecias e estivesse a esperar pela vinda do Messias, não tinha conhecimento do evangelho como foi revelado na vida e morte de Cristo. Não era membro da igreja judaica e teria sido considerado pelos rabinos como um gentio e imundo. Mas o mesmo santo Vigia que dissera de Abraão: “Eu o tenho conhecido” (Gn 18:19), conhecia também Cornélio, e lhe enviou uma mensagem direta do Céu. AA 73.2
O anjo apareceu a Cornélio quando este se achava em oração. Ouvindo o centurião alguém a ele dirigir-se pelo nome, ficou atemorizado; todavia compreendeu que o mensageiro viera de Deus, e disse: “Que é, Senhor?” (At 10:4). O anjo respondeu: “As tuas orações e as tuas esmolas têm subido para memória diante de Deus. Agora, pois, envia homens a Jope, e manda chamar a Simão, que tem por sobrenome Pedro. Esse está com um certo Simão curtidor, que tem a sua casa junto ao mar” (At 10:32). AA 73.3
As minúcias destas informações, nas quais se mencionava até a ocupação do homem em cuja casa Pedro se encontrava, mostram que o Céu está a par da história e ocupação dos homens de todas as condições de vida. Deus está familiarizado com a experiência e afazeres do humilde trabalhador, bem como os do rei em seu trono. AA 73.4
“Envia homens a Jope, e manda chamar a Simão.” Assim Deus deu prova de Sua atenção para com o ministério evangélico e Sua igreja organizada. O anjo não foi incumbido de contar a Cornélio a história da cruz. Um homem sujeito a fragilidades e tentações humanas, como o centurião mesmo, deveria ser aquele que lhe contaria a respeito do Salvador crucificado e ressuscitado. AA 73.5
Deus não escolhe como Seus representantes entre os homens anjos que jamais caíram, mas seres humanos, homens de paixões idênticas às daqueles a quem buscam salvar. Cristo Se revestiu da forma humana para que pudesse alcançar a humanidade. Um Salvador divino humano era necessário para trazer a salvação ao mundo. E a homens e mulheres foi entregue a sagrada tarefa de tornar conhecidas “as riquezas incompreensíveis de Cristo” (Ef 3:8). AA 73.6
Em Sua sabedoria o Senhor põe os que estão à procura da verdade em contato com seus semelhantes que a conhecem. É plano do Céu que os que receberam a luz a comuniquem aos que se acham em trevas. A humanidade, tirando sua eficiência da grande Fonte da sabedoria, torna-se o instrumento, a agência operadora por meio da qual o evangelho exerce seu poder transformador sobre o espírito e o coração. AA 73.7
Cornélio foi, com alegria, obediente à visão. Tendo-se retirado o anjo, o centurião “chamou dois de seus criados, e a um piedoso soldado dos que estavam ao seu AA 73.8
serviço. E, havendo-lhes contado tudo, os enviou a Jope” (At 10:8). AA 73.9
O anjo, depois de sua entrevista com Cornélio, foi a Pedro em Jope. Na ocasião Pedro estava a orar no terraço da casa em que se achava, e lemos que, “tendo fome, quis comer; e, enquanto lho preparavam, sobreveio-lhe um arrebatamento de sentidos” (At 11:5). Não era unicamente do pão material que Pedro tinha fome. Ao ver do terraço a cidade de Jope e o território circunvizinho, teve fome de salvação para os seus patrícios. Tinha intenso desejo de indicar-lhes as profecias das Escrituras relativas ao sofrimento e morte de Cristo. AA 73.10
Na visão, viu Pedro “o céu aberto, e que descia um vaso, como se fosse um grande lençol atado pelas quatro pontas, e vindo para a terra, no qual havia de todos os animais quadrúpedes e répteis da terra, e aves do céu. E foi-lhe dirigida uma voz: Levanta-te, Pedro, mata e come. Mas Pedro disse: De modo nenhum, Senhor, porque nunca comi coisa alguma comum e imunda. E segunda vez lhe disse a voz: Não faças tu comum ao que Deus purificou. E aconteceu isto por três vezes; e o vaso tornou a recolher-se no céu” (At 10:11-16). AA 74.1
Esta visão tanto serviu para repreender a Pedro como para instruí-lo. Revelou-lhe o propósito divino - de que pela morte de Cristo os gentios deviam tornar-se co-herdeiros dos judeus nas bênçãos da salvação. Até então nenhum dos discípulos pregara o evangelho aos gentios. Em seu pensamento, o muro de separação posto abaixo pela morte de Cristo ainda existia, e seus trabalhos limitavam-se aos judeus, pois tinham considerado os gentios excluídos das bênçãos do evangelho. O Senhor buscava então ensinar a Pedro a extensão universal do plano divino. AA 74.2
Muitos dos gentios tinham sido ouvintes interessados da pregação de Pedro e dos outros apóstolos, e muitos dos judeus gregos se tinham tornado crentes em Cristo, mas a conversão de Cornélio seria a primeira de importância entre os gentios. AA 74.3
Era chegado o tempo para ser introduzida pela igreja de Cristo uma fase de trabalho inteiramente nova. A porta que muitos dos judeus conversos haviam fechado aos gentios devia agora ser aberta de par em par. E os gentios que aceitassem o evangelho deviam ser tidos no mesmo pé de igualdade com os discípulos judeus, sem a necessidade de observar o rito da circuncisão. AA 74.4
Quão cuidadosamente agiu o Senhor para vencer o preconceito contra os gentios, que tão firmemente se fixara na mente de Pedro pela sua educação judaica! Pela visão do lençol e seu conteúdo, procurou Ele despir o espírito do apóstolo deste preconceito, e ensinar a importante verdade de que no Céu não há acepção de pessoas; que judeus e gentios são igualmente preciosos à vista de Deus; que por meio de Cristo os pagãos podem ser participantes das bênçãos e privilégios do evangelho. AA 74.5
Enquanto Pedro meditava sobre o sentido da visão, os homens enviados da parte de Cornélio chegaram a Jope e pararam diante da porta da casa em que ele assistia. Então disse o Espírito: “Eis que três varões te AA 74.6
buscam. Levanta-te, pois, e desce, e vai com eles, não duvidando; porque Eu os enviei” (At 10:20). AA 74.7
Para Pedro esta era uma ordem probante, e foi com relutância em cada passo que assumiu o dever que lhe fora imposto; mas não ousou desobedecer. “Descendo Pedro para junto dos varões que foram enviados por Cornélio, disse: Sou eu a quem procurais; qual é a causa porque estais aqui?” (At 10:21). Eles lhe falaram a respeito de sua singular incumbência, dizendo: “Cornélio, o centurião, varão justo e temente a Deus, e que tem bom testemunho de toda a nação dos judeus, foi avisado por um santo anjo para que te chamasse a sua casa, e ouvisse as tuas palavras” (At 10:22). AA 74.8
Em obediência às instruções que acabava de receber de Deus, o apóstolo prometeu ir com eles. Na manhã seguinte partiu para Cesaréia, acompanhado por seis de seus irmãos. Estes deveriam ser testemunhas de tudo o que ele dissesse ou fizesse enquanto em visita aos gentios; pois Pedro sabia que seria chamado a dar contas de uma violação tão direta dos ensinos judaicos. AA 75.1
Entrando Pedro na casa do gentio, Cornélio não o saudou como a um visitante comum, mas como a alguém honrado pelo Céu, a ele enviado por Deus. É costume oriental curvar-se perante um príncipe ou qualquer alto dignitário, e curvarem-se as crianças perante seus pais; mas Cornélio, tomado pela reverência por aquele que fora enviado por Deus para o ensinar, caiu aos pés do apóstolo e o adorou. Pedro foi presa de horror e levantou o centurião, dizendo: “Levanta-te, que eu também sou homem” (At 10:26). AA 75.2
Enquanto os mensageiros de Cornélio desempenhavam a sua incumbência, o centurião havia “já convidado seus parentes e amigos mais íntimos” (At 10:24), para que, como ele, pudessem ouvir a pregação do evangelho. Quando Pedro chegou, encontrou um grande grupo avidamente a espera para ouvir suas palavras. AA 75.3
Aos que estavam reunidos, Pedro falou em primeiro lugar do costume dos judeus, dizendo que lhes era considerado ilícito misturarem-se socialmente com os gentios, e que fazer isto implicava contaminação cerimonial. “Vós bem sabeis”, disse ele, “que não é lícito a um varão judeu ajuntar-se ou chegar-se a estrangeiros; mas Deus mostrou-me que a nenhum homem chame comum ou imundo. Pelo que, sendo chamado, vim sem contradizer. Pergunto, pois, por que razão mandastes chamar-me?” (At 10:28, 29). AA 75.4
Cornélio então relatou sua experiência e as palavras do anjo, dizendo em conclusão: “Logo mandei chamar-te, e bem fizeste em vir. Agora, pois, estamos todos presentes diante de Deus, para ouvir tudo quanto por Deus te é mandado.” AA 75.5
Disse Pedro: “Reconheço por verdade que Deus não faz acepção de pessoas; mas que Lhe é agradável aquele que, em qualquer nação, O teme e obra o que é justo” (At 10:34, 35). AA 75.6
Então àquele atento grupo de ouvintes o apóstolo pregou a Cristo - Sua vida, Seus milagres, Sua traição e crucificação, Sua ressurreição e ascensão, e Sua obra no Céu como representante e advogado do homem. Ao indicar Jesus aos presentes como a única esperança do pecador, Pedro, ele próprio, compreendeu mais perfeitamente o sentido da visão que tivera, e o coração ardeu-lhe com o espírito da verdade que estava apresentando. AA 75.7
Subitamente o discurso foi interrompido pela descida do Espírito Santo. “Dizendo Pedro ainda estas palavras, caiu o Espírito Santo sobre todos os que ouviam a palavra. E os fiéis que eram da circuncisão, todos quantos tinham vindo com Pedro, maravilharam-se de que o dom do Espírito Santo se derramasse também sobre os gentios. Porque os ouviam falar línguas, e magnificar a Deus. AA 75.8
“Respondeu então Pedro: Pode alguém porventura recusar a água, para que não sejam batizados estes, que também receberam como nós o Espírito Santo? E mandou que fossem batizados em nome do Senhor” (At 10:47, 48). AA 75.9
Assim foi o evangelho levado àqueles que tinham sido estranhos e forasteiros, tornando-os concidadãos dos santos e membros da família de Deus. A conversão de Cornélio e sua casa não foi senão o início de uma preciosa colheita. Dessa família estendeu-se uma vasta obra de graça naquela cidade gentílica. AA 76.1
Deus está hoje buscando almas entre os grandes bem como entre os humildes. Há muitos como Cornélio, homens a quem o Senhor deseja pôr em contato com Sua obra na Terra. Suas simpatias estão com o povo do Senhor, mas os laços que os retêm ao mundo, mantêm-nos firmemente seguros. Requer-se força moral para que tomem posição ao lado de Cristo. Devem ser feitos esforços especiais por essas almas em tão grande perigo, por causa de suas responsabilidades e associações. AA 76.2
Deus chama obreiros humildes e fervorosos, que desejem levar o evangelho às mais altas classes. Há milagres a serem operados em conversões genuínas - milagres que não são agora discernidos. Os maiores homens deste mundo não estão além do poder de um Deus que opera maravilhas. Se todos os que são Seus coobreiros se dispuserem a ser homens de oportunidade, cumprindo brava e fielmente o dever, Deus converterá homens que ocupam posições de responsabilidade, homens de intelecto e de influência. Pelo poder do Espírito Santo muitos aceitarão os princípios divinos. Convertidos à verdade, tornar-se-ão instrumentos na mão de Deus, para comunicar luz. Sentirão especial responsabilidade por outras almas desta classe negligenciada. Consagrarão tempo e dinheiro à obra do Senhor, e uma nova eficiência e poder serão adicionados à igreja. AA 76.3
Porque estivesse Cornélio vivendo em harmonia com toda a instrução que havia recebido, Deus de tal maneira encaminhou os acontecimentos que lhe foi dada mais verdade. Um mensageiro das cortes celestes foi enviado ao oficial romano e a Pedro, para que Cornélio pudesse ser posto em contato com quem poderia guiá-lo a maior luz. AA 76.4
Há em nosso mundo muitos que estão mais próximos do reino de Deus do que supomos. Neste tenebroso mundo de pecado, o Senhor tem muitas jóias preciosas a quem Ele guiará Seus mensageiros. Há em toda parte os que assumirão sua atitude ao lado de Cristo. Muitos darão mais apreço à sabedoria de Deus do que a qualquer vantagem terrestre, e se tornarão fiéis portadores de luz. Constrangidos pelo amor de Cristo, constrangerão outros a vir a Ele. AA 76.5
Quando os irmãos na Judéia ouviram que Pedro havia entrado na casa de um gentio e pregara aos que ali estavam reunidos, ficaram surpresos e escandalizados. Receavam que tal conduta, que a eles parecia presunçosa, tivesse como resultado contrariar seu próprio ensino. Quando a seguir viram Pedro, defrontaram-no com severa censura, dizendo: “Entraste em casa de varões incircuncisos, e comeste com eles” (At 11:3). AA 76.6
Pedro lhes expôs toda a questão. Relatou sua experiência, com referência à visão, e alegou que isto o advertia a não mais observar a distinção cerimonial da circuncisão e incircuncisão, bem como a não considerar os gentios imundos. Contou-lhes acerca da ordem que lhe fora dada para ir aos gentios, da vinda dos mensageiros, de sua viagem para Cesaréia e do encontro com Cornélio. Relatou a substância de sua entrevista com o centurião, na qual este lhe contara a visão que lhe determinava mandasse chamar Pedro. AA 76.7
“Quando comecei a falar”, disse ele, relatando sua experiência, “caiu sobre eles o Espírito Santo, como também sobre nós ao princípio. E lembrei-me do dito do Senhor, quando disse: João certamente batizou com água; mas vós sereis batizados com o Espírito Santo. Portanto, se Deus lhes deu o mesmo dom que a nós, quando havemos crido no Senhor Jesus Cristo, quem era então eu, para que pudesse resistir a Deus?” (At 11:15-17). AA 76.8
Ouvindo este relato, os irmãos ficaram em silêncio. Convictos de que a conduta de Pedro estava em direto cumprimento ao plano de Deus, e que seus preconceitos e exclusivismo eram inteiramente contrários ao espírito do evangelho, glorificaram a Deus, dizendo: “Na verdade até aos gentios deu Deus o arrependimento para a vida” (At 11:18). AA 77.1
Assim, sem controvérsias, derribou-se o preconceito, abandonou-se o exclusivismo estabelecido pelo costume dos séculos, e abriu-se o caminho para que o evangelho fosse proclamado aos gentios. AA 77.2