Para repovoar a Terra desolada, da qual tão recentemente havia o dilúvio varrido a corrupção moral, Deus tinha preservado apenas uma família, a casa de Noé, a quem Ele declarou: “ [...] te hei visto justo diante de Mim nesta geração”. Gênesis 7:1. Contudo, nos três filhos de Noé rapidamente se desenvolveu a mesma grande distinção que se via no mundo anterior ao dilúvio. Em Sem, Cão e Jafé, que seriam os fundadores do gênero humano, estava prefigurado o caráter de sua posteridade. PP 75.1
Noé, falando por inspiração divina, predisse a história das três grandes raças que se originariam desses pais da humanidade. Seguindo a linhagem de Cão, por meio do filho em vez de o pai, declarou ele: “Maldito seja Canaã; servo dos servos seja aos seus irmãos”. Gênesis 9:25. O atentado aos sentimentos de afeição natural por parte de Cão, declarou que a reverência filial muito tempo antes havia sido repelida de sua alma; e revelou a impiedade e vileza de seu caráter. Estas más características perpetuaram-se em Canaã e sua posteridade, cujo delito, continuado, atraiu-lhes os juízos de Deus. PP 75.2
Do outro lado, a reverência de Sem e Jafé por seu pai, e assim pelos estatutos divinos, prometia um futuro mais brilhante aos seus descendentes. Com relação a esses filhos foi declarado: “Bendito seja o Senhor Deus de Sem; e seja-Lhe Canaã por servo. Alargue Deus a Jafé, e habite nas tendas de Sem; e seja-lhe Canaã por servo”. Gênesis 9:26, 27. A linhagem de Sem deveria ser a do povo escolhido, do concerto de Deus, do Redentor prometido. Jeová era o Deus de Sem. Dele devia descender Abraão, e o povo de Israel, por intermédio do qual Cristo devia vir. “Bem-aventurado é o povo cujo Deus é o Senhor”. Salmos 144:15. E Jafé “habite nas tendas de Sem”. Das bênçãos do evangelho os descendentes de Jafé deveriam especialmente participar. PP 75.3
A posteridade de Canaã desceu às mais degradantes formas de paganismo. Posto que a maldição profética os condenasse à escravidão, esta condenação foi retida durante séculos. Deus suportou sua impiedade e corrupção até que eles passaram os limites da longanimidade divina. Então foram despojados, e se tornaram escravos dos descendentes de Sem e Jafé. PP 75.4
A profecia de Noé não foi uma manifestação arbitrária de ira ou uma declaração de favor. Ela não fixou o caráter e destino de seus filhos. Mas mostrou qual seria o resultado da conduta de vida que cada um havia escolhido, e o caráter que tinham desenvolvido. Era uma expressão do propósito de Deus para com eles e sua posteridade, em vista de seu próprio caráter e conduta. Em regra, os filhos herdam as disposições e tendências dos pais, e imitam-lhes o exemplo, de modo que os pecados dos pais são praticados pelos filhos de geração em geração. Assim a vileza e irreverência de Cão foram reproduzidas em sua posteridade, acarretando-lhes maldição por muitas gerações. “Um só pecador destrói muitos bens”. Eclesiastes 9:18. PP 75.5
De outro lado, quão ricamente galardoado foi o respeito de Sem para com seu pai! e que ilustre estirpe de homens santos aparece em sua posteridade! “O Senhor conhece os dias dos retos”, “a sua descendência é abençoada”. Salmos 37:18, 26. “Saberás pois que o Senhor teu Deus é Deus, o Deus fiel, que guarda o concerto e a misericórdia até mil gerações aos que O amam e guardam os Seus mandamentos”. Deuteronômio 7:9. PP 76.1
Durante algum tempo os descendentes de Noé continuaram a habitar entre as montanhas onde a arca repousara. Aumentando o seu número, a apostasia logo determinou a divisão. Aqueles que desejavam esquecer-se de seu Criador, e lançar de si as restrições de Sua lei, sentiam um incômodo constante pelo ensino e exemplos de seus companheiros tementes a Deus; e depois de algum tempo resolveram separar-se dos adoradores de Deus. Portanto viajaram para a planície de Sinear, nas margens do rio Eufrates. Eram atraídos pela beleza do local e fertilidade do solo; e nesta planície decidiram-se a fazer sua morada. PP 76.2
Ali resolveram edificar uma cidade, e nela uma torre de altura tão estupenda que havia de torná-la uma maravilha do mundo. Estes empreendimentos destinavam-se a impedir que o povo se espalhasse ao longe, em colônias. Deus determinara que os homens se dispersassem pela Terra toda, para povoá-la e subjugá-la; mas estes construtores de Babel resolveram conservar unida a sua comunidade, em um corpo, e fundar uma monarquia que finalmente abrangesse a Terra inteira. Assim, a sua cidade tornar-se-ia a metrópole de um império universal; sua glória imporia a admiração e homenagem do mundo, e tornaria ilustres os fundadores. A magnificente torre, atingindo os céus, tinha por fim permanecer como um monumento do poder e sabedoria de seus construtores, perpetuando a sua fama até as últimas gerações. PP 76.3
Os moradores da planície de Sinear não criam no concerto de Deus de que não mais traria um dilúvio sobre a Terra. Muitos deles negavam a existência de Deus, e atribuíam o dilúvio à operação de causas naturais. Outros criam em um Ser supremo, e que fora Ele que destruíra o mundo antediluviano; e seu coração, como o de Caim, ergueu-se em rebelião contra aquele Ser. Um objetivo que tinham na construção da torre era garantir sua segurança em caso de outro dilúvio. Elevando a construção a uma altura muito maior do que a que foi atingida pelas águas do dilúvio, julgavam colocar-se fora de toda possibilidade de perigo. E, como pudessem subir à região das nuvens, esperavam certificar-se da causa do dilúvio. Todo o empreendimento destinava-se a exaltar ainda mais o orgulho dos que o projetaram, e desviar de Deus a mente das futuras gerações e levá-las à idolatria. PP 76.4
Quando a torre se completara parcialmente, parte dela foi ocupada como habitação de seus construtores; outros compartimentos, esplendidamente aparelhados e ornamentados, eram dedicados a seus ídolos. O povo regozijava-se com o seu êxito, e louvava os deuses de prata e ouro, e colocavam-se em oposição ao Governador do Céu e da Terra. Súbito sustou-se a obra que estivera avançando tão prosperamente. Anjos foram enviados para reduzir a nada o propósito dos edificadores. A torre havia alcançado uma grande altura, e era impossível aos trabalhadores no cimo comunicar-se diretamente com os que estavam na base; portanto foram estacionados homens em diferentes pontos, devendo cada um receber os pedidos de material de que se necessitava, ou outras instruções relativas à obra, e transmiti-las ao que estava imediatamente abaixo. Passando assim os avisos de um para o outro, foi confundida a língua, de modo que se pedia material de que não havia necessidade, e as instruções transmitidas eram muitas vezes o contrário das que tinham sido dadas. Seguiram-se a confusão e o desânimo. Todo o trabalho paralisou-se. Não mais podia haver harmonia ou cooperação. Os edificadores eram inteiramente incapazes de dar a razão dos estranhos mal-entendidos entre eles, e em sua raiva e decepção, censuravam uns aos outros. Terminou sua confederação em contenda e carnificina. Raios do céu, como prova do desagrado de Deus, quebraram a parte superior da torre, e a lançaram ao solo. Os homens foram levados a compenetrar-se de que há um Deus que governa nos Céus. PP 77.1
Até aquele tempo todos os homens falavam a mesma língua; agora, aqueles que compreendiam a fala uns dos outros, uniram-se em grupos; alguns foram para um lado, outros para outro. “O Senhor os espalhou dali sobre a face de toda a Terra”. Gênesis 11:8. Esta dispersão foi o meio de povoar a Terra; e assim o propósito do Senhor se cumpriu pelo próprio meio que os homens haviam empregado para impedir a sua realização. PP 77.2
Mas com que perda para aqueles que se colocaram contra Deus! Era Seu propósito que, ao saírem os homens para fundarem nações nas várias partes da Terra, levassem consigo o conhecimento de Sua vontade, para que a luz da verdade pudesse resplandecer com todo o brilho às gerações que se sucedessem. Noé, o fiel pregador da justiça, viveu trezentos e cinqüenta anos depois do dilúvio, e Sem quinhentos anos; e assim seus descendentes tiveram oportunidade de familiarizar-se com os mandos de Deus e a história de Seu trato para com os pais. Estavam, porém, indispostos a ouvir estas verdades, que lhes desagradavam; não tinham o desejo de conservar a Deus em seu conhecimento; e pela confusão das línguas ficaram em grande medida excluídos do intercâmbio com aqueles que lhes poderiam proporcionar luz. PP 77.3
Os edificadores de Babel tinham alimentado o espírito de murmuração contra Deus. Em vez de se lembrarem com gratidão de Sua misericórdia para com Adão, e de Seu gracioso concerto com Noé, queixaram-se de Sua severidade ao expulsar do Éden o primeiro par, e destruir o mundo por um dilúvio. Entretanto enquanto murmuravam contra Deus, como sendo arbitrário e severo, estavam a aceitar o governo do mais cruel dos tiranos. Satanás estava procurando levar o desdém às ofertas sacrificais que prefiguravam a morte de Cristo; e, obscurecendo-se a mente do povo pela idolatria, ele os levou a falsificar essas ofertas, e a sacrificar seus próprios filhos sobre os altares de seus deuses. Desviando-se de Deus os homens, os atributos divinos de justiça, pureza e amor foram suplantados pela opressão, violência e brutalidade. PP 78.1
Os homens de Babel tinham-se decidido a estabelecer um governo que fosse independente de Deus. Alguns houve entre eles, entretanto, que temiam ao Senhor, mas tinham sido enganados pelas pretensões dos ímpios, e arrastados aos seus desígnios. Por amor a estes fiéis, o Senhor retardou os Seus juízos, e deu ao povo tempo para revelar o seu verdadeiro caráter. Desenvolvendo-se este, os filhos de Deus trabalharam para os demover de seu intuito; mas o povo estava completamente unido em seu empreendimento que se atrevia contra o Céu. Houvessem eles continuado sem serem impedidos, e teriam aviltado o mundo em sua infância. A confederação foi fundada de modo revoltoso; estabelecido fora um reino para a exaltação própria, mas no qual Deus não deveria ter domínio ou honra. Houvesse sido permitida esta confederação, e uma grande potência teria exercido o domínio para banir da Terra a justiça, e com esta a paz, a felicidade e a segurança. Os homens estavam a esforçar-se por substituir os estatutos divinos, que são justos, santos e bons (Romanos 7:12), por leis que conviessem aos intuitos de seu coração egoísta e cruel. PP 78.2
Os que temiam ao Senhor clamavam a Ele para que interviesse. “Então desceu o Senhor para ver a cidade e a torre que os filhos dos homens edificavam”. Gênesis 11:5. Usando de misericórdia para com o mundo, frustrou o propósito dos edificadores da torre, e transtornou o memorial de sua ousadia. Misericordiosamente confundiu-lhes a língua acabando com seus propósitos de rebelião. Deus suporta longamente a perversidade dos homens, dando-lhes ampla oportunidade para o arrependimento; mas nota todos os seus expedientes para resistirem à autoridade de Sua santa e justa lei. De tempos em tempos a mão invisível que segura o cetro do governo estende-se para restringir a iniqüidade. Prova inequívoca é dada de que o Criador do Universo, o Ser infinito em sabedoria, amor e verdade, é o supremo governador do Céu e da Terra, e de que ninguém pode impunemente desafiar o Seu poder. PP 78.3
Os planos dos construtores de Babel terminaram com vergonha e derrota. O monumento ao seu orgulho tornou-se no memorial de sua loucura. Os homens, todavia, estão continuamente a prosseguir no mesmo caminho, confiando em si mesmos e rejeitando a lei de Deus. É o princípio que Satanás procurou pôr em prática no Céu; o mesmo que governou Caim ao apresentar ele a sua oferta. PP 79.1
Há edificadores de torre em nosso tempo. Os incrédulos constroem suas teorias pelas supostas deduções da Ciência, e rejeitam a Palavra revelada de Deus. Pretendem dar sentença contra o governo moral de Deus; desprezam Sua lei e vangloriam-se da suficiência da razão humana. Então, “visto como se não executa logo o juízo sobre a má obra, por isso o coração dos filhos dos homens está inteiramente disposto para praticar o mal”. Eclesiastes 8:11. PP 79.2
No professo mundo cristão, muitos se desviam dos claros ensinos da Bíblia, e edificam um credo com especulações humanas e fábulas aprazíveis; e apontam para a sua torre como um caminho para subir ao Céu. Os homens ficam tomados de admiração ante a eloqüência, enquanto esta ensina que o transgressor não morrerá, que a salvação pode ser conseguida sem a obediência à lei de Deus. Se os professos seguidores de Cristo aceitassem a norma de Deus, esta os levaria à unidade; mas enquanto a sabedoria humana for exaltada sobre a Sua santa Palavra, haverá divisões e dissensão. A confusão existente entre credos e seitas em conflito uns com os outros, é apropriadamente representada pelo termo “Babilônia”, que a profecia aplica às igrejas amantes do mundo, dos últimos dias. Apocalipse 14:8; 18:2. PP 79.3
Muitos procuram fazer um Céu para si mesmos, obtendo riquezas e poderio. “Tratam maliciosamente de opressão; falam arrogantemente” (Salmos 73:8), pisando os direitos humanos, e desrespeitando a autoridade divina. O orgulhoso pode por algum tempo estar em grande poderio, e pode ver o êxito em tudo que empreende; mas no fim encontrará apenas decepção e desgraça. PP 79.4
O tempo do juízo de Deus está próximo. O Altíssimo descerá para ver o que os filhos dos homens têm edificado. Revelar-se-á Seu poder soberano; derribar-se-ão as obras do orgulho humano. “O Senhor olha desde os Céus, e está vendo a todos os filhos dos homens; da Sua morada contempla todos os moradores da Terra”. Salmos 33:13, 14. “O Senhor desfaz o conselho das nações, quebranta os intentos dos povos. O conselho do Senhor permanece para sempre; os intentos do Seu coração de geração em geração”. Salmos 33:10, 11. PP 79.5