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    16 – Origem da Observância do Primeiro Dia

    Domingo: uma festa pagã desde a antiguidade remota – Origem do nome – Motivos que levaram os líderes da igreja a adotarem essa festa – Era o dia normalmente guardado pelos gentios nos primeiros séculos da era cristã – Adotar outro dia teria sido um enorme inconveniente – Eles esperavam facilitar a conversão dos gentios ao guardarem o mesmo dia que eles – Três festas eclesiásticas voluntárias que ocorriam semanalmente em memória do Redentor – O domingo logo foi elevado acima dos outros dois dias – Justino Mártir – É na igreja de Roma que a observância do domingo é vista pela primeira vez – Irineu – O primeiro ato de usurpação papal foi em prol do domingo – Tertuliano – O mais antigo vestígio de abstinência do trabalho aos domingos – Declaração geral dos fatos – A igreja de Roma fez seu primeiro grande ataque ao sábado ao transformá-lo em um dia de jejumHS 171.1

    A festa do domingo é mais antiga do que a religião cristã. Sua origem se perde na remota antiguidade. No entanto, ela não surgiu por nenhuma ordem divina, nem por piedade a Deus. Pelo contrário, o domingo foi separado como dia sagrado pelo mundo pagão em homenagem a seu deus principal, o sol. É com base nesse fato que o primeiro dia da semana recebeu em inglês o nome de Dia do Sol [Sunday], pelo qual é conhecido em muitos outros idiomas. O dicionário Webster define o termo da seguinte forma:HS 171.2

    “Domingo [Sunday]: assim chamado porque este dia era dedicado ao sol ou a sua adoração na antiguidade. O primeiro dia da semana; o sábado cristão; dia consagrado ao descanso dos afazeres seculares e à adoração religiosa; o dia do Senhor.”HS 171.3

    Worcester, em seu grande dicionário, usa linguagem semelhante:HS 171.4

    “Domingo [Sunday]: assim chamado porque antigamente era dedicado ao sol ou a sua adoração. O primeiro dia da semana; o sábado cristão, consagrado ao descanso dos labores e à adoração religiosa; o dia do Senhor.”HS 171.5

    Esses lexicógrafos chamam o domingo de sábado cristão, etc., porque na literatura teológica geral de língua inglesa ele é assim denominado, embora isso jamais aconteça na Bíblia. Os lexicógrafos não se propõem a resolver questões teológicas, mas simplesmente a definir os termos conforme são usados em determinado idioma. Embora todos os outros dias da semana tenham nomes pagãos na língua inglesa, somente o domingo era uma festa pagã proeminente nos dias da igreja primitiva. A North British Review [Revisão Norte-Britânica], numa elaborada tentativa de justificar a observância do domingo pelo mundo cristão, chama o dia de “o feriado solar [isto é, festa em honra ao sol] bárbaro de todas as épocas pagãs”.1Vol. 18, p. 409.HS 171.6

    Verstegan diz:HS 172.1

    “Os mais antigos povos germânicos eram pagãos e se apropriaram do primeiro dia da semana para adoração especial ao sol, razão pela qual esse dia ainda mantém em nossa língua inglesa o nome de Sunday [domingo – dia do sol]. Eles também adotaram o dia seguinte para adoração especial à lua, razão pela qual o nome Monday [segunda-feira – lit. dia da lua – moon, em inglês] permanece conosco. Dedicaram o dia posterior aos desses grandes astros celestes para a adoração específica a Tuisco, seu grande e célebre deus, razão por que conservamos em nossa língua o nome Tuesday [terça-feira – dia de Tuisco].”2Verstegan, Antiquities, p. 10, Londres, 1628.HS 172.2

    O mesmo autor diz o seguinte acerca dos ancestrais saxões dos ingleses e norte-americanos:HS 172.3

    “Embora tivessem muitas divindades em seu panteão, eles dedicaram sete, de maneira especial, aos sete dias da semana. [...] Ao dia reservado para a adoração especial ao ídolo do sol, deram o nome de Sunday [domingo], como dizendo o ‘dia do sol’. Tal ídolo era colocado em um templo, onde recebia sacrifícios e era adorado, pois eles acreditavam que o sol, no firmamento, correspondia e cooperava com o ídolo.”3Antiquities, p. 68.HS 172.4

    Jennings afirma que tal adoração é mais antiga do que a libertação de Israel do Egito, pois, ao falar da época desse livramento, descreve os gentios como:HS 172.5

    “As nações idólatras que, em honra a seu deus principal, o sol, começavam o dia quando ele nascia.”4Jewish Antiquities, livro 3, cap. 1. Ver também McClintock e Strong, Cyclopedia, vol. 4, p. 472, verbete “Idolatry”; Dr. A. Clarke sobre Jó 31:26; e Dr. Gill sobre a mesma passagem; o verbete “Sabianism” no dicionário Webster e “Sabian” no dicionário Worcester.HS 172.6

    Ele também os apresenta separando o domingo em honra ao mesmo objeto de adoração:HS 172.7

    “O dia que os pagãos em geral dedicavam à adoração e honra de seu deus principal, o sol, o qual, de acordo com nossos cálculos, era o primeiro dia da semana.”5Idem, livro 3, cap. 3.HS 172.8

    A North British Review explica da seguinte forma a introdução dessa antiga festa pagã na igreja cristã:HS 172.9

    “Aquele dia específico era o Dia do Sol [Sunday] de seus vizinhos pagãos e respectivos conterrâneos; e o patriotismo alegremente os uniu em nome da conveniência, transformando imediatamente o domingo no dia do Senhor e descanso sabático deles. [...] Se a autoridade da igreja for completamente ignorada pelos protestantes, não haverá problema, pois a oportunidade e a conveniência comum tomarão o seu lugar, como argumentos suficientes para uma mudança tão cerimonial como essa, que diz respeito simplesmente ao dia da semana em que se devia observar o descanso e a santa convocação do sábado judaico. De fato, a igreja primitiva não podia escapar de adotar o domingo, até que ele se tornou consolidado e supremo, quando já era tarde demais para fazer outra alteração. E não era irreverente ou desagradável adotar o domingo, uma vez que o primeiro dia da semana já era o dia respeitado pelos pagãos, de qualquer forma; por isso, sua aceitação e civilidade foram recompensadas pela santidade redobrada de sua festa silenciosa.”6Vol. 18, p. 409.HS 172.10

    Somos levados a imaginar que algo mais poderoso do que o “patriotismo” ou a “conveniência” seria necessário para transformar essa festa pagã no sábado cristão, ou mesmo para justificar sua introdução na igreja cristã. Uma declaração adicional sobre os motivos que levaram a sua introdução, e uma breve nota sobre os passos anteriores a sua transformação em uma instituição cristã, ocuparão o restante deste capítulo. Chafie, clérigo da Igreja Anglicana, em 1652, publicou uma obra em defesa da observância do primeiro dia chamada The Seventh-day Sabbath [O Sábado do Sétimo Dia]. Após descrever a observância generalizada do domingo pelo mundo pagão nos primórdios da igreja, Chafie assim descreve os motivos que proibiam os cristãos de tentar guardar qualquer outro dia:HS 173.1

    “1. Por causa do desprezo, da zombaria e do ridículo no qual [os cristãos] incorreriam em meio a todos os gentios com os quais viviam. [...] Como seriam penosos os escárnios e censuras deles contra os pobres cristãos que habitavam entre eles e sob seu poder, se insistissem em manter um dia que, para os pagãos, era um novo dia sagrado, e se houvessem escolhido qualquer dia além do domingo. [...] 2. Quase todos os cristãos eram servos ou pertenciam às classes mais pobres; e é bem provável que os gentios não dariam a seus servos, de maneira regular, a liberdade de deixar de trabalhar em qualquer outro dia específico, a não ser durante os domingos, que eles também guardavam. [...] 3. Porque, se tivessem tentado tal mudança, os esforços deles teriam sido em vão; [...] nunca poderiam tê-la colocado em prática.”7P. 61, 62.HS 173.2

    Percebe-se, então, que, na época em que a igreja primitiva começou a se afastar de Deus e a promover ordenanças humanas, o mundo pagão, de forma muito generalizada, observava o primeiro dia da semana em honra ao sol – como o fazia desde muito antes. Vários dos primeiros pais da igreja haviam sido filósofos pagãos no passado e, infelizmente, trouxeram consigo para dentro da igreja diversos de seus antigos conceitos e princípios. De maneira específica, ocorreu-lhes que, ao se unirem com os pagãos no dia de celebração semanal, facilitariam em muito sua conversão. As razões que induziram a igreja a adotar a antiga festa dos pagãos como algo a ser celebrado são declaradas da seguinte maneira por Morer:HS 173.3

    “Não devemos negar que tomamos o nome desse dia emprestado dos antigos gregos e romanos. Reconhecemos também que os antigos egípcios adoravam o sol e, como memorial palpável de sua veneração, dedicaram o primeiro dia a ele. Encontramos, também, pela influência do exemplo deles, outras nações, dentre elas os próprios judeus, prestando homenagem ao sol.82 Reis 23:5; Jeremias 43:13. Tais abusos, porém, não impediram os pais da igreja cristã, de modo que simplesmente repudiassem ou deixassem de lado, por completo, o dia ou o seu nome, mas, ao contrário, levaram-nos a santificar e fazer uso de ambos, o que também fizeram com os templos pagãos, antes poluídos com ritos idólatras – uma postura que esses bons homens adotaram em outros casos, mostrando-se sempre cuidadosos em efetuar mudanças em coisas que iam além do que era evidentemente necessário, e em coisas claramente inconsistentes com a religião cristã. Desse modo, como o primeiro dia da semana era o dia no qual os gentios adoravam o sol com solenidade e ao qual eles chamavam de Dia do Sol, em parte por sua influência especial sobre esse dia, em parte por respeito àquele corpo celeste divino (da forma como o concebiam), os cristãos acharam por bem manter esse mesmo dia e o mesmo nome, para que não parecessem impertinentes sem motivo e não atrapalhassem a conversão dos gentios, causando mais preconceito sobre o evangelho do que seria necessário.”9Dialogues on the Lord’s day, p. 22, 23.HS 173.4

    Na época de Justino Mártir (100-165 d.C.), o domingo era uma festa semanal, amplamente celebrada pelos pagãos em homenagem a seu deus, o sol. Assim, ao apresentar ao imperador pagão de Roma uma “Apologia” em favor de seus irmãos, Justino toma o cuidado de mencionar três vezes que os cristãos realizavam suas reuniões nesse dia geral de guarda.10Apology, cap. 67; Testimony of the Fathers, p. 34, 35. Portanto, o domingo aparece pela primeira vez na igreja cristã como uma instituição idêntica, na época, à festa semanal dos pagãos. Justino, o primeiro a mencionar a festa, havia sido um filósofo pagão. Sessenta anos depois, Tertuliano (160-220 d.C.) reconhece que as pessoas tinham seus motivos para achar que o sol era o deus dos cristãos. Mas ele respondeu que, embora adorassem virados para o leste, como os pagãos, e dedicassem o domingo para se alegrar, era por uma razão bem diferente do que a adoração ao sol.11Apology, seção 16; Testimony of the Fathers, p. 64, 65. Em outra ocasião, ao defender seus irmãos da acusação de adorar o sol, ele reconhece que tais atos – a oração voltada para o oriente e o domingo como dia de festa – de fato davam aos outros a chance de pensarem que o sol era o deus dos cristãos.12Ad Nationes, livro 1, cap. 13; Testimony of the Fathers, p. 70. Assim, Tertuliano é uma testemunha do fato de que o domingo era uma festa pagã quando a mesma achou guarida dentro da igreja cristã, e que os cristãos, por observá-lo, eram rotulados como adoradores do sol. É notável que, em suas respostas, ele nunca mencione nenhum preceito divino ou exemplo apostólico para justificar a observância do primeiro dia. Seu principal argumento é que eles tinham o mesmo direito de fazê-lo que os pagãos. Cento e vinte anos depois de Tertuliano, Constantino (272-337 d.C.), quando ainda pagão, promulgou o célebre edito a favor da festa pagã do sol, e declarou que o dia era “venerável”. Essa lei pagã fez com que o dia fosse observado em todo o império romano e se consolidasse, tanto na igreja quanto no Estado. É certo, portanto, que, na época de sua entrada na igreja cristã, o domingo era uma antiga festa semanal do mundo pagão.HS 174.1

    Sem dúvida, o fato de essa festa pagã ocorrer no dia da ressurreição de Cristo, aumentou muito o “patriotismo” e a “conveniência” de transformá-la no dia do Senhor ou sábado cristão. É razoável concluir que, por motivos piedosos, o professo povo de Deus veio a dedicar consideração voluntária por vários dias memoráveis da história do Redentor, já nos primórdios da mesma. Mosheim, cujo testemunho a favor do domingo já foi apresentado, afirma o seguinte em relação ao dia da crucifixão:HS 175.1

    “Também é provável que a sexta-feira, o dia da crucifixão de Cristo, tenha se tornado, já no início, distinta dos outros dias da semana com honras especiais.”13Eccl. Hist., séc. 1, parte 2, cap. 4, nota à seção 4.HS 175.2

    Falando sobre o segundo século, ele afirma:HS 175.3

    “Muitos também observavam o quarto dia da semana, no qual Cristo foi traído, e também o sexto, que era o dia de Sua crucifixão.”14Eccl. Hist., séc. 2, parte 2, cap. 1, seção 12.HS 175.4

    O Dr. Peter Heylyn diz o seguinte sobre os que escolheram o domingo:HS 175.5

    “[Assim o fizeram] porque nosso Salvador ressuscitou dos mortos nesse dia, assim como outros escolheram a sexta-feira, por causa da paixão do Salvador, e outros ainda a quarta-feira, na qual Ele foi traído. Enquanto isso, o sétimo dia, o antigo sábado, foi preservado nas igrejas orientais.”15History of the Sabbath, parte 2, cap. 1, seção 12.HS 175.6

    Quanto à santidade relativa dessas três festas voluntárias, o mesmo autor comenta:HS 175.7

    “Se considerarmos a pregação da palavra, a ministração dos sacramentos ou as orações públicas, o domingo nas igrejas orientais não tinha nenhuma prerrogativa maior que os outros dias, sobretudo a quarta e a sexta-feira, exceto o fato muito provável de que as reuniões nesse dia eram mais solenes e atraíam mais pessoas do que em outras ocasiões.”16Idem, parte 2, cap. 3, seção 4.HS 175.8

    Além dessas três festas semanais, havia também duas festas anuais de grande santidade: a Páscoa e o Pentecostes. É digno de destaque especial o fato de que, embora a celebração da festa do domingo não possa ser encontrada, nos registros da igreja, num período anterior a Justino Mártir, 140 d.C., a primeira menção à Páscoa remonta a um homem que afirmou tê-la recebido dos apóstolos (ver o capítulo 13). Dentre essas festas, vistas apenas como memoriais voluntários do Salvador, o domingo tinha preeminência muito pequena, conforme Heylyn afirma muito claramente:HS 175.9

    “Consultemos a quem quisermos, tanto os pais quanto os modernos, e não encontraremos nenhum dia do Senhor sendo instituído por mandato apostólico; nenhum sábado sendo firmado por eles no primeiro dia da semana.”17Hist. of the Sabbath, parte 2, cap. 1, seção 10.HS 175.10

    Domville dá este testemunho, que merece sempre ser lembrado:HS 176.1

    “Nenhum escritor eclesiástico dos três primeiros séculos atribuiu a origem da observância do domingo a Cristo ou a Seus apóstolos.”18Examination of the Six Texts, Suplemento, p. 6, 7.HS 176.2

    Entretanto, “patriotismo” e “conveniência” logo elevaram imensuravelmente, dentre essas três festas voluntárias, aquela que correspondia ao “primitivo feriado solar” do mundo pagão, transformando esse dia, por fim, no “dia do Senhor” da igreja cristã. O mais antigo testemunho a favor da observância do primeiro dia que tem algum direito de ser considerado genuíno é o de Justino Mártir, escrito em torno de 140 d.C. Antes de se converter, ele era um filósofo pagão. O tempo, o lugar e a ocasião para sua primeira Apologia ou Defesa dos Cristãos, dirigida ao imperador romano, são explicados por um proeminente historiador católico romano. Ele diz o seguinte sobre Justino Mártir:HS 176.3

    “[Ele] estava em Roma quando teve início a perseguição ocorrida durante o reinado de Antonino Pio, sucessor de Adriano. Ali ele compôs uma excelente apologia a favor dos cristãos.”19Du Pin, Eccl. Hist., vol. 1, p. 50.HS 176.4

    Sobre as obras atribuídas a Justino Mártir, Milner afirma:HS 176.5

    “Assim como muitos dos antigos pais, ele chega até nós em grande desvantagem. Obras verdadeiramente de sua autoria foram perdidas; outras lhe foram atribuídas, sendo que parte delas não foi escrita por ele; o restante é, no mínimo, de autoridade ambígua.”20Hist. Church, séc. 2, cap. 3.HS 176.6

    Caso os escritos atribuídos a ele sejam genuínos, há pouca justificativa para que os defensores de que o primeiro dia é o sábado cristão usem seu nome. Ele ensinava a anulação da instituição sabática; e não há nenhum indício, em suas palavras, de que a festa dominical que ele menciona seja qualquer coisa além de uma observância voluntária. Ele se dirige da seguinte forma ao imperador de Roma:HS 176.7

    “E no dia chamado Dia do Sol [domingo], todos os que vivem na cidade e no campo se reúnem no mesmo lugar, onde os escritos dos apóstolos e dos profetas são lidos, tanto quanto o tempo permitir. Quando o leitor acaba, o bispo faz um sermão, no qual instrui as pessoas e as anima na prática de preceitos graciosos. Ao fim de seu discurso, todos nós nos levantamos e fazemos orações. Quando as orações que mencionei terminam, pão, água e vinho são oferecidos. O bispo, como antes, faz orações e ações de graças com todo o fervor possível, e o povo conclui tudo com a alegre aclamação de amém. Então os elementos consagrados são distribuídos e consumidos por todos os presentes, e enviados para os ausentes pelas mãos dos diáconos. Os ricos e os dispostos, pois todos têm liberdade, contribuem conforme acham melhor. Essas ofertas ficam aos cuidados do bispo, que as usa para socorrer os órfãos, as viúvas, aqueles que se encontram em necessidade por causa de enfermidades ou qualquer outro motivo, os que estão em prisões e os estrangeiros vindos de longe; em suma, ele é o guardião e ajudador de todos os indigentes. No domingo, todos nos reunimos, nesse dia que foi o primeiro dia em que Deus Se propôs a trabalhar no tenebroso vazio, a fim de criar o mundo, e no qual nosso Salvador Jesus Cristo ressuscitou dos mortos; pois no dia anterior ao sábado Ele foi crucificado, e no dia seguinte, o domingo, Ele apareceu diante de Seus apóstolos e discípulos, ensinando-lhes o que agora proponho para sua consideração.”21Justino Mártir, First Apology, traduzida para o inglês por William Reeves, p. 127, seções 87, 88, 89.HS 176.8

    Essa passagem, se genuína, fornece a mais antiga referência à observância do domingo como festa religiosa dentro da igreja cristã. Deve-se lembrar que essas palavras foram escritas em Roma e endereçadas diretamente ao imperador. Revelam, portanto, qual era a prática da igreja naquela cidade e em suas redondezas, mas não determinam a abrangência de sua observância. Elas contêm fortes evidências de que a apostasia tinha progredido em Roma. A instituição da ceia do Senhor havia mudado, em parte, para uma ordenança humana, uma vez que a água era agora tão essencial ao sacramento quanto o pão e o vinho. Mas havia algo ainda mais perigoso na perversão da instituição de Cristo: os elementos consagrados eram enviados para os ausentes, passo que logo resultou em que estes fossem transformados em objetos de veneração supersticiosa e, por fim, de adoração. Justino conta ao imperador que Cristo assim o ordenara, mas tal declaração é um grave afastamento da verdade do Novo Testamento.HS 177.1

    Essa declaração sobre os motivos para a observância do domingo é digna de especial atenção. Justino diz ao imperador que os cristãos se reuniam no dia chamado Dia do Sol [o domingo]. Isso era o equivalente a dizer ao soberano: “Guardamos o dia em que nossos concidadãos prestam sua adoração ao sol”. Nesse ponto, tanto o “patriotismo” quanto a “conveniência” se revelam nas palavras de Justino, que foram dirigidas, em defesa dos cristãos, a um imperador perseguidor. Mas, como se tivesse consciência de que a observância de uma festa pagã como o dia de adoração cristã era inconsistente com sua profissão de adoradores do Altíssimo, Justino começa a pensar em justificativas para defender a guarda desse dia. Ele não apresenta nenhum preceito divino ou exemplo apostólico para a celebração da festa, pois sua referência ao que Cristo ensinou aos discípulos, conforme revela o contexto, era ao sistema geral da religião cristã, não à observância do domingo. Se for argumentado que Justino deve ter aprendido com a tradição aquilo que não se encontra no Novo Testamento acerca da observância do domingo, e que o primeiro dia pode muito bem ter sido ordenado por Deus, basta responder:HS 177.2

    1. Que esta justificativa mostraria que a festa do domingo tem suas bases apenas na tradição;HS 177.3

    2. Que Justino Mártir é um guia muito inseguro; seu testemunho acerca da ceia do Senhor é diferente do encontrado no Novo Testamento;HS 177.4

    3. Que a American Tract Society, em uma obra contra o catolicismo romano, dá o seguinte testemunho sobre o assunto:HS 177.5

    “Justino Mártir parece particularmente inapto para ser usado como autoridade. É notório ele ter suposto que uma coluna erigida na Ilha Tiberina a Semo Sancus, antiga divindade sabina, fosse um monumento construído pelo povo romano em homenagem ao impostor Simão Mago. Caso um erro tão grave fosse cometido por um escritor atual acerca de um fato histórico, o engano seria exposto imediatamente, e seu testemunho a partir de então receberia fortes suspeitas. Sem dúvida, a mesma medida deve recair sobre Justino Mártir, que comete um erro tão crasso em referência a um fato a que o historiador [Tito] Lívio faz alusão.”22The Spirit of Popery, p. 44, 45.HS 178.1

    Justino menciona os seguintes motivos para apoiar a observância do domingo: “nos reunimos [no domingo], nesse dia que foi o primeiro dia em que Deus Se propôs a trabalhar no tenebroso vazio, a fim de criar o mundo, e no qual nosso Salvador Jesus Cristo ressuscitou dos mortos”. O bispo Jeremy Taylor dá uma resposta apropriada a essa declaração:HS 178.2

    “O primeiro argumento parece mais uma desculpa do que um motivo válido; pois, se alguma parte da criação fosse o motivo para a guarda de um sábado, teria que ser o fim dela, não o início; teria que ser o restante, não a primeira parte da obra; teria que ser a razão que Deus escolheu, e não alguma razão que o ser humano decidisse adotar como justificativa posterior.”23Ductor Dubitantium, parte 1, livro 2, cap. 2, regra 6, seção 45.HS 178.3

    Logo, deve-se observar que o primeiro vestígio do domingo como festa cristã é encontrado na igreja de Roma. Pouco depois dessa época, e a partir de então, vamos nos deparar com “o bispo” dessa igreja empreendendo fortes esforços para suprimir o sábado do Senhor e exaltar, em seu lugar, a festa do domingo.HS 178.4

    É apropriado destacar o fato de que Justino era um forte oponente do antigo sábado. Em Diálogo com Trifão, ele diz o seguinte ao judeu:HS 178.5

    “Esta nova lei o ensina a observar um sábado perpétuo; e você, ao passar um dia em ociosidade, acha que cumpriu os deveres da religião. [...] Se alguém é culpado de adultério, que se arrependa, então terá guardado o verdadeiro e deleitoso sábado do Senhor. [...] Na verdade, nós teríamos a obrigação de observar a circuncisão da carne, o sábado e todas as festas, se não tivesse chegado ao nosso conhecimento o motivo pelo qual tais coisas foram impostas a vocês, a saber, as iniquidades de vocês. [...] Foi por causa de suas iniquidades e das iniquidades de seus pais que Deus designou que vocês guardassem o sábado. [...] Percebam que os céus não estão em ociosidade, tampouco guardam o sábado. Continuem como vocês nasceram. Pois, se antes de Abraão não havia necessidade de circuncisão, nem dos sábados, nem de festas, nem de ofertas antes de Moisés, de maneira semelhante, agora, não há necessidade de tais coisas, uma vez que Jesus Cristo, o Filho de Deus, pelo desígnio determinado de Deus, nasceu de uma virgem procedente da semente de Abraão, sem pecado.”24Brown’s Translation, p. 48, 44, 52, 59, 63, 64.HS 178.6

    Essa linha de raciocínio de Justino não merece resposta. Todavia, ela mostra a injustiça do Dr. Edwards ao mencionar Justino Mártir como testemunha da mudança do sábado,25Sabbath Manual, p. 121. uma vez que este defendia que Deus criara o sábado por causa das iniquidades dos judeus e o abolira por completo em consequência do primeiro advento de Cristo, o que nos leva a crer que a festa pagã do domingo foi evidentemente adotada pela igreja de Roma por motivos de “conveniência” e talvez de “patriotismo”. Se for genuíno, o testemunho de Justino tem valor especial por um motivo: ele mostra que, até 140 d.C., o primeiro dia da semana ainda não havia recebido nenhum título de santidade, pois ele menciona o dia diversas vezes, três delas como “o dia chamado Dia do Sol [domingo]”, duas delas como “o oitavo dia”, e também usando outros termos, mas nunca com qualquer nome santo.26Dialogue with Trypho, p. 65.HS 179.1

    A próxima testemunha importante a favor da santidade do primeiro dia é apresentada da seguinte forma pelo Dr. Edwards:HS 179.2

    “Portanto Irineu, bispo de Lião, discípulo de Policarpo, que fora companheiro dos apóstolos, disse em 167 d.C. que o dia do Senhor era o sábado cristão. Suas palavras são: ‘No dia do Senhor, todos nós, cristãos, guardamos o sábado, meditando na lei e nos regozijando nas obras de Deus.”27Sabbath Manual, p. 114.HS 179.3

    Esse testemunho é extremamente valorizado pelos escritores que defendem o primeiro dia, e, com frequência, recebe lugar de destaque em suas publicações. O senhor William Domville, cujo tratado elaborado sobre o sábado já foi citado diversas vezes, declara o seguinte fato importante a respeito dessa citação:HS 179.4

    “Pesquisei com cuidado todas as obras de Irineu disponíveis, e posso afirmar, com toda certeza, que esse texto não se encontra nelas, nem nada semelhante. A edição que consultei foi a de Massuet (Paris, 1710), mas para ter ainda mais certeza, fui em busca das edições de Erasmo (Paris, 1563) e Grabe (Oxford, 1702). Em nenhuma delas é possível encontrar a passagem em questão.”28Examination of the Six Texts, p. 131, 132.HS 179.5

    É um fato notável que aqueles que citam esse texto como sendo da autoria de Irineu, caso mencionem alguma fonte, remetem o leitor à obra Dwight’s Theology [A Teologia de Dwight] em vez de indicar o lugar, nas obras de Irineu, onde a passagem deveria ser encontrada. O Dr. Dwight foi o primeiro a enriquecer o mundo teológico com esta inestimável citação. Onde, então, Dwight encontrou esse testemunho, já muitas vezes apresentado como as palavras de Irineu? Sobre esse assunto, Domville observa:HS 179.6

    “[Dwight] teve a infelicidade de ser acometido por uma doença nos olhos com apenas 23 anos, uma calamidade (conforme seu biógrafo) que o privou da capacidade de leitura e estudo. [...] O conhecimento que veio a adquirir após o período acima mencionado [o editor aqui deve estar se referindo a sua idade de 23 anos] foi quase exclusivamente de segunda mão, com o auxílio de outros.”29Idem, p. 128.HS 179.7

    Domville revela ainda outro fato, que inquestionavelmente nos mostra a origem da citação:HS 180.1

    “Embora, porém, não se encontre em Irineu, ela está nos escritos atribuídos a outro pai, a saber, na epístola interpolada de Inácio aos magnésios. Em uma das passagens interpoladas, há expressões que lembram claramente a citação do Dr. Dwight, não deixando dúvidas quanto à fonte de onde ele citou.”30Idem, p. 130.HS 180.2

    Logo, esse é o fim do famoso testemunho de Irineu, que o obteve de Policarpo, que o obteve dos apóstolos! Ele foi apresentado ao mundo por um homem com problemas de visão, que, em consequência de sua enfermidade, apropriou-se, de segunda mão, de uma passagem retirada de uma epístola falsamente atribuída a Inácio, e a divulgou ao mundo como um testemunho genuíno de Irineu. A perda de visão, um motivo que poderíamos generosamente admitir, levou o Dr. Dwight ao grave erro que ele cometeu. Contudo, pela publicação desse testemunho espúrio, que parecia se originar diretamente dos apóstolos, ele fez com que multidões se tornassem incapazes de ler corretamente o quarto mandamento, do mesmo modo que, por perda da visão natural, ele era incapaz de ler Irineu por conta própria. Esse caso ilustra, de maneira admirável, como a tradição age como guia religioso. Trata-se de um cego guiando outro cego até ambos caírem no buraco.HS 180.3

    Mas isso não é tudo o que se pode dizer a respeito de Irineu. Em todas as suas obras, não há nenhum caso em que ele chame o domingo de dia do Senhor! E o que é também muito notável: não se tem acesso a nenhuma frase escrita por ele que sequer mencione o primeiro dia da semana!31Ver o testemunho completo de Irineu em Testimony of the Fathers, p. 44-52. Parece, porém, com base em várias declarações de escritores antigos, que ele de fato mencionou o dia, embora não exista nenhuma frase dele em que isso ocorra. Ele defendia que o sábado era uma instituição típica, que apontava para o sétimo milênio como o grande dia de descanso da igreja.32Against Heresies, livro 4, cap. 16, seções 1, 2; idem, livro 5, cap. 28, seção 3. Disse que Abraão vivia “sem a observância de sábados”;33Idem, livro 4, cap. 16, seções 1, 2. todavia, ele afirma que a origem do sábado foi a santificação do sétimo dia.34Idem, livro 5, cap. 33, seção 2. Irineu, contudo, reafirma claramente a perpetuidade e a autoridade dos dez mandamentos, declarando que eles são idênticos à lei da natureza implantada desde o início no ser humano, que eles continuam permanentemente conosco e que, se alguém não os observa, não tem salvação.35Against Heresies, livro 4, cap. 15, seção 1; cap. 13, seção 4.HS 180.4

    É notável constatar que a primeira vez, de que se tem registro, em que o bispo de Roma tentou governar a igreja cristã, foi por meio de um edito favorável ao domingo. Todas as igrejas tinham o costume de celebrar a Páscoa, mas com uma diferença: enquanto as igrejas do Oriente observavam-na no décimo quarto dia do primeiro mês, qualquer que fosse o dia da semana em que caísse, as igrejas ocidentais guardavam-na no domingo posterior ao dia 14, ou melhor, no domingo após a Sexta-feira da Paixão. Victor, bispo de Roma, no ano 196,36Bower, History of the Popes, vol. 1, p. 18, 19; Rose’s Neander, p. 188-190; Dowling, History of Romanism, livro 1, cap. 2, seção 9. determinou-se a impor o costume romano a todas as igrejas, isto é, compeli-las a observar a Páscoa no domingo. “Essa ousada tentativa”, diz Bower, “é o que podemos chamar de a primeira tentativa de usurpação papal”,37History of the Popes, vol. 1, p. 18. e Dowling a classifica como “o mais antigo exemplo de pretensão Romana”.38History of Romanism, cabeçalho da p. 32. As igrejas da Ásia Menor informaram a Victor que não poderiam cumprir sua ordem autoritária. Bower relata que:HS 180.5

    “Ao receber essa carta, Victor, dando rédeas a uma paixão impotente e desgovernada, publicou amargas injúrias contra todas as igrejas da Ásia, declarou que elas estavam excluídas da comunhão com ele, enviou cartas excomungando seus bispos e, ao mesmo tempo, a fim de excluí-los da comunhão de toda a igreja, escreveu para os outros bispos, exortando-os a seguir seu exemplo e cortar a comunicação com os insubmissos irmãos da Ásia.”39History of the Popes, vol. 1, p. 18.HS 181.1

    O historiador nos informa que “ninguém seguiu seu exemplo ou conselho; ninguém deu nenhuma atenção a suas cartas, nem demonstrou a menor inclinação de apoiá-lo nessa iniciativa tão impulsiva e severa”. Ele acrescenta:HS 181.2

    “Depois que a iniciativa de Victor foi frustrada, seus sucessores tomaram o cuidado de não reavivar a controvérsia. Desse modo, os asiáticos seguiram em paz sua antiga prática até o Concílio de Niceia, o qual, como gesto de cortesia a Constantino, o Grande, ordenou que a solenidade da Páscoa passasse a ser observada universalmente no mesmo dia, segundo o costume de Roma.”40Idem, p. 18, 19; Giesler, Eccl. Hist., vol. 1, seção 57.HS 181.3

    A vitória em prol do domingo não foi alcançada nessa batalha, conforme testemunha Heylyn,HS 181.4

    “até que o grande Concílio de Niceia [325 d.C.], apoiado pela autoridade de um imperador tão poderoso [Constantino], decidiu a questão melhor do que antes; ninguém, exceto alguns cismáticos dispersos que apareciam de quando em quando, ousou se opor à resolução daquele famoso sínodo.”41History of the Sabbath, parte 2, cap. 2, seções 4, 5.HS 181.5

    Constantino, cuja influência poderosa induziu o Concílio de Niceia a decidir essa questão – a de que a Páscoa deveria ser celebrada no domingo –, apresentou este forte motivo para a medida:HS 181.6

    “Não tenhamos nada em comum com o populacho mais hostil dos judeus.”42Boyle, Historical View of the Council of Nice, p. 52, ed. 1842.HS 181.7

    Essa frase é digna de nota. A determinação de não ter nada em comum com os judeus teve muito que ver com a supressão do sábado na igreja cristã. Aqueles que rejeitaram o sábado do Senhor e escolheram, em seu lugar, a festa do domingo – mais popular e conveniente – estavam tão cegados com a ideia de não ter nada em comum com os judeus, que nem chegaram a questionar a adequação de ter uma festa em comum com os pagãos.HS 182.1

    No caso da Páscoa, esta não era semanal, mas, sim, anual. Contudo, a transferência dela, do décimo quarto dia do primeiro mês para o domingo após a Sexta-feira da Paixão, foi a primeira legislação que tentou honrar o domingo como festa cristã; e, conforme Heylyn curiosamente destaca, “para o dia do Senhor, aquela vitória não foi algo insignificante”.43Hist. Sab., parte 2, cap. 2, seção 5. Em um breve período após o Concílio de Niceia, as leis de Teodósio determinaram a pena de morte para aqueles que celebrassem a festa da Páscoa em qualquer outro dia que não o domingo.44Decline and Fall of the Roman Empire, cap. 27. Os bretões do País de Gales conseguiram se manter firmes por muito tempo contra esse projeto predileto da igreja de Roma, e até o sexto século “resistiram com obstinação aos mandatos despóticos dos pontífices romanos”.45Idem, cap. 38.HS 182.2

    Quatro anos após o início da batalha que acabamos de mencionar, chegamos ao testemunho de Tertuliano, o mais antigo dos pais latinos da igreja, que escreveu por volta de 200 d.C. O Dr. Clarke nos conta que os pais “oscilavam em suas ideias”. Tertuliano é um bom exemplo disso. Ele afirma que o sábado surgiu na criação, mas, em outro lugar, diz que os patriarcas não o guardavam. Ele fala que Josué transgrediu o sábado em Jericó, e depois mostra que este não o transgrediu. Afirma que Cristo transgrediu o sábado, e, em outra passagem, prova que Ele não o fez. Ele classifica o oitavo dia como mais honroso que o sétimo, e, em outra parte, diz o contrário. Afirma que a lei foi abolida, e, em outros lugares, reafirma sua perpetuidade e autoridade. Declara que Cristo anulou o sábado, mas depois assevera que “Jesus não revogou o sábado de maneira nenhuma”, mas comunicou “santidade adicional” ao “próprio dia de sábado, que desde o princípio havia sido consagrado pela bênção do Pai”. Ele continua dizendo que Cristo “forneceu salvaguardas divinas a esse dia – um procedimento que Seu adversário teria adotado com relação a outros dias, a fim de evitar honrar ao sábado do Criador”.HS 182.3

    Essa última declaração é muito marcante. O Salvador forneceu salvaguardas adicionais ao sábado do Criador. Mas “Seu adversário” teria feito o mesmo com relação a outros dias. Em primeiro lugar, fica claro que Tertuliano não acreditava que Cristo havia santificado outro dia, colocando-o no lugar do sábado; em segundo lugar, que ele cria que a consagração de outro dia era obra do adversário de Deus! Quando ele escreveu essas palavras, certamente não cria que Cristo havia santificado o domingo. No entanto, Tertuliano e seus irmãos estavam observando, como uma festa, o dia em que o sol era adorado; e, em consequência, foram rotulados como adoradores do sol. Tertuliano nega a acusação, embora reconheça que havia certa aparência de verdade nela. Ele diz:HS 182.4

    “Outros, novamente, sem dúvida com mais informações e plausibilidade, creem que o sol é nosso Deus. Seremos considerados persas, talvez, embora não adoremos o astro do dia pintado em um tecido de linho, tendo-o por toda parte em sua forma circular. Essa ideia certamente se originou de saberem que nos voltamos para o leste ao orar. Mas vocês, muitos de vocês, fazendo parecer às vezes que estão adorando os astros celestes, movem os lábios para a direção do nascente. Do mesmo modo, se dedicamos o domingo ao regozijo por um motivo bem diferente da adoração ao sol, possuímos certa semelhança com aqueles dentre vocês que dedicam o dia de Saturno [o sábado] à tranquilidade e ao prazer, embora estes também se afastem bastante dos costumes judaicos, os quais desconhecem.”46Tertuliano, Apology, seção 16.HS 183.1

    Tertuliano não cita nenhuma ordem divina, nem o exemplo dos apóstolos, para sustentar essa prática. Na verdade, ele não menciona nenhum motivo para observar o costume, embora insinue que tivesse um motivo para apresentar. Em outra obra, porém, ele acha necessário repudiar a mesma acusação de adoração ao sol feita contra ele por sua prática de guardar o dia do sol [o domingo]. Nessa segunda resposta, ele menciona mais especificamente o fundamento de sua defesa, e nela encontramos sua melhor razão para a observância desse dia. Estas são suas palavras:HS 183.2

    “Outros, com consideração maior pelas boas maneiras, deve-se confessar, supõem que o sol é o deus dos cristãos, pois é fato bem conhecido que oramos voltados para o leste, ou porque fazemos do dia do sol [o domingo] um dia de festividade. Qual o problema? Por acaso vocês fazem menos do que isso? Não há tantos dentre vocês que, desejando às vezes adorar os astros celestes, movem os lábios da mesma maneira na direção do nascer do sol? Foram vocês, de qualquer modo, que chegaram até a admitir o sol no calendário semanal, e escolheram o dia dele (o domingo), em preferência ao dia anterior, ou como o dia mais adequado da semana para uma abstinência completa de banho, ou pelo menos adiando-o até o fim da tarde, ou como dia para descansar e se banquetear. Ao lançarem mão de tais costumes, vocês se desviam deliberadamente de seus próprios ritos religiosos, aderindo a práticas de estrangeiros.”47Tertuliano, Ad Nationes, livro 1, cap. 13.HS 183.3

    Tertuliano se refere, nesse discurso, às nações ainda idólatras. Em algumas delas, o dia do sol era uma festa antiga. Em outras, era relativamente recente. Mas alguns desses pagãos reprovavam os cristãos guardadores do dia do sol, dizendo que estes eram adoradores do sol. Agora preste atenção na resposta. Ele não diz: “Nós, cristãos, recebemos a ordem de celebrar o primeiro dia da semana em honra à ressurreição de Cristo”. Sem dúvida, sua resposta era a melhor que ele sabia formular. É um mero retrucar, e consiste em declarar: primeiro, que os cristãos não estavam fazendo nada pior do que seus acusadores pagãos; e segundo, que eles tinham o mesmo direito de transformar o dia do sol em dia de festa que os pagãos!HS 183.4

    A origem da observância do primeiro dia tem sido o tema abordado neste capítulo. Já constatamos que, desde os tempos mais remotos, o domingo era uma festa pagã em honra ao sol e que, nos primeiros séculos da era cristã, essa antiga festa era venerada de forma generalizada no mundo pagão. Vimos que o “patriotismo” e a “conveniência”, bem como o diligente desejo de conversão dos gentios, levaram os líderes da igreja a adotar, como festa religiosa, o mesmo dia observado pelos pagãos, e a manter o mesmo nome que os pagãos haviam dado a esse dia (dia do sol). Constatamos que o registro mais antigo da observância efetiva do domingo, pela igreja cristã, conta que esta foi realizada por parte da igreja de Roma, em torno de 140 d.C. Em uma coincidência sem precedentes, o primeiro grande esforço feito em favor desse dia, no ano 196 d.C., corresponde ao primeiro ato de usurpação papal. A primeira vez em que um título sagrado foi aplicado a essa festa, e o primeiro vestígio de abstinência do trabalho nesse dia, se encontram nos escritos de Tertuliano, perto do fim do segundo século. A origem da festa do domingo se encontra agora diante do leitor. Os passos que levaram a sua ascensão ao poder supremo serão destacados em sua própria ordem e em seu devido lugar.HS 183.5

    Um fato extremamente interessante concluirá este capítulo. O primeiro grande esforço para rebaixar o sábado foi o ato, por parte da igreja de Roma, de transformá-lo em um dia de jejum, ao passo que o domingo se tornou uma festa de alegria. Embora as igrejas orientais tivessem mantido a guarda do sábado, parte das igrejas do Ocidente, encabeçadas pela igreja de Roma, transformaram o dia em um jejum. Uma vez que uma parte das igrejas ocidentais se recusou a cumprir essa ordem, iniciou-se uma longa batalha, cujo resultado é descrito por Heylyn:HS 184.1

    “Essa diferença permaneceu por bastante tempo, até que, por fim, a igreja de Roma venceu a causa e o sábado se transformou em um jejum em todas as partes do mundo ocidental. Digo o mundo ocidental e apenas este. As igrejas do Oriente estavam tão longe de mudar seu antigo costume que, no sexto concílio de Constantinopla, em 692 d.C., elas admoestaram as igrejas de Roma para que deixassem de jejuar naquele dia sob pena de censura.”48History of the Sabbath, parte 2, cap. 2, seção 3.HS 184.2

    William James, em um sermão proferido na Universidade de Oxford, diz o seguinte sobre a época em que esse jejum surgiu:HS 184.3

    “A igreja ocidental começou a jejuar aos sábados no início do terceiro século.”49Sermons on the Sacraments and Sabbath, p. 166.HS 184.4

    Assim, pode-se ver que esse conflito se iniciou no terceiro século, isto é, logo depois do ano 200. Neander explica da seguinte forma os motivos da igreja de Roma para estabelecer esse jejum:HS 184.5

    “Nas igrejas ocidentais, sobretudo na de Roma, onde a oposição ao judaísmo era a tendência predominante, essa oposição levou ao costume de celebrar o sábado especialmente como dia de jejum.”50Neander, p. 186.HS 184.6

    Por judaísmo, Neander se refere à guarda do sétimo dia, o sábado, como dia de descanso. O Dr. Charles Hase, da Alemanha, descreve o objetivo da igreja de Roma em linguagem bem explícita:HS 184.7

    “A igreja romana considerava o sétimo dia um dia de jejum, em oposição direta àqueles que o viam como um dia de descanso [um sábado]. O domingo continuou a ser uma festividade de júbilo, na qual todo jejum e todos os afazeres mundanos eram tão evitados quanto possível; contudo, o mandamento original do decálogo a respeito do sábado não era aplicado a esse dia [o domingo] naquela época.”51Ancient Church History, parte 1, div. 2, 100-312 d.C., seção 69.HS 185.1

    Lord King atesta esse fato nas seguintes palavras:HS 185.2

    “Algumas das igrejas ocidentais, a fim de não parecerem judaizantes, jejuavam aos sábados, conforme escreve Victorinus Petavionensis: ‘Temos o costume de jejuar no sétimo dia. E é nosso hábito jejuar a fim de não parecer, como os judeus, que guardamos o sábado’.”52Enquiry into the Constitution of the Primitive Church, parte 2, cap. 7, seção 11. Confira também Schaff, History of the Christian Church, vol. 1, p. 373.HS 185.3

    Dessa forma, o sábado do Senhor se transformou em um jejum, de modo que parecesse desprezível aos olhos dos homens. Esse foi o primeiro grande esforço da igreja de Roma para suprimir o antigo sábado da Bíblia.HS 185.4

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