Loading...
Larger font
Smaller font
Copy
Print
Contents
  • Results
  • Related
  • Featured
No results found for: "".
  • Weighted Relevancy
  • Content Sequence
  • Relevancy
  • Earliest First
  • Latest First
    Larger font
    Smaller font
    Copy
    Print
    Contents

    17 – A Natureza da Observância Inicial do Primeiro Dia

    Comparação da história da observância do primeiro dia com a história dos papas – Definição da guarda do primeiro dia nas próprias palavras de cada um dos primeiros pais que a mencionam – Os motivos que cada pai tinha para tal observância em suas próprias palavras – Na opinião deles, o domingo não era mais sagrado que a Páscoa ou o Pentecostes, nem mesmo que os cinquenta dias que separavam essas festas – O domingo não era um dia de abstinência do trabalho – Os motivos mencionados por aqueles pais que rejeitaram o sábado conforme expresso em suas próprias palavrasHS 187.1

    A história da observância do primeiro dia na igreja cristã pode ser adequadamente ilustrada pela história dos bispos de Roma. Hoje o bispo de Roma afirma ter poder supremo sobre todas as igrejas de Cristo. Ele assevera que esse poder foi dado a Pedro e transmitido, por ele, a todos os bispos de Roma; ou melhor, que Pedro foi o primeiro bispo de Roma e que uma sucessão de bispos, desde a época dele até o presente, tem exercido esse poder absoluto dentro da igreja. A Igreja Católica consegue traçar essa sucessão até os tempos apostólicos, e declara que o poder hoje reivindicado pelo papa era reivindicado e exercido pelos primeiros pastores da igreja dos romanos. Os que na atualidade reconhecem a supremacia do papa creem nessa declaração, e, para eles, ela constitui uma evidência definitiva de que o papa tem poder supremo por direito divino. Mas tal afirmação é absolutamente falsa. Os primeiros pastores, ou bispos, ou anciãos da igreja dos romanos, eram ministros de Cristo modestos e despretensiosos, completamente diferentes do arrogante bispo de Roma, que hoje usurpa o lugar de Cristo como cabeça da igreja cristã.HS 187.2

    Hoje o primeiro dia da semana reivindica ser o sábado cristão, e impõe sua autoridade por meio do quarto mandamento, deixando de lado o sétimo dia, que o mandamento ordena, e usurpando seu lugar. Seus defensores alegam que essa posição e autoridade foram dadas a esse dia por Cristo. Sendo que não existe nenhum registro nas Escrituras dessa dádiva de Cristo ao domingo, o principal argumento em apoio a essa alegação é fornecido traçando a origem de sua observância retroativamente até chegar aos primeiros cristãos, os quais, alega-se, não teriam santificado o domingo caso não tivessem recebido essa instrução dos apóstolos; e os apóstolos não os teriam ensinado a assim proceder se Cristo, na presença deles, não tivesse mudado o sábado.HS 187.3

    Contudo, a observância do primeiro dia não consegue chegar mais próxima da época dos apóstolos do que a data de 140 d.C., ao passo que os bispos de Roma conseguem traçar sua linhagem até a própria época dos apóstolos. Nesse ponto, a reivindicação papal à autoridade apostólica é melhor do que aquela que se apresenta em favor da observância do domingo como sendo o dia de descanso por autoridade apostólica. Com essa única exceção, o argumento histórico em favor de ambas reivindicações é o mesmo. Ambas começaram com pretensões bem moderadas, e, aos poucos, ganharam poder e santidade, crescendo juntas em força.HS 187.4

    Passemos, então, para aqueles que foram os primeiros guardadores do domingo, e desvendemos, por meio deles, a natureza dessa observância em seu início. Descobriremos, primeiro, que ninguém reivindicou qualquer autoridade divina para a observância do primeiro dia; segundo, que nenhum deles jamais ouvira falar da mudança do sábado, e ninguém acreditava que a festa do primeiro dia fosse uma continuação da instituição sabática; terceiro, que o trabalho nesse dia nunca é apresentado como sendo pecaminoso, e que a abstinência do trabalho não é mencionada, nem mesmo sugerida, como uma característica de sua observância, sendo necessária somente para passar uma parte do dia em adoração; quarto, que se reunirmos todas as pistas acerca da observância do domingo, espalhadas nos escritos dos pais dos três primeiros séculos – vale dizer que nenhum deles fala mais de duas vezes sobre o assunto e, em geral, cada um faz apenas uma menção –, descobriremos apenas quatro coisas: (1) havia uma reunião nesse dia em que a Bíblia era lida e explicada, a ceia celebrada e as ofertas recolhidas; (2) o dia deveria ser de alegria; (3) não deveria ser um dia de jejum; (4) não se deveria orar de joelhos nesse dia.HS 188.1

    Essas são todas as pistas existentes acerca da natureza da observância do domingo ao longo dos três primeiros séculos. A epístola falsamente atribuída a Barnabé diz simplesmente: “Guardamos o oitavo dia com alegria”.1Epístola de Barnabé, cap. 15. Justino Mártir, nas palavras já citadas, na íntegra, descreve o tipo de reunião que acontecia em Roma e em seus arredores nesse dia, e isso é tudo que ele menciona acerca de sua observância.2Justino Mártir, First Apology, cap. 67. Irineu ensinou que, a fim de comemorar a ressurreição, ninguém deveria dobrar os joelhos nesse dia, e não menciona mais nada como sendo essencial a sua honra. O ato de orar em pé era um símbolo da ressurreição, que, segundo ele, só deveria ser comemorada no domingo.3Lost Writings of Irenaeus, fragmentos 7 e 50. O gnóstico Bardesanes retrata cristãos de todas as partes se reunindo para realizar culto no primeiro dia, mas não descreve esse culto, e não acrescenta nenhum outro tipo de honra a esse dia.4Book of the Laws of Countries. Tertuliano descreve o domingo da seguinte forma: “Dedicamos o domingo ao regozijo”, e depois acrescenta: “Possuímos certa semelhança com aqueles dentre vocês que dedicam o dia de Saturno à tranquilidade e ao prazer”.5Tertuliano, Apology, seção 16. Em outra obra, ele nos dá mais uma ideia do caráter festivo do domingo, ao dizer a seus irmãos: “Se qualquer condescendência deve ser feita à carne, vocês a tem. Não quero me referir aos próprios dias de vocês, mas a mais do que isso; pois, para os pagãos, cada dia de festa só ocorre uma vez por ano, mas vocês têm um dia de festa a cada oitavo dia”.6On Idolatry, cap. 14. O Dr. Heylyn disse a verdade ao afirmar:HS 188.2

    “Tertuliano nos conta que eles dedicavam o domingo parcialmente à alegria e à recreação, e não totalmente à devoção. Cem anos depois dos dias de Tertuliano, não havia, na igreja cristã, nenhuma lei ou constituição para impedir os homens de trabalhar nesse dia.”7Hist. Sab., parte 2, cap. 8, seção 13.HS 189.1

    A festa dominical na época de Tertuliano não se assemelhava a sua guarda moderna como sábado cristão; mas era, em essência, a festa germânica do domingo, um dia para adoração e recreação, no qual o trabalho não era pecaminoso. Mas Tertuliano diz ainda mais acerca da observância do domingo, e as palavras que serão citadas a seguir têm sido usadas como prova de que trabalhar nesse dia era considerado pecado. Esta é a única declaração anterior à lei dominical de Constantino que passa tal impressão, e há provas decisivas de que esse não era o significado pretendido por seu escritor. Suas palavras são estas:HS 189.2

    “Nós, porém (assim como recebemos), somente no dia da ressurreição do Senhor, devemos nos guardar, não só de nos ajoelhar, mas de toda postura e ocupação de preocupação, pospondo até mesmo nossos negócios, para não darmos lugar ao Diabo. De maneira semelhante, também, no período do Pentecostes, o qual distinguimos pela mesma solenidade de exultação.”8Tertullian on Prayer, cap. 23; Testimony of the Fathers, p. 67.HS 189.3

    Ele fala sobre pospor “até mesmo nossos negócios”; mas não se pode concluir daí que, com isso, ele esteja se referindo a algo além do mero adiamento desses negócios durante as horas dedicadas ao culto religioso. Ficou bem longe de dizer que trabalhar no domingo é pecado. Mas apresentaremos a próxima menção de Tertuliano sobre a observância do domingo antes de indicarmos alguns outros pontos sobre a citação anterior. Ele declara:HS 189.4

    “Consideramos ilícito jejuar ou se ajoelhar em adoração no dia do Senhor. Nós também nos alegramos no mesmo privilégio desde a Páscoa até o Pentecostes.”9De Corona, seção 3.HS 189.5

    Há apenas dois atos que os pais da igreja consideravam ilícitos no domingo, a saber, jejuar e se ajoelhar, a menos que alguns incluam o luto nessa lista. É um fato evidente que o trabalho nunca é mencionado como sendo ilícito no domingo. E note que Tertuliano repete a importante declaração da citação anterior, de que a honra devida ao domingo também pertence ao “período do Pentecostes”, isto é, aos cinquenta dias entre a Páscoa e o Pentecostes. Logo, se trabalhar aos domingos fosse pecado aos olhos de Tertuliano, o mesmo se aplicaria ao período do Pentecostes, um total de cinquenta dias! Mas isso não seria possível. Podemos até conceber o adiamento dos negócios para reservar um horário destinado à reunião religiosa a cada dia, ao longo dos cinquentas dias, e também que as pessoas não pudessem jejuar, nem se ajoelhar nesse período – precisamente as coisas em que consistia a celebração religiosa do domingo. Contudo, fazer com que Tertuliano afirme que era pecado trabalhar no domingo seria o mesmo que fazê-lo declarar que esse também era o caso em todos os cinquenta dias. Certamente ninguém se aventuraria a afirmar que essa era a doutrina de Tertuliano.HS 189.6

    Em outra obra, Tertuliano faz mais uma declaração acerca da natureza da observância do domingo: “Fazemos do domingo um dia de festividade. Qual o problema? Por acaso vocês fazem menos do que isso?”.10Ad Nationes, livro 1, cap. 13. Se considerarmos que ele estava se dirigindo aos pagãos, suas palavras são significativas. Parece que o domingo era uma festa cristã tão parecida com a festa celebrada pelos pagãos, que ele podia desafiá-los a lhe mostrar em que sentido os cristãos lhes excediam em suas práticas dominicais.HS 190.1

    O próximo pai que menciona a natureza da observância inicial do domingo é Pedro de Alexandria. Ele afirma: “Mas celebramos o dia do Senhor como dia de alegria, porque nesse dia Ele ressuscitou, e nesse dia recebemos o costume de nem mesmo dobrar os joelhos”.11Canon 15. O autor destaca duas coisas essenciais: o domingo deveria ser um dia de alegria, e nele os cristãos não poderiam se ajoelhar. Zonaras, antigo comentarista das palavras de Pedro, explica o dia de alegria dizendo: “Não devemos jejuar, pois é um dia de alegria pela ressurreição do Senhor”.12Ante-Nicene Library, vol. 14, p. 322. Na sequência, citamos as chamadas Constituições Apostólicas. Elas ordenam que os cristãos se reúnam para adorar todos os dias, “mas principalmente no dia de sábado. E no dia da ressurreição de nosso Senhor, que é o dia do Senhor, que se reúnam com maior diligência, prestando louvores a Deus”, etc. O objetivo da assembleia era “ouvir a palavra salvífica acerca da ressurreição”, “orar três vezes de pé”, ler os profetas, ouvir a pregação e participar da ceia.13Apostolical Constitutions, livro 2, seção 7, parte 59. Além de nos apresentar a natureza da adoração do domingo, conforme já descrita, essas constituições também nos dão uma ideia acerca do domingo como dia de festividade:HS 190.2

    “Agora nós os exortamos, irmãos e conservos, a evitar palavras vãs e discursos obscenos, zombarias, bebedeira, lascívia, luxúria, paixão desenfreada, com discursos insensatos, visto que não lhes permitimos, mesmo nos dias do Senhor, que são dias de alegria, que falem ou façam qualquer coisa imprópria.”14Idem, livro 5, seção 2, parte 10.HS 190.3

    Essa linguagem sugere claramente que o suposto dia do Senhor era um dia de maior regozijo que os outros dias da semana, mas que, mesmo no dia do Senhor, eles não deveriam falar ou fazer qualquer coisa imprópria, embora fique claro que tinham uma licença maior naquele dia do que nos outros. Mais uma vez, essas “Constituições” nos revelam a natureza da observância do domingo: “Em todos os sábados, com exceção de um, e em cada dia do Senhor, façam assembleias solenes e se alegrem, pois será considerado culpado de pecado aquele que jejuar no dia do Senhor”.15Idem, livro 5, seção 3, parte 20. Mas não é possível ler, nem uma vez sequer, que “será considerado culpado de pecado aquele que trabalhar nesse dia”.HS 190.4

    Em seguida, citamos a epístola aos magnésios em sua forma mais longa, a qual, embora não seja de autoria de Inácio, foi de fato escrita na mesma época em que foram escritas as Constituições Apostólicas. Estas são as palavras da carta:HS 191.1

    “E após a observância do sábado, que cada amigo de Cristo guarde o dia do Senhor como uma festa, o dia da ressurreição, o rei e o principal de todos os dias.”16Epístola aos magnésios (forma mais longa), cap. 9.HS 191.2

    O autor dos documentos siríacos sobre Edessa vem por último, definindo assim os cultos de domingo: “No primeiro [dia] da semana, que haja culto, a leitura das Sagradas Escrituras e a oblação”.17Syriac Documents, p. 38. Essas são todas as passagens encontradas nos escritos dos três primeiros séculos que abordam a observância inicial do primeiro dia. Que o próprio leitor julgue se apresentamos corretamente a natureza dessa guarda. A seguir, pedimos atenção para os vários motivos apresentados pelos pais da igreja para a celebração da festa do domingo.HS 191.3

    A suposta epístola de Barnabé apoia a festa do domingo, dizendo que este era o dia “no qual Jesus ressuscitou dos mortos”, e sugere que o mesmo prefigura o oitavo milênio, quando Deus criará o mundo novamente.18Epístola de Barnabé, cap. 15.HS 191.4

    Justino Mártir menciona quatro razões:HS 191.5

    1. “É o primeiro dia em que Deus, tendo operado uma mudança na escuridão e na matéria, criou o mundo.”19Justino Mártir, First Apology, cap. 67.HS 191.6

    2. “Nosso Salvador Jesus Cristo ressuscitou dos mortos nesse mesmo dia.”20Ibid.HS 191.7

    3. “É-nos possível demonstrar que o oitavo dia possuía certo caráter misterioso que o sétimo dia não tinha, e que foi promulgado por Deus mediante esses ritos”,21Diálogo com Trifão, cap. 24. isto é, através da circuncisão.HS 191.8

    4. “A ordem da circuncisão, novamente, ordenando[-lhes] que sempre circuncidassem os filhos no oitavo dia de vida, era um tipo da circuncisão verdadeira, por meio da qual somos circuncidados do engano e da iniquidade, mediante Aquele que ressuscitou dos mortos no primeiro dia depois do sábado.”22Idem, cap. 41.HS 191.9

    Clemente de Alexandria parece tratar apenas de um oitavo dia, ou de um dia do Senhor místico. É possível, talvez, que ele tenha feito alguma referência ao domingo. Por isso, citamos o que Clemente diz em favor desse dia, chamando a atenção para o fato de que ele baseia seu testemunho em um filósofo pagão, não na Bíblia:HS 191.10

    “Acerca do dia do Senhor, Platão fala profeticamente no décimo livro da República, usando as seguintes palavras: ‘E quando sete dias tiverem se passado para cada um deles na planície, no oitavo dia devem partir e chegar em quatro dias.’”23Clement, Miscellanies, livro 5, cap. 14.HS 192.1

    As justificativas de Clemente para o domingo são extrabíblicas. Mas o próximo pai nos ajuda a compreender a atitude de Clemente. Tertuliano é o escritor seguinte a apresentar razões para a celebração da festa do domingo. Ele fala sobre as “ofertas pelos mortos”, o modo de guardar o domingo e a prática de fazer o sinal da cruz na testa. Aqui está o fundamento em que se firmam essas observâncias:HS 192.2

    “Se vocês insistirem em encontrar ordens bíblicas claras para estas e outras regras, não as acharão. A tradição lhes será apresentada como sua originadora, o costume como aquilo que as fortalece, e a fé como o elemento que conduz à sua observância. Que a razão apoiará a tradição, o costume e a fé, vocês mesmos perceberão, ou aprenderão de quem já o percebeu.”24De Corona, seção 4.HS 192.3

    A franqueza de Tertuliano merece ser elogiada. Ele não tinha nenhum texto bíblico para oferecer, e reconhece o fato. Baseava-se na tradição, e não teve vergonha de confessá-lo. O próximo pai a apresentar evidências das Escrituras a favor da festa dominical é Orígenes. Veja o que ele diz:HS 192.4

    “O maná caía no dia do Senhor, e não no sábado, para mostrar aos judeus que, mesmo naquela época, o dia do Senhor recebia preferência em relação ao sétimo.”25Orígenes, Opera, Vol. 2, p. 158, Paris, 1733: “Quod si ex Divinis Scripturis hoc constat, quod die Dominica Deus pluit manna de caelo et in Sabbato non pluit, intelligant Judaei jam tune praelatam esse Dominicam nostram Judaico Sabbato”.HS 192.5

    Ao que parece, a opinião de Orígenes era semelhante à de Tertuliano, de que os argumentos mencionados por seus antecessores eram inconclusivos. Por isso, criou um argumento original que parecia ser muito conclusivo a seu ver, já que é o único apresentado por ele. Mas Orígenes deve ter se esquecido de que o maná caía em todos os seis dias de trabalho, ou teria visto que, embora o seu argumento não eleve o domingo acima dos outros cinco dias de trabalho, ele faz do sábado o dia menos conceituado dos sete! Todavia, o milagre do maná foi expressamente arquitetado para destacar a santidade do sábado e estabelecer sua autoridade diante do povo. Cipriano é o próximo pai que fornece um argumento a favor da festa do domingo. Ele se contenta com um dos antigos argumentos de Justino, aquele que era fundamentado na circuncisão. Ele diz o seguinte:HS 192.6

    “Pois a respeito da observância do oitavo dia na circuncisão judaica da carne, um sacramento foi dado de antemão como sombra e para ser usado; mas quando Cristo veio, ele se cumpriu em verdade. Uma vez que o oitavo dia, isto é, o primeiro dia após o sábado, seria aquele no qual o Senhor ressuscitaria dos mortos, nos vivificaria e nos daria a circuncisão do Espírito, o oitavo dia, a saber, o primeiro dia depois do sábado, e o dia do Senhor, ocorreu primeiro em figura. Logo que a verdade veio, a figura cessou e a circuncisão espiritual nos foi dada.”26Epístola de Cipriano, n. 58, seção 4.HS 192.7

    Esse é o único argumento mencionado por Cipriano em prol da festa do primeiro dia. A circuncisão de bebês com oito dias de vida era, em sua opinião, um tipo do batismo infantil. Mas a circuncisão no oitavo dia da vida da criança, a seu ver, não significava que o batismo precisava ser adiado até que o bebê completasse oito dias de vida, mas significava, de fato, conforme as palavras dele, que o oitavo dia deveria ser o dia do Senhor! Todavia, o oitavo dia no qual a circuncisão era feita não correspondia ao primeiro dia da semana, mas ao oitavo dia de vida de cada criança, não importando em que dia da semana caísse.HS 193.1

    O próximo pai a apresentar um motivo para celebrar o domingo como dia de alegria, e de se abster de ficar de joelhos, foi Pedro de Alexandria, que simplesmente disse: “Porque, nele, [Cristo] ressuscitou”.27Cânones de Pedro, n. 15.HS 193.2

    Na sequência, vêm as Constituições Apostólicas, que afirmam que a festa do domingo é um memorial da ressurreição:HS 193.3

    “Mas guardem o sábado e a festa do dia do Senhor, pois o primeiro é um memorial da criação, e o segundo, da ressurreição.”28Apostolic Constitutions, livro 7, seção 2, parte 23.HS 193.4

    No entanto, o escritor não apresenta nenhuma prova de que o domingo foi separado por autoridade divina em memória da ressurreição. A próxima pessoa a apresentar seus motivos para a guarda do domingo “como uma festa” é o escritor da versão mais longa da famosa epístola de Inácio aos magnésios. Ele encontra o oitavo dia profeticamente predito no título do sexto e do décimo segundo salmo! Na margem da versão autorizada (KJV), a palavra Seminite é traduzida por “o oitavo”. Este é o argumento do escritor a favor do domingo:HS 193.5

    “Aguardando ansioso por isso, o profeta declarou: ‘Tendo como fim o oitavo dia’, no qual nossa vida novamente ressurgiu e a vitória sobre a morte foi obtida em Cristo.”29Epístola aos magnésios, cap. 9. Nota dos Editores em língua portuguesa: Na ARC, lê-se no título “sobre Seminite; na ARA, “em tom de oitava”.HS 193.6

    Há ainda outro pai, dos três primeiros séculos, que apresenta os motivos que, na época, eram usados para apoiar a festa do domingo.HS 193.7

    Trata-se do autor dos Documentos Siríacos sobre Edessa. Ele é o próximo e também conclui a lista. Estas são suas quatro justificativas:HS 193.8

    1. “Porque no primeiro dia da semana nosso Senhor ressuscitou do lugar dos mortos.”30Syriac Documents, p. 38.HS 193.9

    2. “No primeiro dia da semana Ele surgiu no mundo”,31Ibid. isto é, Ele nasceu no domingo.HS 194.1

    3. “No primeiro dia da semana Ele subiu ao Céu.”32Ibid.HS 194.2

    4. “No primeiro dia da semana Ele finalmente aparecerá com os anjos do Céu.”33Ibid.HS 194.3

    O primeiro desses motivos é o melhor argumento que o ser humano pode imaginar em seu coração para fazer aquilo que Deus nunca ordenou. O segundo e o quarto compreendem meras afirmações sobre as quais a humanidade nada sabe, ao passo que a terceira é uma notória inverdade, uma vez que a ascensão ocorreu em uma quinta-feira.HS 194.4

    Apresentamos até agora todas as razões para a celebração da festa do domingo que podem ser encontradas nos escritos dos três primeiros séculos. Embora sejam, em geral, muito triviais e, às vezes, até irrelevantes, são, todavia, dignas de cuidadoso estudo. Elas consistem em um testemunho decisivo de que a mudança, por Cristo ou Seus apóstolos, do sábado do sétimo dia para o primeiro dia da semana, era algo absolutamente desconhecido durante todo esse período. Caso fosse verdade que tal mudança fora feita, eles certamente deviam saber algo sobre ela. Se acreditassem que Cristo havia mudado o sábado para celebrar Sua ressurreição, teriam colocado ênfase no fato, em vez de oferecer justificativas para a festa dominical tão sem valor que, com exceção de uma ou duas, são completamente descartadas pelos escritores atuais que defendem o primeiro dia. Caso cressem que os apóstolos haviam honrado o domingo como se fosse o sábado ou o dia do Senhor, como teriam divulgado tais fatos em triunfo! Mas Tertuliano admite que eles não tinham nenhuma ordem bíblica clara para a celebração da festa do domingo, e os outros, ao apresentarem razões que eram frutos da própria imaginação, concordam com o testemunho dele. Como grupo, todos eles confirmam a realidade de que, mesmo a seu ver, o dia só era sustentado pela autoridade da igreja. Eles não estavam nem um pouco familiarizados com a doutrina moderna de que o sétimo dia do mandamento significa simplesmente um em sete, e que o Salvador, a fim de celebrar Sua ressurreição, designou que o primeiro dia da semana fosse o dia, entre os sete, ao qual o mandamento deveria ser aplicado!HS 194.5

    Mostramos cada uma das declarações dos pais da igreja, dos três primeiros séculos, que menciona a maneira de celebrar a festa do domingo. Apresentamos, também, todos os motivos para essa observância encontrados em seus escritos. Esses dois tipos de testemunho revelam, com clareza, que o trabalho comum não era uma das coisas proibidas nesse dia. Oferecemos prova direta de que outros dias, a respeito dos quais ninguém tem qualquer consideração a não ser como festivais da igreja, eram expressamente declarados pelos pais como iguais em santidade, ou até mesmo superiores, à festa do domingo.HS 194.6

    A obra Lost Writings of Irenaeus [Escritos Perdidos de Irineu] nos apresenta a opinião de Irineu acerca da comparação entre a santidade da festa do domingo e a da Páscoa, ou do Pentecostes. A declaração é a seguinte:HS 195.1

    “Nessa [festa] não dobramos os joelhos, porque ela tem a mesma importância do dia do Senhor, pelo motivo já mencionado a seu respeito.”34Fragmento 7.HS 195.2

    Tertuliano possui uma passagem, já citada neste estudo, a qual, valendo-se da omissão da sentença que citaremos agora, tem sido usada como o mais forte testemunho dos pais a favor do primeiro dia. Esse pai da igreja iguala, em santidade, o período do Pentecostes – um intervalo de cinquenta dias – e a festa que ele chama de “dia do Senhor”. Ele afirma:HS 195.3

    “De maneira semelhante, também, no período do Pentecostes, o qual distinguimos pela mesma solenidade de exaltação.”35Tertullian on Prayer, cap. 23.HS 195.4

    Ele declara o mesmo fato em outra obra:HS 195.5

    “Consideramos ilícito jejuar ou se ajoelhar em adoração no dia do Senhor. Nós nos alegramos no mesmo privilégio também desde a Páscoa até o Pentecostes.”36De Corona, seção 3.HS 195.6

    Orígenes classifica o suposto dia do Senhor com três outras festas da igreja:HS 195.7

    “Caso nos seja dirigida objeção a esse respeito, sob o argumento de que nós estamos acostumados a observar determinados dias, como por exemplo o dia do Senhor, a Preparação, a Páscoa ou o Pentecostes, preciso responder que, para o cristão perfeito, que em pensamento, palavra e ação está sempre servindo a seu Senhor natural – Deus, a Palavra –, todos os dias são do Senhor, e ele está sempre guardando o dia do Senhor.”37Orígenes contra Celso, livro 8, cap. 22.HS 195.8

    Irineu e Tertuliano igualam o dia do Senhor, em santidade, ao período entre a Páscoa e o Pentecostes; mas Orígenes, após classificar o dia juntamente com várias festas da igreja, praticamente confessa que ele não tem nenhuma proeminência em relação aos outros dias.HS 195.9

    Comodiano, que usa uma vez o termo dia do Senhor, fala sobre a festa da Páscoa como “o nosso dia mais abençoado”.38Instructions of Commodianus, seção 75. Sem dúvida, isso revela que, em sua opinião, nenhum outro dia sagrado era superior, em santidade, à Páscoa.HS 195.10

    As Constituições Apostólicas tratam da festa do domingo da mesma maneira que Irineu e Tertuliano a abordam. Elas a igualam, em santidade, ao período que vai da Páscoa até o Pentecostes, dizendo o seguinte:HS 195.11

    “É culpado de pecado aquele que jejua no dia do Senhor, sendo o dia da ressurreição, ou durante a época do Pentecostes, ou, de modo geral, que fica triste em um dia de festa ao Senhor.”39Apostolic Constitutions, livro 5, seção 3, parte 20.HS 196.1

    Esses testemunhos provam, de maneira conclusiva, que a festa do domingo, na opinião de homens como Irineu, Tertuliano e outros, estava no mesmo patamar da Páscoa ou do Pentecostes. Eles não faziam ideia de que um era ordenado por Deus enquanto que os outros haviam sido instituídos pela igreja. Aliás, conforme vimos, Tertuliano declarou expressamente que não existe nenhum preceito em favor da observância do domingo.40De Corona, seções 3 e 4.HS 196.2

    Além desses fatos importantes, temos evidências claras de que o domingo não era um dia de abstenção do trabalho, e nossa primeira testemunha disso é Justino, o primeiro a mencionar a festa do domingo na igreja cristã. O judeu Trifão reprovou Justino: “Vocês não observam nenhuma festa, nem sábados”.41Diálogo com Trifão, cap. 10. A acusação fornecia a Justino a ocasião adequada para declarar que, embora ele não guardasse o sétimo dia como o sábado, descansava no primeiro dia da semana, caso fosse verdade que esse era um dia de abstenção do trabalho. No entanto, Justino não dá essa resposta. Ele trata com desprezo qualquer ideia que tenha que ver com abstenção de trabalho, declarando que “Deus não Se agrada de tais observâncias”. Ele também não insinua que seu desprezo era devido ao fato de os judeus descansarem no dia incorreto; pelo contrário, ele condena até mesmo a ideia de deixar de trabalhar por um dia, afirmando que “a nova lei”, que havia tomado o lugar dos mandamentos entregues no Sinai,42Idem, cap. 11. requeria um sábado perpétuo, guardado pelo arrependimento do pecado e abandono de sua prática. Suas palavras são estas:HS 196.3

    “A nova lei requer que vocês guardem um sábado perpétuo, e vocês, por ficarem ociosos durante um dia, acham que são piedosos, sem discernir por que isso lhes foi ordenado. E se vocês comem pão sem fermento, dizem que a vontade de Deus se cumpriu. O Senhor nosso Deus não Se agrada de tais observâncias. Se alguém entre vocês comete perjúrios ou é ladrão, que deixe de sê-lo; se há algum adúltero, que se arrependa. Assim ele estará guardando os agradáveis e verdadeiros sábados de Deus.”43Idem, cap. 12.HS 196.4

    Essas palavras sugerem claramente que Justino não cria que qualquer dia deveria ser guardado, como sábado, por meio da abstinência do trabalho, mas que todos os dias deveriam ser guardados, como sábados, mediante a abstinência do pecado. Esse testemunho é inequívoco e se encontra em total harmonia com os fatos já extraídos dos pais, e com outros que ainda serão apresentados. Além disso, ele é confirmado pelo testemunho categórico de Tertuliano, que declara:HS 196.5

    “Nós (para quem os sábados são estranhos, bem como as luas novas e as festas amadas por Deus no passado) frequentamos a Saturnália, as festas de ano novo e da metade do inverno, e a Matronália.”44Tertullian on Idolatry, cap. 14.HS 197.1

    E, no mesmo parágrafo, ele acrescenta as palavras já citadas:HS 197.2

    “Sempre que há oportunidade de condescender com a carne, vocês a agarram. Não direi os seus próprios dias, mas outros também; pois para os pagãos, cada dia de festa acontece apenas uma vez por ano; já vocês têm um dia de festa a cada oitavo dia.”45Ibid.HS 197.3

    Tertuliano diz a seus irmãos, em linguagem clara, que eles não guardavam nenhum tipo de sábado, mas observavam diversas festas pagãs. Caso a festa dominical, que era um dia em que havia a “oportunidade de condescender” com a carne, e que ele menciona nesse texto como o “oitavo dia”, fosse guardada por eles como sábado cristão em lugar do antigo sétimo dia, ele não afirmaria que para eles “os sábados são estranhos”.HS 197.4

    Mas Tertuliano defendia exatamente o mesmo sábado que Justino Mártir. Ele não guardava o primeiro dia em lugar do sétimo, mas guardava um “sábado perpétuo”, no qual professava se abster do pecado todos os dias, e, ao mesmo tempo, não deixava de trabalhar em nenhum deles. Assim, depois de dizer que os judeus ensinam que “desde o princípio Deus santificou o sétimo dia” e, por isso, observam esse dia, ele afirma:HS 197.5

    “Por essa razão, nós [cristãos] entendemos que, com maior intensidade, devemos observar um sábado nos abstendo de toda ‘obra servil’ continuamente, e não só a cada sétimo dia, mas durante todo o tempo.”46Tertullian Against the Jews, cap. 4.HS 197.6

    Sem dúvida, Tertuliano não tinha a concepção de que o domingo era o sábado cristão em um grau maior do que os demais dias da semana. Encontraremos uma confirmação decisiva disso quando citarmos o que Tertuliano diz a respeito da origem do sábado. Também descobriremos que, para Clemente, o domingo era um dia de trabalho.HS 197.7

    Vários dos primeiros pais escreveram oposições à observância do sétimo dia. Agora vamos mencionar os motivos apresentados por eles para essa oposição. O autor chamado Barnabé não guardava o sétimo dia, não por ser uma ordenança cerimonial indigna de ser observada por um cristão, mas, sim, por ser uma instituição tão pura que nem os cristãos poderiam santificá-lo antes que se tornassem imortais. Estas são suas palavras:HS 197.8

    “Atentem, meus filhos, para o significado desta expressão: ‘Em seis dias fez o Senhor’. Isso significa que o Senhor há de terminar todas as coisas em seis mil anos, pois um dia para Ele é como mil anos. E Ele próprio testemunhou, dizendo: ‘Eis que um dia é como mil anos’. Portanto, meus filhos, em seis dias, ou seja, em seis mil anos, todas as coisas serão terminadas. ‘E no sétimo dia descansou’. Isso quer dizer: quando Seu Filho vier [outra vez], e destruir o tempo do homem perverso, julgar os ímpios, e mudar o sol, a lua e as estrelas, então Ele verdadeiramente descansará no sétimo dia. Além disso, Ele diz: ‘Tu o santificarás com mãos puras e coração puro’. Portanto, se alguém alegar, no tempo presente, que pode santificar o dia que Deus santificou, como se tivesse coração puro em todas as coisas, está mentindo. Entendam: certamente o descanso apropriado que santifica o dia ocorrerá quando nós, depois de recebermos a promessa, a maldade não mais existir e todas as coisas tiverem sido renovadas pelo Senhor, conseguirmos operar a justiça. Então teremos condições de santificá-lo, uma vez que nós próprios estaremos santificados. Ele lhes diz ainda: ‘Não consigo suportar vossas luas novas e vossos sábados’. Percebam como Ele fala: Os sábados atuais de vocês não Me são aceitáveis, mas eis aqui o que determinei: quando Eu der descanso a todas as coisas, darei início ao oitavo dia, isto é, o começo de um outro mundo. Por isso, também, guardamos o oitavo dia com alegria, que também é o dia no qual Jesus ressuscitou dos mortos.”47Epístola de Barnabé, cap. 15.HS 197.9

    Atente para as ideias encontradas nessa declaração doutrinária:HS 198.1

    1. Ele afirma que os seis dias da criação prefiguram os seis mil anos que nosso mundo suportará em seu atual estado de maldade;HS 198.2

    2. Ele ensina que, ao fim desse período, Cristo voltará outra vez e dará fim à maldade, “e então Ele verdadeiramente descansará no sétimo dia”;HS 198.3

    3. Ninguém pode agora santificar o dia que Deus santificou, a menos que seja puro de coração em todas as coisas;HS 198.4

    4. Mas esse não pode ser o caso até que o presente mundo passe e “nós, depois de recebermos a promessa, a maldade não mais existir e todas as coisas tiverem sido renovadas pelo Senhor, [consigamos] operar a justiça. Então teremos condições de santificá-lo, uma vez que nós próprios estaremos santificados”. Logo, os seres humanos não têm condições de guardar o sábado enquanto este mundo mau existir;HS 198.5

    5. Portanto, Deus diz: “Os sábados atuais de vocês não Me são aceitáveis”, não por não serem puros, mas porque agora vocês não são capazes de guardá-los com a pureza que a natureza do dia requer;HS 198.6

    6. Isso é o mesmo que afirmar que a guarda do dia que Deus santificou não é possível em um mundo mau como este;HS 198.7

    7. Mas embora o sétimo dia não possa ser guardado agora, o oitavo dia pode ser e deve ser, porque, quando os sete mil anos acabarem, haverá uma nova criação no início do oitavo milênio;HS 198.8

    8. Portanto, ele não tentava guardar o sétimo dia, que o Senhor havia santificado, pois tal dia era puro demais para ser observado no presente mundo mau, e só será guardado depois que o Salvador vier, no início do sétimo milênio; em vez disso, ele guardava alegremente o oitavo dia, no qual Jesus ressuscitou dos mortos;HS 198.9

    9. Assim, parece que o oitavo dia, que Deus nunca santificou, seria especialmente adequado para ser observado em nosso mundo, durante seu estado atual de maldade;HS 198.10

    10. Mas quando todas as coisas se fizerem novas e tivermos condições de praticar a justiça, e a maldade não mais existir, então seremos capazes de santificar o sétimo dia, depois que nós mesmos formos santificados.HS 199.1

    O motivo de Barnabé para não observar o sábado do Senhor não é que o mandamento que o ordena tenha sido abolido, mas, sim, o fato de se tratar de uma instituição tão pura que os seres humanos, em seu estado atual imperfeito, não são capazes de o santificar de maneira adequada. Todavia, eles o guardarão na nova criação. Nesse meio tempo, eles observam o oitavo dia [o domingo] com alegria, dia que nunca foi santificado por Deus, e, por isso, não é difícil de ser guardado no presente estado de perversidade.HS 199.2

    Os motivos de Justino Mártir para não observar o sábado são bem diferentes dos de Barnabé, pois, ao que parece, Justino desprezava vigorosamente a instituição sabática. Ele nega que o sábado fosse obrigatório antes dos tempos de Moisés, e afirma que o mesmo foi abolido por ocasião do advento de Cristo. Ele ensina que o dia foi entregue aos judeus por causa de sua maldade, e defende claramente a abolição, tanto do sábado, quanto da lei. Justino está tão longe de ensinar a mudança do sábado, do sétimo para o primeiro dia da semana, ou de transformar a festa do domingo em uma continuação da antiga instituição sabática, que ele chega a desprezar até mesmo a ideia de haver dias de abstinência do trabalho, ou dias de ócio; e, muito embora Deus apresente como motivo para a observância do sábado o fato de Ele ter descansado, nesse dia, de toda Sua obra, Justino apresenta como primeiro motivo para a festa do domingo o fato de Deus ter iniciado, nesse dia, a Sua obra! Acerca da abstenção do trabalho como ato de obediência ao sábado, ele diz:HS 199.3

    “O Senhor nosso Deus não Se agrada de tais observâncias.”48Diálogo com Trifão, cap. 12.HS 199.4

    Justino apresenta um segundo motivo para não guardar o sábado:HS 199.5

    “Nós também observaríamos a circuncisão da carne, os sábados e, em suma, todas as festas, se não soubéssemos por que elas foram ordenadas a vocês, a saber, por causa das transgressões de vocês e da dureza do coração de vocês.”49Idem, cap. 18.HS 199.6

    Visto que Justino jamais diferencia o sábado do Senhor dos sábados anuais, ele, sem dúvida, inclui aqui todos eles. Mas que tamanha falsidade afirmar que o sábado foi dado aos judeus por causa da maldade deles! A verdade é que ele foi dado aos judeus por causa da apostasia generalizada dos gentios.50Ver cap. 3 desta obra. Entretanto, no parágrafo a seguir, Justino menciona três outros motivos para não guardar o sábado:HS 199.7

    “Vocês percebem que os elementos não são ociosos e não guardam sábado algum? Permaneçam como vocês nasceram. Pois, se não havia necessidade de circuncisão antes de Abraão, ou de observância de sábados, ou de festas e sacrifícios antes de Moisés, não há necessidade de realizar essas coisas agora, depois que, de acordo com a vontade de Deus, Jesus Cristo, o Filho de Deus, nasceu sem pecado, de uma virgem pertencente ao tronco de Abraão.”51Diálogo com Trifão, cap. 23.HS 199.8

    Aqui há três motivos:HS 200.1

    1. “Os elementos não são ociosos e não guardam sábado algum”. Embora esse motivo seja simplesmente sem valor como argumento contra o sétimo dia, trata-se de uma confirmação indubitável do fato, já comprovado, de que Justino não considerava o domingo um dia de abstenção do trabalho;HS 200.2

    2. O segundo motivo apresentado aqui é que o sábado não era guardado antes de Moisés; todavia nós sabemos que Deus, no princípio, designou o sábado para uso santo, fato que, conforme veremos, é testificado por vários dos pais da igreja. Nós também sabemos que naquela época havia homens que guardavam todos os preceitos de Deus;HS 200.3

    3. Não há necessidade de guardar o sábado após Cristo ter vindo. Embora seja uma mera afirmação, não é fácil, para aqueles que apresentam Justino como defensor do sábado cristão, explicá-la de maneira justa.HS 200.4

    Outro argumento de Justino contra a obrigação do sábado é que Deus “dirige o governo do universo nesse dia da mesma maneira que em todos os outros!”,52Idem, cap. 29. como se isso fosse inconsistente com a santidade presente do sábado, uma vez que também é verdade que Deus governou o mundo da mesma maneira no período em que Justino reconhece que o sábado foi obrigatório. Embora esse motivo seja trivial como argumento contra o sábado, ele certamente revela que Justino não atribuía caráter sabático ao domingo. Mas ele ainda tem mais um argumento contra o sábado: A antiga lei foi substituída pela nova e definitiva lei, e a antiga aliança foi superada pela nova.53Idem, cap. 11. Mas ele se esquece de que o propósito da nova aliança não era eliminar a lei de Deus, mas, sim, colocar essa lei dentro do coração de cada cristão. E muitos dos pais, conforme veremos, repudiam abertamente essa doutrina da anulação do decálogo.HS 200.5

    Esses eram os motivos de Justino para rejeitar o antigo sábado. Mas embora ele fosse um claro defensor da anulação da lei e da própria instituição sabática, guardando o domingo apenas como uma festa, autores modernos favoráveis ao primeiro dia citam-no como testemunha da doutrina de que o primeiro dia da semana deve ser observado como o sábado cristão, usando a autoridade do quarto mandamento.HS 200.6

    Vamos analisar agora o que impedia Irineu de guardar o sábado. Não era o fato de os mandamentos terem sido abolidos, pois veremos que ele ensinou sua perpetuidade; tampouco sua crença na mudança do sábado, pois ele não dá nenhuma pista de que acreditasse assim. Ao que tudo indica, a festa do domingo, a seu ver, simplesmente tinha o “mesmo significado” do Pentecostes.54Lost Writings of Irenaeus, fragmento 7. Também não era porque Cristo teria transgredido o sábado, pois Irineu afirma que Ele não o fez.55Against Heresies, livro 4, cap. 8, seção 2. Mas pelo fato de o sábado ser chamado de sinal, Irineu o considerou representativo do reino futuro e aparentemente não mais obrigatório, embora ele não expresse essa última ideia claramente. Para ele, o significado do sábado era o seguinte:HS 200.7

    “Além disso, os sábados de Deus, isto é, o reino, eram, por assim dizer, indicados pelas coisas criadas”,56Idem, livro 4, cap. 16, seção 1. etc.HS 201.1

    “Estas [promessas aos justos] deverão [acontecer] nos tempos do reino, isto é, no sétimo dia que foi santificado, no qual Deus descansou de todas as obras que criou, ou seja, no verdadeiro sábado dos justos”,57Irenaeus against Heresies, livro 5, cap. 33, seção 2. etc.HS 201.2

    “Pois o dia do Senhor é como mil anos: e em seis dias as coisas criadas foram concluídas; fica evidente, portanto, que elas chegarão ao fim no sexto milênio.”58Idem, livro 5, cap. 28, seção 3.HS 201.3

    Mas Irineu não percebeu que o sábado como sinal não aponta para a restauração futura, mas, sim, para a criação, significando que o Deus verdadeiro é o Criador.59Êxodo 31:17; Ezequiel 20:12, 20. Ele também não reparou no fato de que, quando o reino de Deus for estabelecido debaixo de todo o céu, todo ser vivo santificará o sábado.60Isaías 66:22, 23; Daniel 7:18, 27.HS 201.4

    No entanto, ele diz que aqueles que viveram antes de Moisés foram justificados “sem guardar o sábado”, e oferece como prova disso o fato de que a aliança no Horebe não foi feita com os patriarcas. Contudo, se o argumento prova que os patriarcas estavam livres da obrigação do quarto mandamento, ele demonstraria, da mesma maneira, que eles podiam violar qualquer outro. Tais coisas indicam que Irineu se opunha à observância sabática, embora ele não afirme, em linguagem clara, sua anulação, mas declare, em termos inequívocos, a contínua validade dos dez mandamentos.HS 201.5

    Tertuliano apresenta vários motivos para não guardar o sábado, mas é difícil encontrar algum que ele não contradiga expressamente em outra passagem. Por exemplo, ele afirma que os patriarcas anteriores a Moisés não observavam o sábado.61Answer to the Jews, cap. 2. Mas ele não apresenta nenhuma prova disso, e, em outro texto, diz que a origem do sábado se deu na criação,62Tertullian against Marcion, livro 4, cap. 12. conforme mostraremos. Em vários lugares, ele ensina a anulação da lei, parecendo descartar tanto a lei moral quanto a cerimonial. Mas em outra passagem, segundo mostraremos, ele dá um testemunho categórico de que os dez mandamentos continuam válidos como regra da vida do cristão.63Compare suas obras Answer to the Jews, caps. 2, 3, 4, 6; Against Marcion, livro 1, cap. 20; livro 5, caps. 4, 19 com De Anima, cap. 37; On Modesty, cap. 5. Ele cita as palavras de Isaías que retratam Deus odiando as festas, as luas novas e os sábados observados pelos judeus64Isaías 1:13, 14. como prova de que o sábado do sétimo dia foi uma instituição temporária que Cristo anulou. Mas, em outro lugar, diz: “Cristo não revogou o sábado de maneira nenhuma: Ele guardou a lei referente a esse dia”.65Answer to the Jews, cap. 4; Against Marcion, livro 4, cap. 12. Ele também explica justamente esse texto dizendo que a aversão divina aos sábados observados pelos judeus ocorria “porque eles eram celebrados sem o temor do Senhor, por um povo cheio de iniquidades”, e acrescenta que o profeta, em uma passagem posterior que faz referência aos sábados celebrados segundo o mandamento divino, “declara que eles eram verdadeiros, deleitosos e invioláveis”.66Isaías 56:2; 58:13. Outra afirmação é que Josué transgrediu o sábado durante o cerco de Jericó.67Answer to the Jews, cap. 4; Against Marcion, livro 4, cap. 12. No entanto, em outro texto, ele explica justamente esse caso, demonstrando que o mandamento proíbe nossa própria obra, não a de Deus. “Aqueles que atuaram em Jericó não estavam realizando um trabalho para si, mas para Deus, executado por ordem expressa Dele”.68Against Marcion, livro 2, cap. 21. Ele tanto afirma quanto nega que Cristo violou o sábado.69Against Marcion, livro 4, cap. 12. Tertuliano era um homem de duas opiniões. Ele escreveu muita coisa contra a lei e o sábado, mas também se contradisse e expôs os próprios erros.HS 201.6

    Orígenes tenta provar que o antigo sábado deve ser compreendido de forma mística ou espiritual, em vez de literal. Seu argumento é este:HS 202.1

    “‘Cada um de vocês ficará sentado em sua habitação; ninguém se moverá de seu lugar no dia de sábado’. É impossível observar esse preceito de maneira literal, pois nenhum ser humano é capaz de ficar assentado o dia inteiro, sem sair do lugar onde se assentou.”70De Principiis, livro 4, cap. 1, seção 17.HS 202.2

    Grandes homens nem sempre são sábios. Tal preceito não se encontra na Bíblia. Orígenes faz referência à proibição que o povo recebeu de sair para recolher o maná no sábado, mas isso não está em conflito com a ordem de comparecer às santas convocações ou assembleias para adorar no sábado.71Êxodo 16:29; Levítico 23:3.HS 202.3

    Vitorino é o último dos pais, antes de Constantino, a apresentar motivos contra a observância do sábado. Sua primeira razão é que Cristo disse, por meio de Isaías, que Sua alma odiava o sábado, o qual, em Seu corpo, Ele aboliu. Vimos que tais declarações foram respondidas por Tertuliano.72Creation of the World, seção 4. O segundo motivo é que “Jesus [Josué], filho de Nave [Num], o sucessor de Moisés, ele próprio transgrediu o sábado”,73Idem, seção 5. mas isso é mentira. Sua terceira justificativa é que “Matias [um macabeu], um príncipe de Judá, também transgrediu o sábado”,74Ibid. afirmação indubitavelmente falsa, mas sem nenhuma consequência em termos de autoridade. Seu quarto argumento é original e apropriado para encerrar a lista dos motivos apresentados pelos primeiros pais para não guardar o sábado. Ele é apresentado na íntegra, sem necessidade de resposta:HS 202.4

    “E em Mateus nós lemos que está escrito que Isaías também, e o restante de seus colegas, transgrediram o sábado.”75Creation of the World, seção 5.HS 203.1

    Larger font
    Smaller font
    Copy
    Print
    Contents