Loading...
Larger font
Smaller font
Copy
Print
Contents

Considerações sobre Daniel e Apocalipse

 - Contents
  • Results
  • Related
  • Featured
No results found for: "".
  • Weighted Relevancy
  • Content Sequence
  • Relevancy
  • Earliest First
  • Latest First
    Larger font
    Smaller font
    Copy
    Print
    Contents

    Daniel 11 — O Futuro Desdobrado

    Versículos 1-2: Mas eu, no primeiro ano de Dario, o medo, me levantei para o fortalecer e animar. Agora, eu te declararei a verdade: eis que ainda três reis se levantarão na Pérsia, e o quarto será cumulado de grandes riquezas mais do que todos; e, tornado forte por suas riquezas, empregará tudo contra o reino da Grécia.APLCDA 233.1

    Entramos agora numa profecia de futuros acontecimentos, que não se revestem de figuras e símbolos, como nas visões de Daniel 2, 7 e 8, mas que são dados em linguagem clara. Aqui se apresentam muitos dos mais destacados eventos da história do mundo, dos dias de Daniel até o fim do mundo. Esta profecia, diz Tomás Newton, pode apropriadamente chamar-se um comentário e explicação da visão de Daniel 8. Com esta afirmação o referido comentador demonstra quão claramente percebeu a relação que havia entre essa visão e o restante do livro de Daniel. (Tomás Newton, Dissertations on the Prophecies, vol. 1, p. 335).APLCDA 233.2

    A última visão de Daniel interpretada — O anjo Gabriel, após declarar que estivera a confortá-lo e fortalecê-lo no primeiro ano de Dario, dedica sua atenção ao futuro. Dario tinha morrido e agora Ciro reinava. Três haviam de reinar na Pérsia, indubitavelmente sucessores imediatos de Ciro. Foram eles: Cambises, filho de Ciro; Esmerdis, um impostor; e Dario Histaspes.APLCDA 233.3

    Xerxes invade a Grécia — O quarto rei depois de Ciro foi Xerxes, filho de Dario Histaspes. Foi famoso por suas riquezas, em cumprimento direto da profecia que anunciava: “será cumulado de grandes riquezas mais do que todos.” Resolveu conquistar a Grécia, e para isso organizou um poderoso exército que segundo Heródoto, consistia 5.283.220 homens.APLCDA 233.4

    Xerxes, não contente com movimentar apenas o Oriente, obteve também o apoio de Cartago no Ocidente. O rei persa teve êxito contra a Grécia na famosa batalha das Termópilas; mas o poderoso exército pôde invadir o país somente quando os 300 valentes espartanos que defendiam a passagem foram traídos. Xerxes sofreu finalmente uma desastrosa derrota em Salamina no ano de 480 a.C., e o exército persa retornou ao seu país.APLCDA 234.1

    Versículos 3-4: Depois, se levantará um rei poderoso, que reinará com grande domínio e fará o que lhe aprouver. Mas, no auge, o seu reino será quebrado e repartido para os quatro ventos do céu; mas não para a sua posteridade, nem tampouco segundo o poder com que reinou, porque o seu reino será arrancado e passará a outros fora de seus descendentes.APLCDA 234.2

    Xerxes foi o último rei da Pérsia que invadiu a Grécia; de modo que a profecia passa por alto nove príncipes menores para introduzir o “rei poderoso”, Alexandre, o Grande.APLCDA 234.3

    Após derribar o império persa, Alexandre “tornou-se monarca absoluto daquele império, em extensão jamais possuída por qualquer dos reis persas.” (Humphrey Prideaux, The Old and New Testament Connected in the History of the Jews, vol. 1, p. 378). Seu domínio abrangia “a maior parte do mundo habitado de então”. Com quanta exatidão foi descrito como “rei poderoso, que reinará com grande domínio e fará o que lhe aprouver”. Mas esgotou suas energias nas orgias e bebedices, e ao morrer em 323 a.C., seus projetos vangloriosos e ambiciosos foram repentina e totalmente eclipsados. O Império Grego não foi herdado pelos filhos de Alexandre. Poucos anos depois de sua morte, toda sua posteridade caiu vítima do ciúme e da ambição de seus generais, que desgarraram o império em quatro partes. Tão breve é o trânsito do mais elevado pináculo da glória terrena às mais baixas profundezas do esquecimento e da morte. Os quatro mais hábeis generais de Alexandre — Cassandro, Lisímaco, Seleuco e Ptolomeu — tomaram posse do império.APLCDA 234.4

    “Depois da morte de Antígono [301 a.C.], os quatro príncipes confederados repartiram seus domínios; e assim todo o império de Alexandre ficou dividido em quatro reinos. Ptolomeu teve o Egito, Lídia, Celesíria e Palestina; Cassandro recebeu Macedônia e Grécia; Lisímaco, a Trácia, Bitínia e alguma das outras províncias que havia mais além do Helesponto e o Bósforo; e Seleuco todo o resto. Estes quatro foram os quatro chifres do bode mencionado nas profecias do profeta Daniel, os quais cresceram após ter-se quebrado o primeiro chifre. Esse primeiro chifre era Alexandre, rei da Grécia, que conquistou o reino dos medos e persas; e os outros quatro chifres foram esses quatro reis, que surgiram depois dele, dividindo entre si o império. Foram também as quatro cabeças do leopardo, das quais se fala noutro lugar das mesmas profecias. E seus quatro reinos foram as quatro partes em que, segundo o mesmo profeta, o ‘domínio’ do ‘rei poderoso’ ia ser ‘repartido para os quatro ventos do céu’, entre esses quatro reis ‘fora de seus descendentes’, pois nenhum deles pertencia à sua posteridade. Portanto, com esta última repartição do império de Alexandre, cumpriram-se exatamente todas estas profecias.” (Idem, p. 415).APLCDA 235.1

    Versículo 5: O rei do Sul será forte, como também um de seus príncipes; este será mais forte do que ele, e reinará, e será grande o seu domínio.APLCDA 235.2

    O rei do sul — No restante deste capítulo o rei do norte e o rei do sul são muitas vezes mencionados. Portanto, é essencial identificar claramente estas potências para poder compreender a profecia. Quando o império de Alexandre foi dividido, as diferentes partes se estendiam para os quatro ventos do céu: ao norte, ao sul, a leste e a oeste. Estas divisões tinham especialmente estas direções quando observadas da Palestina, a parte central do império. A divisão ficava a oeste da Palestina constituiria o reino do ocidente; a que ficava ao norte, o reino do norte; a que ficava a leste, o reino do oriente; e a que ficava ao sul, o reino do sul.APLCDA 235.3

    Durante as guerras e revoluções que se sucederam através dos séculos, estes limites geográficos foram frequentemente apagados e se instituíram novos. Mas quaisquer que fossem as mudanças efetuadas, estas primeiras divisões do império devem determinar os nomes que desde então estas porções do território deveriam sempre levar posteriormente, ou não teremos norma pela qual testar a aplicação da profecia. Em outras palavras, qualquer que seja a potência que em qualquer tempo ocupasse o território que a princípio constituía o reino do norte, essa potência, tão logo ocupasse esse território, seria o rei do norte. Qualquer potência que ocupasse o que a princípio constituía o reino do sul, essa potência seria enquanto isso o rei do sul. Falamos só destes dois, porque são os únicos mencionados depois na profecia, e porque, de fato, todo o império de Alexandre finalmente se resolveu nestas duas divisões.APLCDA 236.1

    Os sucessores de Cassandro foram logo vencidos por Lisímaco; e seu reino, que compreendia a Grécia e a Macedônia, ficou anexados à Trácia. Lisímaco foi, por sua vez, vencido por Seleuco, e a Macedônia e a Trácia anexadas à Síria.APLCDA 236.2

    Estes fatos preparam o caminho para interpretar o texto que agora estudamos. O rei do sul, o Egito, seria forte. Ptolomeu Sotero anexou Chipre, Fenícia, Caria, Cirene e muitas ilhas e cidades ao Egito. Assim seu reino se tornou forte. Mas a expressão “um de seus príncipes” introduz outro dos príncipes de Alexandre. Isto deve referir-se a Seleuco Nicator, que, como já foi declarado, tendo anexado a Macedônia e a Trácia à Síria, tornou-se possuidor três das quatro partes do domínio de Alexandre e estabeleceu um reino mais poderoso que o do Egito.APLCDA 236.3

    Versículo 6: Mas, ao cabo de anos, eles se aliarão um com o outro; a filha do rei do Sul casará com o rei do Norte, para estabelecer a concórdia; ela, porém, não conservará a força do seu braço, e ele não permanecerá, nem o seu braço, porque ela será entregue, e bem assim os que a trouxeram, e seu pai, e o que a tomou por sua naqueles tempos.APLCDA 236.4

    O rei do norte — Houve frequentes guerras entre os reis do Egito e da Síria. Especialmente foi este o caso de Ptolomeu Filadelfo, o segundo rei do Egito, e Antíoco Teos, o terceiro rei da Síria. Eles finalmente concordaram em fazer a paz sob condição de que Antíoco repudiasse sua primeira esposa, Laodice, e seus dois filhos, e se casasse com Berenice, a filha de Ptolomeu Filadelfo. Como cumprimento disso, Ptolomeu trouxe a sua filha para Antíoco, e com ela um imenso dote.APLCDA 237.1

    “Ela, porém, não conservará a força do seu braço”, a saber, não continuará manifestando-se em seu favor o interesse e poder de Antíoco. Assim se provou; porque pouco tempo depois, Antíoco trouxe de volta à corte sua mulher anterior, Laodice, e seus filhos. Então, diz a profecia, “e ele [Antíoco] não permanecerá, nem o seu braço”, ou posteridade. Laodice, ao recuperar o favor e o poder, temeu que a inconstância de Antíoco pudesse novamente colocá-la em desgraça, chamando de volta a Berenice. Tendo concluído que nada menos que a morte dele podia protegê-la eficazmente contra tal contingência, mandou que ele fosse envenenado. Tampouco os filhos de Berenice o sucederam no reino, pois Laodice de tal modo geriu os negócios que assegurou o trono para seu filho mais velho, Seleuco Calínico.APLCDA 237.2

    “Porque ela [Berenice] será entregue” — Laodice, não contente com o envenenamento de seu marido, Antíoco, fez assassinar a Berenice e a seu filho ainda na infância. “Os que a trouxeram.” Todos os seus assistentes e mulheres egípcias, ao procurar defendê-la, foram mortos com ela. “E o que ela gerou, ” margem, “o que ela trouxe”, a saber, seu filho, que foi assassinado ao mesmo tempo por ordem de Laodice. “E o que a fortalecia naqueles tempos” (Almeida RC), refere-se claramente a seu esposo e aos que a defenderam.APLCDA 237.3

    Versículos 7-9: Mas, de um renovo da linhagem dela, um se levantará em seu lugar, e avançará contra o exército do rei do Norte, e entrará na sua fortaleza, e agirá contra eles, e prevalecerá. Também aos seus deuses com a multidão das suas imagens fundidas, com os seus objetos preciosos de prata e ouro levará como despojo para o Egito; por alguns anos, ele deixará em paz o rei do Norte. Mas, depois, este avançará contra o reino do rei do Sul e tornará para a sua terra.APLCDA 237.4

    Este reino saído da mesma linhagem com Berenice, foi seu irmão, Ptolomeu Evergetes. Sucedeu seu pai no trono do Egito, e tão logo se instalou, ardendo de vingança pela morte de sua irmã Berenice, reuniu um imenso exército e invadiu o território do rei do norte, ou seja, de Seleuco Calínico que, com sua mãe, Laodice, reinava na Síria. Prevaleceu contra ele aponto de conquistar a Síria, Cilícia, as regiões mais além do Eufrates e para o leste até Babilônia. Mas ao saber que se levantou no Egito uma sedição, exigindo sua volta, saqueou o reino de Seleuco, tomando 40.000 talentos de prata e 2.500 imagens dos deuses. Entre elas estavam as imagens que Cambises havia anteriormente levado do Egito a Pérsia. Os egípcios, inteiramente entregues à idolatria, concederam a Ptolomeu o título de Evergetes, ou o Benfeitor, como agradecimento por ele ter devolvido seus deuses que estiveram tantos anos cativos.APLCDA 238.1

    “Ainda temos escritos que confirmam vários desses detalhes. Apiano informa-nos que Laodice, tendo mandado matar Antíoco, e depois dele a Berenice e seu filho, Ptolomeu, o filho de Filadelfo, para vingar esses homicídios, invadiu a Síria, matou Laodice e prosseguiu até Babilônia. De Políbio sabemos que Ptolomeu, de sobrenome Evergetes, enfurecido pelo tratamento recebido por sua irmã Berenice, entrou na Síria com um exército e tomou a cidade de Selêucia, que foi mantida alguns anos pelas guarnições dos reis do Egito. Assim ele entrou ‘nas fortalezas do rei do Norte’ [Daniel 11:7, Almeida RC]. Poliênio afirma que Ptolomeu se fez dono de toda a região desde o Monte Tauro até a Índia, sem guerra ou batalha, mas por engano ele atribui isso ao pai em vez de ao filho. Justino afirma que se Ptolomeu não tivesse sido chamado de volta ao Egito por uma sedição interna, teria possuído todo o reino de Seleuco. Assim o rei do sul entrou no reino do norte e voltou à sua própria terra. E ele também continuou mais anos que o rei do norte, pois Seleuco Calínico morreu no exílio, de uma queda de cavalo. Ptolomeu Evergetes sobreviveu por quatro ou cinco anos.” (Tomás Newton, Dissertations on the Prophecies, vol. 1, p. 345, 346).APLCDA 238.2

    Versículo 10: Os seus filhos farão guerra e reunirão numerosas forças; um deles virá apressadamente, arrasará tudo e passará adiante; e, voltando à guerra, a levará até à fortaleza do rei do Sul.APLCDA 239.1

    A primeira parte do versículo fala dos filhos, no plural; a última parte de um, no singular. Os filhos de Seleuco Calínico foram Seleuco Cerauno e Antíoco Magno. Ambos entraram com zelo na obra de vindicar e vingar a causa de seu pai e seu país. O mais velho destes, Seleuco, ocupou primeiro o trono. Ele reuniu uma grande multidão para recuperar os domínios de seu pai, mas foi envenenado por seus generais após um curto e inglório reinado. Seu irmão, Antíoco Magno, mais capaz que ele, foi então proclamado rei. Assumiu o encargo do exército, retomou a Selêucia e recuperou a Síria, tornando-se senhor de alguns lugares por tratado e de outros pela força das armas. Antíoco venceu na batalha a Nicolau, o general egípcio, e pensava invadir o próprio Egito. Mas houve uma trégua durante a qual ambos os lados negociaram a paz, embora preparando-se para a guerra. Trata-se certamente de um filho que cumpriu a declaração: “arrasará tudo e passará adiante”.APLCDA 239.2

    Versículo 11: Então, este se exasperará, sairá e pelejará contra ele, contra o rei do Norte; este porá em campo grande multidão, mas a sua multidão será entregue nas mãos daquele.APLCDA 239.3

    Conflito entre o norte e o sul — Ptolomeu Filopater sucedeu seu pai Evergetes como rei do Egito, e recebeu a coroa pouco depois que Antíoco Magno sucedera seu irmão no governo da Síria. Foi um príncipe amante do luxo e do vício, mas finalmente despertou ante a perspectiva de uma invasão do Egito por Antíoco. Enfureceu-se pelas perdas que havia sofrido e o perigo que o ameaçava. Reuniu um exército numeroso para impedir o avanço do rei sírio. O rei do norte também poria “em campo grande multidão”. O exército de Antíoco, segundo Políbio, contava com 62.000 infantes, 6.000 ginetes e 102 elefantes. Neste conflito, a batalha de Ráfia, Antíoco foi derrotado, com quase 14.000 soldados mortos e 4.000 feitos prisioneiros, e seu exército foi entregue nas mãos do rei do sul, em cumprimento da profecia.APLCDA 239.4

    Versículo 12: A multidão será levada, e o coração dele se exaltará; ele derribará miríades, porém não prevalecerá.APLCDA 241.1

    Ptolomeu não soube aproveitar sua vitória. Tivesse ele prosseguido em seu êxito, provavelmente se teria tornado senhor de todo o reino de Antíoco. Mas satisfeito por fazer algumas ameaças, fez a paz para que pudesse entregar-se de novo à descontrolada satisfação de suas paixões brutais. Assim, tendo vencido seus inimigos, foi vencido por seus vícios e, esquecido do grande nome que poderia ter conseguido, passou seu tempo em banquetes e sensualidade.APLCDA 241.2

    O coração de Ptolomeu se elevou por seu êxito, mas ele estava longe de ser fortalecido por isso, pois o uso infame que fez da vitória deu motivo a uma rebelião de seus próprios súditos contra ele. Mas a exaltação de seu coração manifestou-se especialmente em seu trato com os judeus. Chegando a Jerusalém, ofereceu sacrifícios e quis entrar no lugar santíssimo do templo, contrariando a lei e a religião dos judeus. Ao ser contido, embora com grande dificuldade, abandonou o lugar ardendo em ira contra toda a nação dos judeus e imediatamente começou contra eles uma perseguição implacável. Em Alexandria, onde os judeus tinham residido desde os dias de Alexandre e desfrutado privilégios dos mais favorecidos cidadãos, foram mortos 40.000 segundo Eusébio, ou 60.000 segundo Jerônimo. A rebelião dos egípcios e a matança dos judeus certamente não o fortaleceram em seu trono, mas antes contribuíram para arruiná-lo.APLCDA 241.3

    Versículo 13: Porque o rei do Norte tornará, e porá em campo multidão maior do que a primeira, e, ao cabo de tempos, isto é, de anos, virá à pressa com grande exército e abundantes provisões.APLCDA 242.1

    Os eventos preditos neste versículo deviam ocorrer “ao cabo anos”. A paz concluída entre Ptolomeu Filopater e Antíoco Magno durou catorze anos. Enquanto isso Ptolomeu morreu de intemperança e orgia, e o sucedeu seu filho, Ptolomeu Epifanes, que tinha então cinco anos. Antíoco, durante esse tempo, suprimiu a rebelião em seu reino e reduziu à obediência as províncias orientais. Ficou, pois, livre para qualquer empresa, quando o jovem Epifanes subiu ao trono do Egito. Pensando que esta oportunidade era demasiado para deixá-la escapar, formou um imenso exército “maior que o primeiro” e se pôs em marcha contra o Egito, na esperança de alcançar fácil vitória sobre o rei infante.APLCDA 242.2

    Versículo 14: Naqueles tempos, se levantarão muitos contra o rei do Sul; também os dados à violência dentre o teu povo se levantarão para cumprirem a profecia, mas cairão.APLCDA 242.3

    Antíoco Magno não foi o único que se levantou contra o infante Ptolomeu. Agatocles, seu primeiro ministro, que se havia apoderado da pessoa do rei e conduzia os negócios do reino em seu lugar, foi tão dissoluto e orgulhoso no exercício do poder, que as províncias antes sujeitas ao Egito rebelaram-se. O próprio Egito foi perturbado por sedições, e os alexandrinos, levantando-se contra Agatocles, deram morte a ele, sua irmã, sua mãe e associados. Ao mesmo tempo Filipe da Macedônia, entrou em aliança com Antíoco para dividir os domínios de Ptolomeu entre eles, cada um propondo-se a tomar as partes que estivessem mais próximas e lhes fossem mais convenientes. Tudo isso constituía um levante contra o rei do sul suficiente para cumprir a profecia, e teve como resultado, sem dúvida, os eventos precisos que a profecia anunciava.APLCDA 242.4

    Mas um novo poder é agora introduzido: “os dados à violência dentre o teu povo”, literalmente, diz Tomás Newton, “os quebrantadores do teu povo”. (Dissertations on the Prophecies, vol. 1, p. 352). Longe, às margens do Tibre, havia um reino que vinha nutrindo ambiciosos projetos e obscuros desígnios. Pequeno e fraco a princípio, cresceu com admirável rapidez em força e vigor, entendendo-se cautelosamente aqui e ali para tentar sua proeza e testar o vigor de seu braço belicoso, até que, consciente de seu poder, ergueu com audácia a cabeça entre as nações da Terra, e com mão invencível tomou a direção dos negócios mundiais. Desde então o nome de Roma se destaca nas páginas da história, pois está destinado a dominar o mundo por longos anos e exercer poderosa influência entre as nações, mesmo até o fim do tempo, de acordo com as profecias.APLCDA 243.1

    Roma falou, e a Síria e a Macedônia logo perceberam que seu sonho mudava de aspecto. Os romanos interferiram em favor do jovem rei do Egito, determinados que ele fosse protegido da ruína ideada por Antíoco e Filipe. Era o ano 200 a.C., e foi uma das primeiras intervenções importantes dos romanos nos negócios da Síria e do Egito. Rollin dá o seguinte relato sucinto desta questão:APLCDA 243.2

    “Antíoco, rei da Síria, e Filipe, rei da Macedônia, durante o reino de Ptolomeu Filopater haviam mostrado o mais forte zelo pelos interesses daquele monarca e estavam dispostos a ajudá-lo em todas as ocasiões. Mas, assim que ele morreu, deixando após si um infante, que as leis de humanidade e justiça os comprometiam a não conturbar na posse do reino de seu pai, imediatamente se uniram em aliança criminosa e se excitaram a eliminar o herdeiro legal e dividir seus domínios. Filipe teria a Caria, a Líbia, a Cirenaica e o Egito; Antíoco, todo o resto. Com isto em vista, o último entrou na Celesíria e Palestina, e em menos de duas campanhas fez a conquista inteira dessas províncias, com todas as suas cidades e dependências. A culpa de ambos, diz Políbio, não teria sido tão flagrante se, como tiranos, tivessem se esforçado para cobrir seus crimes com alguma desculpa capciosa. Mas, longe de fazer isso, sua injustiça e crueldade foram tão descaradas que a ele se aplicam o que geralmente se diz dos peixes, que, embora da mesma espécie, o maior engole o menor. Alguém seria tentado, prossegue o mesmo autor, ao ver as leis da sociedade, tão abertamente violadas, a acusar abertamente a Providência de ser indiferente e insensível aos crimes mais horrendos. Mas isso justificou plenamente sua conduta ao punir dois reis como mereciam; e fez tal exemplo deles para impedir outros de seguir tal exemplo em todos os séculos sucessivos. Porque enquanto pensavam no despojo de um fraco e desamparado infante, fazendo seu reino aos pedaços, a Providência suscitou os romanos contra eles, que subverteram os reinos de Filipe e Antíoco e reduziram seus sucessores a quase tão grandes calamidades como as que pretenderam esmagar o rei infante.” (Carlos Rollin, Ancient History, vol. 5, p. 305, 306).APLCDA 243.3

    “Para cumprirem a profecia” — Os romanos são, mais notavelmente que qualquer outro povo, o tema da profecia de Daniel. Sua primeira interferência nos negócios desses reinos é aqui referida como o estabelecimento ou confirmação da verdade da visão que predisse a existência de tal potência.APLCDA 244.1

    “Mas cairão” — Alguns aplicam isso aos “muitos” mencionados na primeira parte do verso, que se coligariam contra o rei do sul. Outros, aos dissipadores do povo de Daniel, os romanos. Aplicam-se ambos os casos. Se se refere aos que se aliaram contra Ptolomeu, tudo o que precisa ser dito é que rapidamente caíram. Se isso se aplica aos romanos, a profecia simplesmente aponta para o período de sua derrota.APLCDA 244.2

    Versículo 15: O rei do Norte virá, levantará baluartes e tomará cidades fortificadas; os braços do Sul não poderão resistir, nem o seu povo escolhido, pois não haverá força para resistir.APLCDA 244.3

    A educação do jovem rei do Egito foi confiada pelo senado romano a Marcos Emílio Lépido, que nomeou como seu tutor a Aristomenes, velho e experiente ministro daquela corte. Seu primeiro ato foi tomar medidas contra a ameaça da invasão dos dois reis confederados, Filipe e Antíoco.APLCDA 245.1

    Para este fim ele despachou Scopas, famoso general da Etólia, então a serviço dos egípcios, a seu país natal para levantar reforços armados. Tendo equipado um exército, marchou para a Palestina e Celesíria (pois Antíoco estava empenhado numa guerra com Átalo na Ásia Menor) e submeteu toda a Judeia à autoridade do Egito.APLCDA 245.2

    Assim os negócios foram colocados numa postura para o cumprimento do versículo que consideramos. Antíoco, desistindo de sua guerra com Átalo a mando dos romanos, deu passos rápidos para a recuperação da Palestina e Celesíria das mãos dos egípcios. Scopas foi mandado contra ele. Perto das fontes do Jordão, os dois exércitos se encontraram. Scopas foi derrotado, perseguido até Sidom e ali estreitamente cercado. Três dos melhores generais do Egito, com suas melhores forças, foram enviados para levantar o cerco, mas sem êxito. Finalmente Scopas encontrando, no macilento e intangível espectro da fome, um inimigo que não poderia enfrentar foi forçado a entregar-se na desonrosa condição de salvar somente a vida. Ele e seus 10.000 homens foram deixados partir, despojados de tudo e indigentes. Assim se cumpriu a predição referente ao rei do norte: “tomará cidades fortificadas”, pois Sidom era, por sua situação e suas defesas, uma das mais fortes cidades daqueles tempos. Assim foi como os braços do sul não puderam permanecer, nem o povo escolhido por tal reino, a saber, Scopas e suas forças de Etólia.APLCDA 245.3

    Versículo 16: O que, pois, vier contra ele fará o que bem quiser, e ninguém poderá resistir a ele; estará na terra gloriosa, e tudo estará em suas mãos.APLCDA 245.4

    Roma conquista a Síria e Palestina — Embora o Egito não pudesse resistir diante de Antíoco Magno, o rei do norte, Antíoco Asiático não pôde resistir aos romanos, que vieram contra ele. Nenhum reino podia resistir ao poder nascente. A Síria foi conquistada e acrescentada ao império romano, quando Pompeu, em 65 a.C., privou Antíoco Asiático de suas possessões e reduziu a Síria a uma província romana.APLCDA 245.5

    A mesma potência também se destacaria na Terra Santa e a consumiria. Os romanos se relacionaram com o povo de Deus, os judeus, por aliança, em 161 a.C. Desde então Roma ocupou lugar de realce no calendário profético. Contudo, não adquiriu jurisdição sobre a Judeia por real conquista até o ano 63 a.C.APLCDA 246.1

    Na volta de Pompeu de sua expedição contra Mitrídates Eupator, rei do Ponto, dois concorrentes, Hircano e Aristóbulo, lutavam pela coroa da Judeia. Sua causa foi apresentada a Pompeu, que logo percebeu a injustiça das pretensões de Aristóbulo, mas desejava protelar a decisão do assunto para depois de sua há muito desejada expedição à Arábia. Prometeu então voltar e estabelecer seus negócios da maneira mais justa e adequada. Aristóbulo, sondando os reais sentimentos de Pompeu, voltou depressa à Galileia, armou seus súditos e preparou-se para uma vigorosa defesa, determinado a manter a coroa a qualquer custo, que ele previu seria adjudicada a outro. Depois de sua campanha contra o rei Aretas, Pompeu soube dos preparativos bélicos e marchou contra a Judeia. Quando ele se aproximou de Jerusalém, Aristóbulo começou a arrepender-se de seu procedimento e procurou acomodar os negócios, prometendo inteira submissão e grandes somas de dinheiro. Pompeu aceitou esta oferta e mandou Gabino com um destacamento de soldados para receber o dinheiro. Mas quando o lugar-tenente chegou a Jerusalém, encontrou as portas fechadas e foi-lhe dito do alto das muralhas que a cidade não manteria o acordo.APLCDA 246.2

    Pompeu, para não ser enganado assim com impunidade, aprisionou Aristóbulo e imediatamente marchou contra Jerusalém com todo o seu exército. Os partidários de Aristóbulo queriam defender o lugar; os de Hircano preferiam abrir as portas. Sendo estes a maioria, prevaleceram, e a Pompeu foi dada livre entrada na cidade. Nisso os adeptos de Aristóbulo retiraram-se para os montes do templo, tão plenamente determinados a defender esse lugar que Pompeu se viu obrigado a sitiá-lo. Ao fim de três meses foi feita no muro uma brecha suficiente para um assalto e o lugar foi tomado ao fio da espada. Na terrível matança que se seguiu, 12.000 pessoas foram mortas. Era um espetáculo impressionante, observa o historiador, ver os sacerdotes, na ocasião empenhados no serviço divino, com mão calma e firme propósito de prosseguir em sua obra costumeira, aparentemente inconscientes do selvagem tumulto, embora seu próprio sangue estivesse sendo misturado com o dos sacrifícios que ofereciam.APLCDA 246.3

    Tendo posto fim à guerra, Pompeu demoliu os muros de Jerusalém, transferiu várias cidades da jurisdição da Judeia para a Síria e impôs tributo aos judeus. Assim, pela primeira vez Jerusalém foi colocada mediante conquista nas mãos daquela potência que havia de manter a “terra gloriosa” em suas garras de ferro até que a houvesse consumido.APLCDA 247.1

    Versículo 17: Resolverá vir com a força de todo o seu reino, e entrará em acordo com ele, e lhe dará uma jovem em casamento, para destruir o seu reino; isto, porém, não vingará, nem será para a sua vantagem.APLCDA 247.2

    Tomás Newton dá outra interpretação a este versículo, que parece mais claramente expressar o sentido: “Ele também voltará o rosto a entrar pela força em todo o reino.” (Dissertations on the Prophecies, vol. 1, p. 356).APLCDA 247.3

    Roma invade o reino do sul — O versículo 16 nos levou até a conquista da Síria e a Judeia pelos romanos. Roma havia anteriormente vencido a Macedônia e a Trácia. O Egito era agora tudo que restou do “todo o reino” de Alexandre, que não tivesse sido reduzido à sujeição ao poder romano. Roma decidiu então a entrar pela força na terra do Egito.APLCDA 247.4

    Ptolomeu Auletes morreu em 51 a.C. Deixou a coroa e o reino do Egito à mais velha de suas filhas sobreviventes, Cleópatra, e a seu filho mais velho, Ptolomeu III, menino de 9 ou 10 anos. Ordenava em seu testamento que eles deveriam casar-se e reinar conjuntamente. Como eram jovens, foram colocados sob a tutela dos romanos. O povo romano aceitou o encargo e nomeou Pompeu tutor dos jovens herdeiros do Egito.APLCDA 247.5

    Logo surgiu uma querela entre Pompeu e Júlio César, uma disputa que culminou na famosa batalha de Farsália. Derrotado, Pompeu fugiu para o Egito. César imediatamente o seguiu até lá, mas antes de sua chegada Pompeu foi vilmente assassinado por instigação de Ptolomeu. César assumiu então a tutela de Ptolomeu e Cleópatra. Ele encontrou o Egito em comoção por distúrbios internos, pois Ptolomeu e Cleópatra tornaram-se mutuamente hostis, visto que ela ficou privada de sua parte no governo.APLCDA 248.1

    Crescendo diariamente as dificuldades, César achou sua pequena força insuficiente para manter sua posição e, não podendo sair do Egito por causa do vento norte que soprava naquela estação, mandou vir da Ásia todas as tropas que ele tinha naquela região.APLCDA 248.2

    Júlio César decretou que Ptolomeu e Cleópatra desobrigassem seus exércitos, comparecessem diante dele para liquidar suas diferenças e acatarem sua decisão! Sendo o Egito um reino independente, este decreto foi considerado uma afronta à sua dignidade real, e os egípcios enfurecidos, recorreram às armas. César respondeu que agia autorizado pelo testamento do pai dos príncipes, Ptolomeu Auletes, que colocava seus filhos sob a tutela do senado e povo de Roma.APLCDA 248.3

    A questão foi finalmente apresentada diante dele, e advogados foram nomeados para defender a causa das respectivas partes. Cleópatra, conhecendo o ponto fraco do grande general romano, decidiu comparecer perante ele em pessoa. Para chegar à presença dele sem ser vista, ela recorreu à seguinte estratagema: Deitou-se de corpo inteiro numa trouxa de roupas dentro da qual a embrulhou Apolodoro, seu servo siciliano; e depois de atar o fardo com uma tenaz, ergueu-a em seus hercúleos ombros e se dirigiu ao alojamento de César. Alegando ter um presente para o general romano, foi admitido à presença de César e depositou o fardo a seus pés. Quando César desatou essa trouxa animada, eis que a bela Cleópatra se pôs diante dele.APLCDA 248.4

    Quanto a este incidente, diz F. E. Adcock:APLCDA 249.1

    “Cleópatra tinha direito de ser ouvida se César fosse o juiz, e buscou chegar à cidade e encontrar um barqueiro que a levasse até ele. Veio, viu e venceu. Às dificuldades militares que havia para retirar-se ante o exército egípcio, acrescentou-se o fato de que César já não queria ir. Tinha mais de 50 anos, mas conservava uma susceptibilidade imperiosa que evocava a admiração de seus soldados. Cleópatra tinha 22 anos, era tão ambiciosa e de tão elevada têmpera como o próprio César, e resultou ser uma mulher a qual podia compreender, admirar e amar.” (The Cambridge Ancient History, vol. 9, p. 670).APLCDA 249.2

    César finalmente decretou que o irmão e a irmã ocupassem o trono juntamente, de acordo com a intenção do testamento. Potinus, o principal ministro de estado, tendo sido o instrumento responsável da expulsão de Cleópatra do trono, temeu o resultado de sua restauração. Por isso ele começou a despertar ciúme e hostilidade contra César, insinuando entre o populacho que se propunha dar todo o poder a Cleópatra. Não tardou a estalar uma sedição. Os egípcios buscaram destruir a frota romana. César revidou queimando a deles. Visto que alguns dos navios incendiados foram impelidos contra o cais, vários dos edifícios da cidade pegaram fogo e a famosa biblioteca de Alexandria, contendo cerca de 400.000 volumes, foi destruída. Antipater, o Idumeu, juntou-se a ele, com 3.000 judeus. Estes, que dominavam os desfiladeiros que davam entrada ao Egito, permitiram que passasse o exército romano sem interrupção. A chegada desse exército de judeus sob Antipater ajudou a decidir a contenda.APLCDA 249.3

    Uma batalha decisiva foi travada perto do Nilo, entre as frotas do Egito e de Roma, resultando uma completa vitória de César. Ptolomeu, tentando escapar, se afogou no rio. Alexandria e todo o Egito se submeteram ao vencedor. Roma tinha entrado agora em todo o reino original de Alexandre e o havia absorvido.APLCDA 251.1

    A referência que em algumas versões faz aqui aos “justos”, significa sem dúvida os judeus, que deram a Júlio César a ajuda já mencionada. Sem isso ele teria fracassado; graças a ela, subjugou completamente o Egito no ano 47 a.C.APLCDA 251.2

    “Uma filha das mulheres, para a corromper” (Almeida RC) foi Cleópatra, que tinha sido a querida de César, e lhe dera um filho. O feitiço da rainha o manteve mais tempo no Egito do que seus negócios requeriam. Passava noites inteiras em banquetes e orgias com a rainha dissoluta. “Mas ela não subsistirá, nem será para ele” (Almeida RC), dissera o profeta. Cleópatra uniu-se depois a Antônio, o inimigo de César Augusto, e exerceu todo o seu poder contra Roma.APLCDA 251.3

    Versículo 18: Depois, se voltará para as terras do mar e tomará muitas; mas um príncipe fará cessar-lhe o opróbrio e ainda fará recair este opróbrio sobre aquele.APLCDA 251.4

    A guerra que sustentaria na Síria e Ásia Menor contra Farnaces, rei do Bósforo Cimeriano, expulsou Júlio César do Egito. “Na sua chegada onde estava o inimigo”, diz Prideaux, “sem dar qualquer sossego a si mesmo ou a eles, imediatamente os atacou e obteve absoluta vitória sobre eles. Por causa disso escreveu a um amigo nestas três palavras: Veni, vidi, vici! (Vim, vi e venci”). (Humphrey Prideaux, The Old Testament Connected in the History of the Jews, vol. 2, p. 312).APLCDA 251.5

    A última parte deste versículo está envolta em certa obscuridade e há divergência de opinião quanto à sua aplicação. Alguns a aplicam a um momento anterior da vida de César, e pensam ver seu cumprimento em sua disputa com Pompeu. Mas outros eventos anteriores e posteriores na profecia nos compelem a buscar o cumprimento desta parte da predição entre a vitória sobre Farnaces e a morte de César em Roma, como apresentada no versículo seguinte.APLCDA 251.6

    Versículo 19: Então, voltará para as fortalezas da sua própria terra; mas tropeçará, e cairá, e não será achado.APLCDA 252.1

    Depois de sua conquista da Ásia Menor, César derrotou os últimos fragmentos que restaram do partido de Pompeu, sob Catão e Cipião na África, e sob Labieno e Varus na Espanha. Voltando a Roma, as “fortalezas de sua própria terra”, foi feito ditador perpétuo. E lhe foram concedidos outros poderes e honras que o tornaram de fato soberano de todo o império. Mas o profeta dissera que ele tropeçaria e cairia. A linguagem empregada implica que sua queda seria súbita e inesperada, como a de uma pessoa que acidentalmente tropeça em seu caminho. E assim este homem, que havia lutado e ganho cinquenta batalhas e tomado mil cidades, caiu, não no fragor da batalha, mas quando ele pensava que seu caminho fosse plano e que o perigo estava afastado.APLCDA 252.2

    “À véspera da partida, César jantou com Lépido e, enquanto os hóspedes estavam sentados diante do vinho, alguém perguntou: ‘De que morte é melhor morrer?’ César que estava ocupado assinando cartas disse: ‘De morte repentina.’ Às doze do dia seguinte, apesar dos sonhos e predições, sentou-se em sua cadeira no Senado, rodeado de homens a quem atendera, dado posição e salvo. Ali foi ferido, e lutou até cair aos pés da estátua de Pompeu.” (The Cambridge Ancient History, vol. 9, p. 738).APLCDA 252.3

    Assim tropeçou de repente, caiu, e não apareceu mais, em 44 a.C.APLCDA 252.4

    Versículo 20: Levantar-se-á, depois, em lugar dele, um que fará passar um exator pela terra mais gloriosa do seu reino; mas, em poucos dias, será destruído, e isto sem ira nem batalha.APLCDA 252.5

    Aparece Augusto, o exator — Otávio sucedeu a seu tio Júlio que o havia adotado. Anunciou publicamente esta adoção pelo tio e tomou seu nome. Uniu-se com Marco Antônio e Lépido para vingar a morte de Júlio César. Os três organizaram uma forma de governo chamado triunvirato. Ao Otávio ser estabelecido firmemente no império, o senado conferiu-lhe o título de “Augusto”, e tendo agora morto os outros membros do triunvirato, ele se tornou supremo governante.APLCDA 252.6

    Foi na verdade um exator — Lucas, falando do que aconteceu no tempo em que Cristo nasceu, diz: “E sucedeu naqueles dias, que saiu um decreto da parte de César Augusto ordenando que todo mundo se alistasse.” Lucas 2:1. Era evidentemente para a cobrança de impostos, como indicam certas versões. Durante o reinado de Augusto, “impuseram-se novas contribuições; uma quarta parte da renda anual de todos os cidadãos e um tributo capital de um oitavo de todos os livres.” (The Cambridge Ancient History, vol. 9, p. 738).APLCDA 253.1

    Estava “na glória do reino” — Roma chegou ao pináculo de sua grandeza e poder durante a era de Augusto. O império jamais viu uma era mais esplendorosa. Reinava a paz, mantinha-se a justiça, freava-se o luxo, confirmava-se a disciplina e se incentivava o ensino. Durante seu reino, o templo de Janus foi fechado três vezes, significando que todo o mundo estava em paz. Desde a fundação do Império Romano esse templo havia sido fechado só duas vezes antes. Nesse momento auspicioso nosso Senhor nasceu em Belém de Judeia. Em pouco menos de dezoito anos depois de apresentado o censo mencionado, quer dizer apenas “poucos dias” ao distante olhar do profeta, Augusto morreu, não em ira nem em batalha, mas pacificamente em seu leito, em Nola, aonde ele fora buscar repouso e saúde, em 14 d.C., aos 76 anos de idade.APLCDA 253.2

    Versículo 21: Depois, se levantará em seu lugar um homem vil, ao qual não tinham dado a dignidade real; mas ele virá caladamente e tomará o reino, com intrigas.APLCDA 253.3

    Tibério corta o Príncipe da aliança — Tibério César sucedeu a César Augusto no trono romano. Foi elevado ao consulado aos 29 anos de idade. A história nos diz que quando Augusto estava para nomear seu sucessor, sua esposa Lívia pediu que ele nomeasse Tibério, seu filho com o marido anterior. Mas o imperador disse: “Seu filho é demasiado vil para usar a púrpura de Roma.” Preferiu a Agripa, cidadão romano virtuoso e muito respeitado. Mas a profecia tinha predito que “um homem vil” sucederia Augusto. Agripa morreu e Augusto ainda estava com necessidade de escolher sucessor. Lívia renovou sua intercessão em favor de Tibério, e Augusto, enfraquecido pela idade e a doença, foi mais facilmente lisonjeado e finalmente concordou em nomear, como colega e sucessor, aquele jovem “vil”. Mas os cidadãos nunca lhe deram o amor, o respeito e a “dignidade real” devidos a um soberano íntegro e fiel.APLCDA 255.1

    Quão claro cumprimento é isso da predição de que não lhe dariam a dignidade real! Mas ele havia de entrar pacificamente e obter o reino por meio de lisonjas. Vejamos como isso se cumpriu:APLCDA 255.2

    “Durante o restante da vida de Augusto, ele [Tibério] se portou com grande prudência e habilidade, concluindo uma guerra com os germanos de tal maneira que mereceu triunfo. Após a derrota de Varo e suas legiões, foi mandado a impedir o avanço dos vitoriosos germanos e atuou naquela guerra com igual espírito e prudência. Ao morrer Augusto, ele o sucedeu (14 d.C.) sem oposição, na soberania do império, a qual com sua característica de dissimulação, fingiu declinar, até repetidamente solicitado pelo senado servil.” (American Encyclopedia, ed. 1849, vol. 12, p. 251, art. “Tibério”).APLCDA 255.3

    Dissimulação de sua parte, lisonja da parte do senado servil e uma posse do reino sem oposição — tais foram as circunstâncias que acompanharam sua ascensão ao trono e cumpriram a profecia.APLCDA 255.4

    O personagem apresentado no texto é chamado “um homem vil”. Foi esse o caráter de Tibério? Outro parágrafo da Enciclopédia responde:APLCDA 256.1

    “Tácito registra os eventos de seu reinado, inclusive a suspeita morte de Germânico, a detestável administração de Sejano, o envenenamento de Druso, com toda a extraordinária mistura de tirania com a sabedoria e bom senso que ocasionalmente distinguiram a conduta de Tibério, até seu infame e dissoluto afastamento (26 d.C.) para a ilha de Capri, na baía de Nápoles, para não mais voltar a Roma. [...] O restante do reinado deste tirano é pouco mais que uma enfadonha narrativa de servilismo por um lado e de despótica ferocidade por outro. Que ele mesmo suportou tanta miséria quanto infligiu a outros, é evidente pelo seguinte início de uma de suas cartas ao senado: ‘O que vos escreverei, pais conscritos, ou o que não escreverei, ou por que devia escrevê-lo, que os deuses e as deusas me castiguem mais do que eu sinto diariamente que eles estão fazendo, se posso dizer!’ ‘Que tortura mental’, observa Tácito, com referência a esta passagem, ‘que pôde arrancar tal confissão!’” (Idem)APLCDA 256.2

    Se a tirania, a hipocrisia, a orgia e a embriaguez ininterruptas são traços e práticas que mostram ser um homem vil, Tibério exibiu esse caráter com perfeição.APLCDA 256.3

    Versículo 22: As forças inundantes serão arrasadas de diante dele; serão quebrantadas, como também o príncipe da aliança.APLCDA 256.4

    Tomás Newton apresenta a seguinte interpretação como mais de acordo com o original: “E os braços do que inunda serão superados diante dele e serão quebrados.” (Dissertations on the Prophecies, vol. 1, p. 363). Isso significa revolução e violência; e como cumprimento veremos os braços de Tibério ser suplantados ou, em outras palavras, vê-lo sofrer morte repentina. Para mostrar como isso se realizou, recorremos de novo à Enciclopédia Americana, verbete Tibério:APLCDA 256.5

    “Agindo como hipócrita até o fim, ele disfarçou sua crescente debilidade tanto quanto pôde, fingindo até participar dos esportes e exercícios dos soldados de sua guarda. Finalmente, deixando sua ilha favorita, cenário das mais desgastantes orgias, ele parou numa casa de campo perto do promontório de Micenum, onde, em 16 de março de 37 d.C., caiu numa letargia em que pareceu morto. Calígula se estava preparando com uma numerosa escolta para tomar posse do império, quando seu súbito despertar deixou a todos em consternação. Nesse instante crítico, Macro, o prefeito pretoriano o fez ser sufocado com travesseiros. Assim expirou universalmente execrado o imperador Tibério aos 68 anos de idade, no vigésimo terceiro de seu reinado.” (American Encyclopedia, ed. 1849, vol. 12, p. 251, 252, art. “Tibério”)APLCDA 257.1

    Depois de levar-nos até a morte de Tibério, o profeta menciona um acontecimento que se produziria durante o reinado, tão importante que não devia ser passado por alto. É o quebrantamento do Príncipe da aliança, ou seja, a morte de nosso Senhor Jesus Cristo, “o Messias Príncipe”, que por uma semana havia de confirmar a aliança com Seu povo.APLCDA 257.2

    Segundo a Escritura, a morte de Cristo ocorreu no reinado de Tibério. Lucas nos informa que no décimo quinto ano do reinado de Tibério César, João Batista começou seu ministério (Lucas 3:1-3). O reinado de Tibério deve ser computado, segundo Prideaux (The Old Testament Connected on the History of the Jews, vol. 2, p. 423), o Dr. Hales (A New Analysis of Chronology, vol. 3, p. 1), e outros, o reinado de Tibério deve contar-se desde sua elevação ao trono para reinar junto com Augusto, seu padrasto, em agosto do ano 12 a.C. Seu décimo quinto ano seria, portanto, de agosto de 26 d.C. a agosto de 27 d.C. Cristo era seis meses mais jovem que João, e se supõe que Ele começou Seu ministério seis meses mais tarde, visto que ambos, se acordo com a lei do sacerdócio, iniciavam sua obra quando tinham trinta anos de idade. Se João começou seu ministério na primavera, na última parte do décimo quinto ano de Tibério, isso colocaria o início do ministério de Cristo no outono de 27 d.C. E justamente aqui as melhores autoridades colocam o batismo de Cristo, sendo o ponto exato onde terminaram os 483 anos que desde 457 a.C. deviam estender-se até o Messias, o Príncipe. Então Cristo saiu a proclamar que o tempo estava cumprido. Deste ponto avançamos três anos e meio para achar a data da crucifixão, pois Cristo assistiu a quatro Páscoas e foi crucificado na quarta. Três anos e meio mais, contando do outono de 27 d.C., nos levam à primavera de 31 d.C. A morte de Tibério ocorreu apenas seis anos mais tarde, em 37 d.C. (Ver comentários sobre Daniel 9:25-27).APLCDA 257.3

    Versículo 23: Apesar da aliança com ele, usará de engano; subirá e se tornará forte com pouca gente.APLCDA 258.1

    Roma entra em coligação com os judeus — O pronome “ele” referente à pessoa com quem se faz a aliança, deve ser o mesmo poder que tem sido o assunto da profecia a partir do versículo 14: o Império Romano. Que este é o caso é demonstrado no cumprimento da profecia em três personagens, que sucessivamente governaram o império romano: Júlio César, Augusto e Tibério.APLCDA 258.2

    Tendo nos levado através dos eventos da história secular do Império Romano até o fim das setenta semanas de Daniel 9:24, o profeta leva-nos de volta ao tempo em que os romanos se tornaram diretamente ligados ao povo de Deus, pela coligação com os judeus, em 161 a.C. Desse ponto somos levados numa linha direta de eventos até o triunfo final da igreja e o estabelecimento do reino eterno de Deus. Os judeus, sendo gravemente oprimidos pelos reis sírios, enviaram um embaixador a Roma, para solicitar o auxílio dos romanos e unir-se numa “liga de amizade e confederação com eles.” (Ver 1 Macabeus 8; Humphrey Prideaux, The Old and New Testament Connected of the Jews, vol. II, 166). Os romanos atenderam o pedido dos judeus e lhes outorgaram um decreto, nestas palavras:APLCDA 258.3

    “‘O decreto do senado acerca de uma liga de assistência e amizade com a nação dos judeus. Não será legítimo a nenhum súdito dos romanos fazer guerra à nação dos judeus, nem ajudar os que a fazem, seja pelo envio de trigo, navios ou dinheiro. Se algum ataque se fizer aos judeus, os romanos os assistirão o quanto puderem; e também se algum ataque for feito aos romanos, os judeus os ajudarão. E se os judeus pretenderem acrescentar ou tirar alguma coisa desta liga de assistência, isso se fará com o consenso dos romanos. E qualquer acréscimo assim feito vigorará.’ Este decreto foi escrito por Eupolemus, o filho de João, e por Jason, o filho de Eleazar, quando Judas era sumo sacerdote da nação e Simão, seu irmão, general do exército. Esta foi a primeira liga que os romanos fizeram com os judeus e foi administrada desta maneira.” (Flávio Josefo, Antiguidades Judaicas, livro 12, cap. 10, se. 6).APLCDA 259.1

    Nesse tempo os romanos eram um pequeno povo e começaram a agir enganosamente, ou com astúcia, como a palavra significa. E deste esse tempo foram-se elevando constante e rapidamente até chegar ao apogeu do poder.APLCDA 259.2

    Versículo 24: Virá também caladamente aos lugares mais férteis da província e fará o que nunca fizeram seus pais, nem os pais de seus pais: repartirá entre eles a presa, os despojos e os bens; e maquinará os seus projetos contra as fortalezas, mas por certo tempo.APLCDA 259.3

    Antes dos dias de Roma, as nações entravam em valiosas províncias e rico território por guerra e conquista. Roma ia agora fazer o que não tinha sido feito pelos pais ou os pais dos pais, ou seja, receber estas aquisições por meios pacíficos. Inaugurou-se então o costume de que os reis deixassem por legação seus reinos aos romanos. Roma entrou na posse de grandes províncias desta maneira.APLCDA 259.4

    Os que assim passavam a depender de Roma obtinham grande vantagem. Eram tratados com bondade e indulgência. Era como se a presa e o despojo fossem distribuído entre eles. Foram protegidos de seus inimigos e descansaram em paz e segurança sob a égide do poder romano.APLCDA 259.5

    Até a última parte deste versículo, Tomás Newton dá a ideia de formar desígnios desde as fortalezas, em vez de contra elas. Isto os romanos fizeram desde a poderosa fortaleza de sua cidade fortificada de sete colinas. “Mesmo por um tempo”, sem dúvida um período profético, de 360 anos. De que ponto estes anos devem ser datados? Provavelmente do acontecimento apresentado no versículo seguinte.APLCDA 260.1

    Versículo 25: Suscitará a sua força e o seu ânimo contra o rei do Sul, à frente de grande exército; o rei do Sul sairá à batalha com grande e mui poderoso exército, mas não prevalecerá, porque maquinarão projetos contra ele.APLCDA 260.2

    Roma contende com o rei do sul — Os versículos 23 e 24 nos levam a desde a liga entre os judeus e os romanos, em 161 a.C., até o tempo em que Roma adquiriu domínio universal. O versículo agora em estudo nos apresenta uma vigorosa campanha contra o rei do sul, o Egito, e uma grande batalha entre poderosos exércitos. Ocorreram tais eventos na história de Roma por esse tempo? Sim. Houve uma guerra entre o Egito e Roma e a batalha foi a de Actium. Consideremos brevemente as circunstâncias que conduziram a este conflito.APLCDA 260.3

    Marco Antônio, César Augusto e Lépido constituíram o Triunvirato que jurara vingar a morte de Júlio César. Antônio tornou-se cunhado de Augusto ao casar-se com sua irmã Otávia. Foi enviado ao Egito em missão governamental, mas caiu vítima dos encantos de Cleópatra, a dissoluta rainha. Tão avassaladora foi a paixão que por ela concebeu que finalmente abraçou os interesses egípcios, repudiou sua esposa Otávia, para agradar Cleópatra, e concedeu a esta uma província após outra. Celebrou um triunfo em Alexandria em vez de em Roma e cometeu outras tanta afrontas contra o povo romano, que Augusto não teve dificuldade em levar este povo a empreender uma vigorosa guerra contra o Egito. A guerra era ostensivamente contra o Egito e Cleópatra, mas era realmente contra Antônio, que estava agora à frente dos negócios egípcios. A verdadeira causa de seu conflito era, diz Prideaux, que nenhum deles podia contentar-se com apenas metade do império romano. Lépido tinha sido deposto do Triunvirato, os dois se repartiam o governo do império. Cada qual, estando determinado a possuir o todo, lançaram a sorte da guerra.APLCDA 260.4

    Antônio reuniu sua esquadra em Samos. Quinhentos navios de guerra, de extraordinário tamanho e estrutura, tendo vários tombadilhos, um acima do outro, com torres na proa e na popa, formavam um imponente e formidável aparato. Esses navios transportavam 125.000 soldados. Os reis da Líbia, Cilícia, Capadócia, Papflagonia, Comagena e Trácia estavam lá pessoalmente; e os do Ponto, da Judeia, Licaônia, Galácia e Média, mandaram suas tropas. O mundo raramente vira mais esplêndido e movimentado espetáculo militar que esta frota de navios de guerra, quando estendiam suas velas e se moviam sobre o seio do mar. Superando a todos em magnificência chegou a galera de Cleópatra, que flutuava como um palácio de ouro sob uma nuvem de velas purpúreas. Suas bandeiras e bandeirolas ao vento, trombetas e outros instrumentos de guerra, fizeram os céus ressoar com notas de alegria e triunfo. António seguia logo atrás numa galera de quase igual magnificência.APLCDA 261.1

    Augusto, por outro lado, exibiu menos pompa, porém, mais utilidade. Ele tinha apenas metade de navios em relação aos de Antônio e apenas 80.000 infantes. Mas eram todos homens escolhidos e a bordo de sua frota só havia marinheiros experientes, ao passo que Antônio, não encontrando marinheiros suficientes, tinha sido obrigado manobrar seus navios com artesãos de toda classe, homens inexperientes e mais bem adequados para atrapalhar do que para prestar real serviço em tempo de batalha. Como se tinha consumido grande parte da estação nestes preparativos, Augusto ordenou a seus navios que se reunissem em Brundusi, e Antônio em Corcira, até o ano seguinte.APLCDA 261.2

    Na primavera, ambos os exércitos se puseram em movimento, por terra e por no mar. As frotas finalmente entraram no Golfo de Ambrácia, no Egito, e as forças terrestres foram dispostas em cada margem, plenamente visíveis. Os mais experientes generais de Antônio o aconselhavam a não arriscar uma batalha naval com seus marujos inexperientes, mas que mandasse Cleópatra de volta ao Egito, ir apressadamente à Trácia ou à Macedônia, e confiar o desfecho a suas forças terrestres, que eram tropas veteranas. Mas ele, ilustrando o velho adágio: “A quem Deus quer destruir, primeiro enlouquece”, deixou prevalecer sua vaidade por Cleópatra, e parecia apenas desejoso de agradar a ela. Esta, confiando só em aparências, considerava sua frota invencível e aconselhou ação imediata.APLCDA 262.1

    A batalha foi travada em 2 de setembro de 31 a.C., na foz do golfo de Ambrácia, perto da cidade de Actium. O que estava em jogo entre estes rudes guerreiros, Antônio e César, era o domínio do mundo. O conflito, indubitavelmente longo, foi finalmente decidido pela conduta de Cleópatra. Assustada pelo calor da batalha, fugiu quando não havia perigo, levando após si toda a frota egípcia, que contava com 60 navios. Antônio, ao ver esse movimento e esquecendo de tudo, menos por sua cega paixão por ela, seguiu-a precipitadamente, e entregou a Augusto uma vitória, que ele poderia ter obtido se suas forças egípcias lhe tivessem sido leais, ou se ele se tivesse sido fiel a sua própria honra.APLCDA 262.2

    Essa batalha assinala, sem dúvida, o início do “tempo” mencionado no versículo 24. Como durante este “tempo” planos deviam ser lançados desde a fortaleza, ou Roma, devemos concluir que no fim daquele período cessaria a supremacia ocidental, ou ocorreria no império uma mudança tal que aquela cidade não mais seria considerada a sede do governo. De 31 a.C., um tempo profético, ou 360 anos, nos traria ao ano 330 d.C. E torna-se um fato digno de nota que a sede do império foi removida de Roma para Constantinopla por Constantino, o Grande nesse mesmo ano. (Ver American Encyclopedia, verbete Constantinopla). Versículo 26: Os que comerem os seus manjares o destruirão, e o exército dele será arrasado, e muitos cairão traspassados.APLCDA 262.3

    Antônio foi abandonada por seus aliados e amigos, os que comiam seus manjares. Cleópatra, como já foi descrito, subitamente se retirou da batalha, levando sessenta navios de linha. O exército terrestre, desgostado com a enfatuação de Antônio, passou-se para Augusto, que recebeu os soldados de braços abertos. Quando Antônio chegou à Líbia achou que as forças que lá havia deixado sob Scarpus para guardar a fronteira, se haviam debandado para César e no Egito suas forças se renderam. Em raiva e desespero, tirou a própria vida.APLCDA 263.1

    Versículo 27: Também estes dois reis se empenharão em fazer o mal e a uma só mesa falarão mentiras; porém isso não prosperará, porque o fim virá no tempo determinado.APLCDA 263.2

    Antônio e Augusto foram anteriormente aliados. Contudo, sob o disfarce da amizade, ambos aspiravam ao domínio universal e lutavam para consegui-lo. Seus protestos de amizade mútuas eram expressões de hipócritas. Falavam mentiras numa só mesa. Otávia, mulher de Antônio e irmã de Augusto, declarou ao povo de Roma, quando Antônio se divorciou dela, que ela havia consentido em desposá-lo com a única esperança de que isso garantiria a união entre Antônio e Augusto. Mas esse recurso não prosperou. Veio a ruptura e, no conflito que se seguiu, Augusto saiu inteiramente vitorioso.APLCDA 263.3

    Versículo 28: Então, o homem vil tornará para a sua terra com grande riqueza, e o seu coração será contra a santa aliança; ele fará o que lhe aprouver e tornará para a sua terra.APLCDA 263.4

    Aqui se apresentam dois retornos de conquista estrangeira. O primeiro produziu-se após os eventos narrados nos versículos 26 e 27, e o segundo, depois que aquele poder indignou-se contra a santa aliança e realizou suas façanhas. A primeira vez foi na volta de Augusto de sua expedição ao Egito contra Antônio. Voltou a Roma com abundantes honras e riquezas, pois, “nesse tempo eram tão vastas as riquezas levadas do Egito a Roma na conquista desse país e de lá voltou Otaviano [Augusto] e seu exército, e os preços de víveres e todas as mercadorias dobraram.” (The Old and the New Testament Connected in the History of the Jews, vol. 2, p. 380).APLCDA 263.5

    Augusto celebrou suas vitórias em três dias de triunfo. Cleópatra seria agraciada como um dos cativos reais, se não se houvesse ardilosamente feito picar fatalmente por um áspide.APLCDA 264.1

    Roma destrói Jerusalém — O seguinte grande empreendimento dos romanos após a derrota do Egito foi a expedição contra a Judeia e a captura e destruição de Jerusalém. A santa aliança é sem dúvida a aliança que Deus tem mantido com Seu povo sob formas diferentes, em diferentes eras do mundo. Os judeus rejeitaram a Cristo e, de acordo com a profecia de que todos os que não ouvissem o Profeta seriam cortados, foram lançados fora de sua própria terra e espalhados entre todas as nações da Terra. Enquanto judeus e cristãos igualmente sofreram sob as opressoras mãos dos romanos, foi, sem dúvida, especialmente na redução da Judeia, que foram expostas as façanhas mencionadas no texto sagrado.APLCDA 264.2

    Sob Vespasiano os romanos invadiram a Judeia e tomaram as cidades da Galileia: Corazim, Betsaida e Capernaum, onde Cristo fora rejeitado. Destruíram os habitantes e nada deixaram senão ruína e desolação. Tito sitiou Jerusalém, e abriu uma trincheira ao seu redor, conforme a predição do Salvador. Seguiu-se uma fome terrível. Moisés havia predito que terríveis calamidades sobreviriam aos judeus, se eles se apartassem de Deus. Fora profetizado que até a mulher e delicada comeria seus próprios filhos no aperto do cerco (Deuteronômio 28:52-55). Sob o cerco de Jerusalém por Tito, ocorreu literal cumprimento desta predição. Ao ouvir o relato desses atos desumanos, mas esquecendo que era ele que os estava impelindo a tais extremos de loucura, Tito jurou eterna extirpação da cidade maldita e seu povo.APLCDA 264.3

    Jerusalém caiu no ano 70 d.C. Em honra a si mesmo, o comandante romano determinara salvar o templo, mas o Senhor dissera: “Não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derribada.” (Mateus 24:2). Um soldado romano apanhou uma tocha acesa e, subindo nos ombros de seus camaradas, atirou-a por uma das janelas ao interior da linda estrutura. Esta não tardou em incendiar-se, e os esforços desesperados dos judeus para apagar as chamas, embora secundados pelos do próprio Tito, tudo foi em vão. Vendo que o templo iria perecer, Tito entrou e retirou o candelabro, a mesa dos pães da proposição e o volume da lei, que era revestido de tecido de ouro. O candelabro foi depois depositado no Templo da paz, de Vespasiano e copiado no arco triunfal de Tito, onde ainda se vê sua mutilada imagem.APLCDA 265.1

    O cerco de Jerusalém durou cinco meses. Nele pereceram 1.100.000 judeus e 97.000 foram feitos prisioneiros. A cidade estava tão admiravelmente fortificada que Tito exclamou, ao ver as ruínas: “Lutamos com a ajuda de Deus”. Foi completamente arrasada e os próprios fundamentos do templo foram arados por Tarentius Rufo. A duração total da guerra foi de sete anos, e se diz que quase um milhão e meio de pessoas foram vítimas de seus tremendos horrores.APLCDA 266.1

    Assim este poder realizou grandes façanhas e novamente voltou para a sua terra.APLCDA 266.2

    Versículo 29: No tempo determinado, tornará a avançar contra o Sul; mas não será nesta última vez como foi na primeira.APLCDA 266.3

    O tempo indicado é provavelmente o tempo profético do verso 24, previamente mencionado. Terminou, como já demonstrado, em 330 d.C. e nessa data este poder se voltaria para o sul, mas não como na ocasião anterior, quando foi para o Egito, nem como depois, quando foi para a Judeia. Aquelas foram as expedições que resultaram em conquista e glória. Esta levou à desmoralização e ruína. O traslado da sede do império para Constantinopla foi o início da queda do império. Roma então perdeu o seu prestígio. A divisão ocidental ficou exposta às incursões de inimigos estrangeiros. Com a morte de Constantino, o Império Romano foi dividido entre seus três filhos: Constâncio, Constantino II e Constante. Constantino II e Constante desentenderam-se e, sendo Constante o vencedor, ganhou a supremacia de todo o Ocidente. Os bárbaros do norte agora começaram suas incursões e estenderam suas conquistas até que o poder imperial do Ocidente expirou em 476 d.C. Versículo 30: Porque virão contra ele navios de Quitim, que lhe causarão tristeza; voltará, e se indignará contra a santa aliança, e fará o que lhe aprouver; e, tendo voltado, atenderá aos que tiverem desamparado a santa aliança.APLCDA 266.4

    Roma saqueada pelos bárbaros — A narrativa profética ainda faz referência ao poder que tem sido o tema da profecia desde o verso 16, ou seja, Roma. Quais foram os navios de Quitim que foram contra esta potência e quando se fez este movimento? Que país ou poder é representado por Quitim? Em Isaías 23:1 achamos esta menção: “Desde a terra de Quitim lhes foi isto revelado.” (Almeida RC). Adam Clarke diz em nota a respeito:APLCDA 267.1

    “Diz-se que as notícias da destruição de Tiro por Nabucodonosor, lhes foram levadas de Quitim, as ilhas e costas do Mediterrâneo, ‘pois os Tírios’ — diz Jerônimo sobre o versículo 6 — quando viram que não tinham outro meio de escape, fugiram em seus navios e se refugiaram em Cartago e nas ilhas dos mares Jônio e Egeu.’ [...] Assim também Jarchi no mesmo lugar.” (Adam Clarke, Commentary on the Old Testament, vol. 4, p. 109, 110, nota sobre Isaías 23:1).APLCDA 267.2

    Travou-se alguma vez contra o Império Romano uma guerra naval que tendo Cartago como base de operação? Lembremos os terríveis ataques dos vândalos contra Roma sob o feroz Genserico, e responderemos afirmativamente. Cada primavera saía do porto de Cartago à frente de suas numerosas e bem disciplinadas forças navais, para espalhar consternação por todas as províncias marítimas do império. Tal é a obra apresentada no versículo que estudamos; e isso fica melhor confirmado ao considerarmos que a profecia nos levou exatamente a este tempo. No versículo 29 entendemos ser mencionado o traslado da sede para Constantinopla. A seguinte revolução que se produz no curso do tempo é a que ocasionou as investidas dos bárbaros do norte, entre as quais se destacavam os vândalos e a guerra que realizavam, como já mencionado. A carreira de Genserico desenvolveu-se entre 428-468 d.C.APLCDA 267.3

    Os eventos “lhe causarão tristeza; e voltará”. Isso pode referir-se aos esforços desesperados que foram feitos para desalojar Genserico da soberania dos mares, o primeiro por Majorian, e logo pelo papa Leão I, mas se demonstraram fracassos totais. Roma foi obrigada a submeter-se à humilhação de ver suas províncias saqueadas e sua “cidade eterna” pilhada pelo inimigo. (Ver comentário sobre Apocalipse 8:8).APLCDA 268.1

    “E se indignará contra a santa aliança” — Isto se refere sem dúvida às tentativas de destruir o povo de Deus pelos ataques dirigidos às Sagradas Escrituras, o livro da aliança. Uma revolução desta natureza foi realizada em Roma. Os hérulos, godos e vândalos, que conquistaram Roma, abraçaram a fé ariana e se tornaram inimigos da Igreja Católica. Justiniano decretou que o Papa fosse a cabeça da Igreja e o corregedor dos heréticos especialmente com o propósito de exterminar essa heresia. A Bíblia logo passou a ser considerada um livro perigoso, que não devia ser lido pelo povo comum, mas todas as questões em disputas deviam ser submetidas ao Papa. Assim se desprezou a Palavra de Deus.APLCDA 268.2

    Diz um historiador, comentando a atitude da Igreja Católica com relação às Escrituras:APLCDA 268.3

    “Alguém poderia pensar que a igreja de Roma tinha posto seus fiéis fora do alcance das Escrituras. Ela tinha posto o abismo da tradição entre eles e as Palavra de Deus. Afastou-os ainda mais da esfera do perigo ao prover um intérprete infalível cujo dever consiste em cuidar de que a Bíblia não expresse um sentido hostil a Roma. Mas, se isso não bastasse, trabalhou por todos os meios ao seu alcance para impedir as Escrituras cheguem de qualquer maneira às mãos de seu povo. Antes da Reforma conservou a Bíblia encerrada em uma língua morta, e se promulgaram leis severas contra sua leitura. A Reforma libertou o precioso volume. Tyndale e Lutero, o primeiro, de seu retiro de Vildorfe nos Países Baixos, e o último, das densas sombras do bosque da Turíngia, enviaram a Bíblia aos que falavam o idioma popular na Inglaterra e Alemanha. Despertou-se assim uma sede pelas Escrituras, ao que a igreja de Roma pensou ser imprudente opor-se abertamente. O Concílio de Trento promulgou sobre os livros proibidos, dez regras que, embora aparentavam satisfazer o crescente anseio de ler a Palavra de Deus, estavam insidiosamente redigidas para freá-lo. Na quarta regra, o concílio proíbe a quem quer que leia a Bíblia sem permissão do bispo ou inquisidor, permissão que estaria baseada num certificado de seu confessor de que não corre perigo de ser prejudicado ao lê-la. O concílio acrescenta estas categóricas palavras: ‘Que se alguém se atreve a ler ou a ter em sua posse esse livro, sem tal permissão, não receberá a absolvição até que o tenha entregue.’ A estas regras segue a bula de Pio IV, na qual se declara que os que as violem serão considerados culpados de pecado mortal. Assim a igreja de Roma buscou regular o que lhe era impossível impedir. O fato não ser permitido a nenhum seguidor do papa ler a Bíblia sem permissão não aparece nos catecismos e outros livros de uso comum entre os católicos romanos deste país; mas é incontestável que forma a lei daquela igreja. E, segundo ela, a prática uniforme dos sacerdotes de Roma, dos papas para baixo, é impedir a circulação da Bíblia; impedi-la totalmente nos países onde, como na Itália e Espanha, exerce todo o poder, e noutros países, como o nosso, até onde seu poder permite. Seu sistema uniforme é desalentar a leitura das Escrituras por todos os meios possíveis; e quando não acatam empregam a força para conseguir seus fins, não tendo atenção em empregar o poder espiritual de sua igreja e declarar que os que contrariarem a vontade de Roma nesta questão são culpados de pecado mortal.” (J. A. Wylie, The Papacy, p. 180, 181).APLCDA 268.4

    Os imperadores de Roma, cuja divisão oriental ainda continuava, concordavam com a Igreja de Roma, que tinha abandonado a aliança e constituía a grande apostasia, e colaboravam com ela no propósito de derrubar a “heresia”. O homem do pecado foi elevado ao seu presumível trono pela derrota dos godos arianos (em 538), que então tinham posse de Roma.APLCDA 270.1

    Versículo 31: Dele sairão forças que profanarão o santuário, a fortaleza nossa, e tirarão o sacrifício diário, estabelecendo a abominação desoladora.APLCDA 270.2

    “Poluirão o santuário, a fortaleza nossa”, ou Roma. Se isso se aplica aos bárbaros, cumpriu-se literalmente, pois Roma foi saqueada pelos godos e os vândalos, e o poder imperial do ocidente cessou pela conquista de Roma por Odoacro. Ou se se refere aos governantes do império que agiam em favor do papado contra a religião pagã e qualquer outra que se opunha ao papado, significaria a mudança da sede do império de Roma para Constantinopla, o que contribuiu grandemente para a decadência de Roma. A passagem então seria paralela a Daniel 8:11 e Apocalipse 13:2.APLCDA 270.3

    O papado remove “o contínuo” — Nos comentários sobre Daniel 8:13 foi mostrado que a palavra “sacrifício” é uma palavra que foi erroneamente introduzida. Deve ser “desolação”. A expressão denota um poder desolador, do qual a “abominação desoladora” é apenas a contraparte e a sucede no tempo. Portanto, parece claro que o “contínuo” foi o paganismo, e a “abominação desoladora” é o papado. Mas pode-se perguntar: Como este pode ser o papado, visto que Cristo falou dela em conexão com a destruição de Jerusalém? A resposta é: Cristo evidentemente referiu-se a Daniel 9, que prediz a destruição de Jerusalém, e não a este versículo do capítulo 11, que não se refere a tal acontecimento. Daniel, no capítulo 9, fala de desolações e abominações, no plural. Mais de uma abominação, portanto, oprime a igreja, isto é, no que concerne à igreja, tanto o paganismo, como o papado são abominações. Mas quando distinguidas uma da outra, a linguagem é restrita. Uma é a desolação “diária” e a outra é preeminentemente a transgressão ou “abominação desoladora”.APLCDA 270.4

    Como foi tirado o “contínuo” ou paganismo? Como isto se fala em relação com o estabelecimento da abominação desoladora, ou o papado, deve denotar, não meramente a mudança nominal da religião do império, do paganismo ao cristianismo, mas tal erradicação do paganismo de todos os elementos do império, que o caminho seria totalmente aberto para a abominação papal surgir e afirmar suas arrogantes pretensões. Tal revolução, como está claramente definida, foi realizada, mas apenas quase duzentos anos após a morte de Constantino.APLCDA 271.1

    Ao nos aproximarmos do ano 508 d.C., vemos uma grande crise amadurecendo entre o catolicismo e as influências pagãs ainda existentes no império. Até o tempo da conversão de Clóvis, rei de França, em 496, a França e outras nações de Roma ocidental eram pagãs. Mas em seguida a esse evento, os esforços para converter idólatras ao romanismo foram coroados de grande êxito. Diz-se que a conversão de Clóvis inicia a tendência e a atitude de conceder ao monarca francês os títulos de “Majestade Cristianíssima” e “Filho Mais Velho da Igreja”. Entre esse tempo e 508 d.C., mediante alianças, capitulações e conquistas, Clóvis submeteu as guarnições romanas do oriente, na Bretanha, e os burgúndios e os visigodos.APLCDA 271.2

    Do tempo em que estes acontecimentos se realizaram, em 508, o papado foi triunfante no que concerne ao paganismo, pois embora o último sem dúvida retardasse o progresso da fé católica, já não teve o poder de suprimir a fé nem impedir as usurpações do pontífice romano. Quando as potências eminentes da Europa renunciaram a seu apego ao paganismo, foi só para perpetuar suas abominações em outra forma, pois o cristianismo, como é exposto na Igreja Católica, foi e é apenas paganismo batizado.APLCDA 271.3

    A situação da sede de Roma era também peculiar naquele tempo. Em 498, Símaco ascendeu ao trono pontifical, sendo recém-converso do paganismo. Chegou à cadeira papal, lutando com seu competidor até o sangue. Recebeu adulação como o sucessor de São Pedro e feriu a tônica da assunção papal por pretender excomungar o imperador Anastácio. (Luis E. Dupin, A New History of Ecclesiastical Writers, vol. 5, p. 1-3). Os mais servis aduladores do Papa começaram então a sustentar que ele foi constituído juiz no lugar de Deus e que era o vice-gerente do Altíssimo.APLCDA 272.1

    Tal foi a tendência dos eventos no ocidente. Qual era a condição que reinava no oriente? Agora existia um forte partido papal em todas as partes do império. Os adeptos desta causa em Constantinopla, animados pelo êxito de seus irmãos no ocidente, achavam que chegara o momento de anunciar francas hostilidades em favor de seu senhor em Roma.APLCDA 272.2

    Note-se que pouco depois de 508, o paganismo tinha de tal modo declinado e o catolicismo havia adquirido tanta força, que pela primeira vez a Igreja Católica travou com êxito uma guerra, tanto contra a autoridade civil do império quanto contra a igreja do oriente, que tinha na maioria abraçado a doutrina monofisista, que Roma tinha por heresia. O zelo dos partidários culminou num torvelinho de fanatismo e guerra civil, que varreu Constantinopla com fogo e sangue. O resultado foi o extermínio de 65.000 hereges. Uma citação de Gibbon, tirada de seu relato dos eventos ocorridos entre 508 e 518, demonstrará a intensidade de tal guerra:APLCDA 272.3

    “Foram quebradas as estátuas do imperador, e este teve que esconder-se em pessoa num subúrbio até que, no fim de três dias, atreveu-se a implorar a misericórdia de seus súditos. Sem a diadema e na postura de um suplicante, Anastácio apresentou-se no trono do circo. Os católicos cantaram em sua face o que lhes era o verdadeiro Trisságio e se alegraram pelo oferenda (que ele proclamou pela voz de um arauto) de abdicar a púrpura. Escutaram a advertência de que, visto que todos não podiam reinar, deviam estar previamente de acordo na eleição de um soberano, e aceitaram o sangue de dois ministros impopulares, os quais seu amo, sem vacilar, condenaram aos leões. Estas revoltas furiosas mas passageiras eram estimuladas pelo êxito de Vitalino que, com um exército de hunos e búlgaros, na maioria idólatras, declarou-se campeão da fé católica. Nesta piedosa rebelião despovoou a Trácia, cercou Constantinopla, exterminou 65.000 cristãos até obter o relevo dos bispos, a satisfação do papa, e o estabelecimento do concílio de Calcedônia, um tratado ortodoxo, assinado de má vontade pelo moribundo Anastácio, e executado mais fielmente pelo tio de Justiniano. Tal foi o desenrolar da primeira das guerras religiosas que se travaram em nome e pelos discípulos do Deus da paz.” (Eduardo Gibbon, The Decline and Fall of the Roman Empire, vol. 4, cap. 47, p. 526).APLCDA 272.4

    Cremos ter deixado claro que o contínuo foi tirado em 508. Isso ocorreu como preparatório para o estabelecimento do papado, que foi um evento separado e subsequente, do que a narrativa profética agora nos leva a falar.APLCDA 273.1

    O papado estabelece uma abominação “[...] estabelecendo a abominação desoladora” — Tendo mostrado plenamente o que constituía a remoção do contínuo ou paganismo, agora indagamos: Quando foi estabelecida a abominação desoladora, ou o papado? O chifre pequeno que tinha olhos como os olhos de homem não tardou a ver quando estava preparado o terreno para seu avanço e elevação. Desde o ano 508 seu progresso para a supremacia universal foi sem paralelo.APLCDA 273.2

    Quando Justiniano estava para começar a guerra contra os vândalos, em 533, empresa de não pequena magnitude e dificuldade, desejou assegurar a confiança do bispo de Roma, que havia chegado a uma posição que em sua opinião tinha grande peso em grande parte da cristandade. Justiniano, portanto, se encarregou de decidir a contenda que havia muito existia entre as sedes de Roma e Constantinopla quanto a qual deve ter a precedência. Deu a preferência a Roma em uma carta que dirigiu oficialmente ao papa, declarando, nos termos mais plenos e inequívocos, que o bispo daquela cidade seria a cabeça de todo o corpo eclesiástico do império.APLCDA 273.3

    A carta de Justiniano diz:APLCDA 275.1

    “Justiniano, vencedor, piedoso, afortunado, notável, triunfante, sempre Augusto, a João, o santíssimo arcebispo e patriarca da nobre cidade de Roma.APLCDA 275.2

    “Prestando honra à sede apostólica e a Vossa Santidade, como tem sido sempre e é nosso desejo, e honrando Vossa Beatitude como pai, apressamo-nos a levar ao conhecimento de Vossa Santidade todas as questões relativas ao estado das igrejas, visto que tem sido em todos os tempos nosso grande desejo preservar a unidade de vossa Sede Apostólica e a posição das santas igrejas de Deus, que até agora conquistou e ainda conquista.APLCDA 275.3

    “Portanto, não nos demoramos em sujeitar e unir todos os sacerdotes de todo o oriente à sede de Vossa Santidade. Quaisquer questões em disputa atualmente, temos crido necessário pô-las em conhecimento de Vossa Santidade, por claras e indubitáveis que sejam, mesmo quando firmemente sustentadas e ensinadas por todo o clero de acordo com a doutrina da Vossa Sede Apostólica; mas não podemos admitir que coisa alguma referente ao estado da Igreja, por mais manifesta e inquestionável, no que concerne ao estado das igrejas, deixe de ser dado a conhecer a Vossa Santidade, como cabeça de todas as igrejas. Porque, como já declaramos, ansiamos por aumentar a honra e autoridade de vossa sede em todo respeito.” (Codex Justiniani, lib. 1, tit. 1; tradução por R. F. Littledale, em The Petrine Claims, p. 293).APLCDA 275.4

    “A carta do Imperador deve ter sido enviada antes de 25 de março de 533, pois em sua carta daquela data dirigida a Epifânio, fala ter sido ela já despachada e repete sua decisão de que todos os assuntos tocantes à igreja sejam submetidos ao papa, ‘Cabeça de todos os Bispos e o verdadeiro e eficiente corretor de hereges.APLCDA 275.5

    “No mesmo mês do ano seguinte, 534, o Papa, em sua resposta, repete a linguagem do imperador, aplaudindo sua homenagem à sede e adotando os títulos do mandato imperial. Observa que, entre as virtudes de Justiniano, ‘uma brilha como estrela: sua reverência pela cadeira apostólica, à qual se sujeitou e uniu todas as igrejas, sendo ela verdadeiramente a cabeça de todas, como o atestam as regras dos Pais, as leis dos Príncipes e as declarações da piedade do Imperador.APLCDA 276.1

    “A autenticidade do título recebe uma prova incontestável dos editos encontrados nas ‘Novellae’ do código de Justiniano.APLCDA 276.2

    “O preâmbulo da nona declara que ‘como a Roma mais antiga foi a fundadora das leis, não se deve questionar que nela estava a supremacia do pontificado.’APLCDA 276.3

    “A 131ª, sobre os títulos e privilégios eclesiásticos, capítulo II, declara: ‘Decretamos, portanto, que o santíssimo Papa da Roma mais antiga é o primeiro de todo o sacerdócio, e que o beatíssimo Arcebispo de Constantinopla, a nova Roma, ocupará o segundo lugar após a santa sede apostólica da velha Roma.’” (Jorge Croly, The Apocalypse of St. John, p. 115-116).APLCDA 276.4

    Pelo fim do século VI, João de Constantinopla negou a supremacia romana, e assumiu o título de bispo universal, ao que Gregório, o Grande, indignado com a usurpação, denunciou João e declarou, sem compreender a verdade de sua declaração, que aquele que assumisse o título de bispo universal era o Anticristo. Em 606, Focas suprimiu a pretensão do Bispo de Constantinopla e justificou a do Bispo de Roma. Mas Focas não foi o fundador da supremacia papal.APLCDA 276.5

    “Que Focas reprimiu a pretensão do Bispo de Constantinopla é fora de dúvida. Mas as mais altas autoridades dos civis e analistas de Roma rejeitam a ideia de que Focas foi o fundador da supremacia de Roma. Remontam a Justiniano como a única fonte legítima, e corretamente datam o título no memorável ano 533.” (Idem, p. 117).APLCDA 276.6

    Jorge Croly declara ainda:APLCDA 277.1

    “Com referência a Barônio, a autoridade estabelecida entre os analistas católicos romanos, encontrei todos os detalhes, da concessão de supremacia que Justiniano fez ao papa, formalmente dados. [...] A transação toda foi da espécie mais autêntica e regular e concorda com a importância da transferência.” (Idem, p. 8-9).APLCDA 277.2

    Tais foram as circunstâncias do decreto de Justiniano. Mas as provisões deste decreto não podiam ser efetuadas imediatamente, pois Roma e a Itália estavam em poder dos ostrogodos, que eram de fé ariana, e fortemente se opunham à religião de Justiniano e do Papa. Era, portanto, evidente que os ostrogodos deviam ser desarraigados de Roma antes que o Papa pudesse exercer o poder de que fora investido. Para lograr este objetivo, começou a guerra na Itália em 534. A direção da campanha foi confiada a Belizário. Ao aproximar-se de Roma, várias cidades abandonaram Vitijes, seu soberano godo e herético, e se uniram aos exércitos do Imperador católico. Os godos, decidindo retardar as operações ofensivas até a primavera, permitiram que Belisário entrasse em Roma sem oposição. Os representantes do Papa e do clero, do senado e do povo, convidaram o lugar-tenente de Justiniano a aceitar sua obediência voluntária.APLCDA 277.3

    Belisário entrou em Roma em 10 de dezembro de 536. Mas isso não foi o fim da luta, pois os godos, reuniram suas forças e resolveram disputar a posse da cidade por um cerco regular, que iniciaram em março de 537. Belisário temia o desespero e a traição da parte do povo. Vários senadores e o Papa Silvestre, cuja suspeita de traição foi provada, foram exilados. O Imperador ordenou o clero eleger novo bispo. Após solenemente invocar o Espírito Santo elegeram o diácono Vigilius que, por um suborno de duzentas libras de ouro, havia comprado a honraria. (Ver Eduardo Gibbon, The Decline and Fall of the Roman Empire, vol. 4, cap. 41, p. 168, 169).APLCDA 277.4

    A nação inteira dos ostrogodos se havia reunido para o cerco de Roma, mas o êxito não acompanhou seus esforços. Suas hostes se foram desgastando em frequentes e sangrentos combates sob os muros da cidade. Em um ano e nove dias em que durou o cerco foram suficientes para quase testemunhar a destruição da nação. Em março de 538, como outros perigos começaram a ameaçá-los, eles levantaram o cerco, queimaram suas tendas e se retiraram em tumulto e confusão, em número apenas suficiente para preservar sua existência como nação ou sua identidade como povo.APLCDA 278.1

    Assim o chifre ostrogodo, o último dos três, foi arrancado diante do chifre pequeno de Daniel 7. Já não havia nada para impedir o Papa de exercer o poder a ele confiado por Justiniano cinco anos antes. Os santos, os tempos e a lei estavam em suas mãos, de fato e na intenção. O ano 538 deve ser tomado, pois, como o ano em que foi colocada ou estabelecida “a abominação desoladora”, e como o ponto de partida dos 1260 anos de supremacia papal.APLCDA 278.2

    Versículo 32: Aos violadores da aliança, ele, com lisonjas, perverterá, mas o povo que conhece ao seu Deus se tornará forte e ativo.APLCDA 278.3

    “O povo que conhece ao seu Deus” — Os que abandonam o livro da aliança, as Santas Escrituras, que estimam mais os decretos de papas e as decisões de concílios do que a Palavra de Deus, a estes, o Papa, perverterá com lisonjas. Ou seja, os conduzirá em seu zelo partidário para com ele, pela concessão de riquezas, posição e honras.APLCDA 278.4

    Ao mesmo tempo haverá um povo que conhece ao seu Deus que serão fortes e farão proezas. São os que cristãos que conservaram a religião pura e viva na Terra durante os séculos obscuros da tirania papal e realizaram admiráveis atos de abnegação e heroísmo religioso em favor de sua fé. Dentre estes se destacam os valdenses, os albigenses, e os huguenotes.APLCDA 278.5

    Versículo 33: Os sábios entre o povo ensinarão a muitos; todavia, cairão pela espada e pelo fogo, pelo cativeiro e pelo roubo, por algum tempo.APLCDA 279.1

    Aqui se apresenta o longo período de perseguição papal contra os que lutavam para manter a verdade e instruir seus semelhantes nos caminhos da justiça. O número dos dias durante os quais haveriam de cair é dado em Daniel 7:25; 12:7; Apocalipse 12:6, 14; 13:5. O período é chamado “um tempo, tempos e metade de um tempo”, ou “mil duzentos e sessenta dias”, e “quarenta e dois meses.” São os 1.260 anos da supremacia papal.APLCDA 279.2

    Versículo 34: Ao caírem eles, serão ajudados com pequeno socorro; mas muitos se ajuntarão a eles com lisonjas.APLCDA 279.3

    Em Apocalipse 12, onde se fala desta mesma perseguição papal, lemos que a Terra ajudou a mulher abrindo a boca e engolindo o rio que o dragão lançou após ela. A Reforma protestante de Martinho Lutero e seus colaboradores proporcionou o auxílio aqui predito. Os estados alemães abraçaram a causa protestante, protegeram os reformadores e refrearam as perseguições levada avante pela Igreja papal. Mas quando os protestantes receberam ajudada e sua causa chegou a ser popular, muitos se ajuntariam “a eles com lisonjas” ou abraçariam, ou seja abraçariam sua fé por motivos insinceros.APLCDA 279.4

    Versículo 35: Alguns dos sábios cairão para serem provados, purificados e embranquecidos, até ao tempo do fim, porque se dará ainda no tempo determinado.APLCDA 279.5

    Embora restringido, o espírito de perseguição não foi destruído. Irrompeu onde quer que houvesse oportunidade. Isso aconteceu especialmente na Inglaterra. A condição religiosa desse reino estava flutuando. Às vezes sob a jurisdição protestante e às vezes sob a jurisdição papal, de acordo com a religião do monarca reinante. A “sanguinária rainha Maria” era inimiga mortal da causa protestante, e multidões caíram vítimas de suas implacáveis perseguições. Esta situação duraria mais ou menos até o “tempo determinado”, ou tempo do fim, segundo outras versões. A conclusão natural seria que quando o tempo do fim chegasse, a Igreja Católica perderia completamente o poder de punir os hereges, que tinha causado tantas perseguições, e que por algum tempo fora contido. Pareceria igualmente evidente que esta supressão da supremacia papal assinalaria o início do período aqui chamado o tempo do fim. Se esta aplicação é correta, o tempo do fim começou em 1798, pois então, como já se observou, o papado foi derribado pelos franceses, e não pôde desde então exercer todo o poder que antes possuía. A opressão da Igreja pelo papado é evidentemente aqui referido, porque essa é a única passagem, com a possível exceção de Apocalipse 2:10, que indica um “tempo apontado”, ou seja, um período profético.APLCDA 279.6

    Versículo 36: Este rei fará segundo a sua vontade, e se levantará, e se engrandecerá sobre todo deus; contra o Deus dos deuses falará coisas incríveis e será próspero, até que se cumpra a indignação; porque aquilo que está determinado será feito.APLCDA 280.1

    Um rei se engrandece sobre todo deus — O rei aqui apresentado não pode significar o mesmo poder que viemos observando, a saber, o poder papal, porque as especificações não correspondem nem se aplicam a tal poder.APLCDA 280.2

    Tome-se, por exemplo, uma declaração no versículo seguinte: “Não terá respeito aos deuses de seus pais [...] nem a qualquer deus.” Isso nunca se aplicou ao papado. Este sistema religioso nunca deixou de lado nem rejeitou a Deus e Cristo, embora muitas vezes colocados numa falsa posição.APLCDA 280.3

    Três características devem notar-se na potência que cumpre esta profecia: Deve assumir a caráter aqui delineado perto do início do tempo do fim, ao qual fomos levados no versículo anterior. Deve ser um poder vitorioso. Deve ser um poder ateu. Talvez poderíamos unir estas duas últimas especificações, dizendo-se que sua voluntariedade seria na direção do ateísmo.APLCDA 280.4

    França cumpre a profecia — Uma revolução que corresponde exatamente a esta descrição ocorreu na França no tempo indicado pela profecia. Os ateus semearam as sementes que produziram abundantes frutos. Voltaire, em sua pomposa mas impotente presunção, dissera: “Estou cansado de ouvir repetirem que doze homens fundaram a religião cristã. Eu provarei que basta um homem para destruí-la.” Associando-se a homens como Rousseau, D’Alembert, Diderot e outros, ele empreendeu a realização de sua ameaça. Semearam ventos e colheram tempestades. Ademais, a igreja católica romana era notoriamente corrompida nessa época, e o povo anelava romper com o jugo da opressão eclesiástica. Seus esforços culminaram no “reinado do terror” de 1793, durante a qual a França desprezou a Bíblia e negou a existência de Deus.APLCDA 281.1

    Um historiador moderno assim descreve esta grande mudança religiosa:APLCDA 281.2

    “Certos membros da Convenção tinham sido os primeiros que tentaram substituir nas províncias o culto cristão por uma cerimônia cívica, no outono de 1793. Em Abbeville, Dumont, tendo declarado ao populacho que os sacerdotes eram ‘arlequins e palhaços vestidos de preto, que mostravam marionetes’, estabeleceu o Culto da Razão, e com uma notável falta de espírito consequente, organizou por sua conta um ‘espetáculo de marionetes’ dos mais imponentes, com bailes na catedral e festas cívicas em cuja observância insistia muito. Fouché foi o próximo funcionário que aboliu o culto cristão. Ao falar do púlpito da catedral de Nevers, apagou formalmente todo espiritualismo do programa da república, promulgou a famosa ordem que declarava ‘a morte um sono eterno’, eliminando assim o céu e o inferno. [...] Em seu discurso de felicitações ao ex-bispo, o presidente declarou que como o Ser Supremo ‘não desejava outro culto a não ser o da Razão, este constituiria no futuro a religião nacional.’” (Luis Madelin, The French Revolution, p. 387, 388).APLCDA 281.3

    Mas há outras e ainda mais notáveis especificações que se cumpriram nessa potência.APLCDA 283.1

    Versículo 37: Não terá respeito aos deuses de seus pais, nem ao desejo de mulheres, nem a qualquer deus, porque sobre tudo se engrandecerá.APLCDA 283.2

    A palavra hebraica para mulher é também traduzida por esposa; e Tomás Newton observa que esta passagem seria melhor traduzido como “o desejo das esposas”. (Dissertations of the Prophecies, vol. 1, p. 388-390). Isto parecia indicar que este governo, ao mesmo tempo que declarava que Deus não existia, pisava a pés a lei que Deus dera para reger a instituição matrimonial. E encontramos que o historiador, talvez inconscientemente, e nesse caso tanto mais significativo, uniu o ateísmo e a licenciosidade desse governo na mesma ordem em que são apresentados na profecia. Diz ele:APLCDA 283.3

    “A família tinha sido destruída. Sob o antigo regime, ela fora o próprio fundamento da sociedade. [...] O decreto de 20 de setembro de 1792, estabelecendo o divórcio, foi levado mais além pela Convenção em 1794, deu antes de quatro anos frutos que a própria Legislatura não havia sequer sonhado: podia realizar-se um divórcio imediato por incompatibilidade de gênio, para entrar em vigor num ano o mais tardar, se qualquer dos membros do casal se negasse a separar-se do outro antes de vencido o prazo.APLCDA 283.4

    “Houve uma avalanche de divórcios: a fins de 1793, ou seja, quinze meses depois de promulgado o decreto, tinham sido concedidos 5.994 divórcios em Paris. [...] Sob o Diretório, vemos as mulheres passarem de uma para outra mão por processo legal. Qual a sorte dos filhos que nasciam de tais uniões sucessivas? Alguns pais se livravam deles: o número de menores abandonados achados em Paris no quinto ano elevou-se a 4.000 e a 44.000 nas outras províncias. Quando os pais retinham seus filhos o resultado era uma confusão cômica. Um homem casava com várias irmãs, uma após a outra; um cidadão pediu aos Quinhentos a permissão para casar com a mãe das duas esposas que já tivera . [...] A família se desintegrava.” (Luis Madelin, The French Revolution, p. 552, 553).APLCDA 283.5

    “Nem consideração a qualquer Deus” — Além do testemunho já apresentado para mostrar o total ateísmo que reinava na nação nesse tempo, deve-se leia-se o seguinte:APLCDA 284.1

    “O bispo constitucional de Paris foi compelido a desempenhar o papel principal na farsa mais impudente e escandalosa que já fora exibido perante uma representação nacional. [...] Em plena procissão, foi levado a declarar que a religião que ele próprio tinha ensinado por tantos anos era, em todos os aspectos, obra do sacerdócio, que não tinha fundamento na história nem verdade histórica. Negou, em termos solenes e explícitos a existência da Divindade a cujo culto tinha sido consagrado, e se comprometeu no futuro a prestar homenagem à liberdade, igualdade, virtude e moralidade. Em seguida pôs na mesa seus adornos episcopais e recebeu o abraço fraternal do presidente da Convenção. Vários sacerdotes apóstatas seguiram o exemplo desse prelado.” (Sir Walter Scott, The Life of Napoleon Buonaparte, vol. 1, p. 239).APLCDA 284.2

    “Herbert Chaumette e seus associados compareceram ao tribunal e declararam que ‘Deus não existe’.” (Archibald Alison, History of Europe, Vol. 3, p. 22).APLCDA 284.3

    Foi dito que o temor de Deus distava tanto de ser o princípio da sabedoria que era o começo da loucura. Todo culto foi proibido, exceto o da liberdade e da pátria. O ouro e de prata das igrejas foram confiscados e profanados. As igrejas foram fechadas. Os sinos foram quebrados e fundidos para fazer canhões. A Bíblia foi publicamente queimada. Os vasos sacramentais foram exibidos pelas ruas sobre um burro, em sinal de desprezo. Estabeleceu-se um ciclo de dez dias, em vez da semana e a morte foi declarada, em letras garrafais, sobre as sepulturas, como um sono eterno. Mas a blasfêmia culminante, se estas orgias infernais admitem graduação, foi a representação do comediante Monvel, que, como sacerdote do Iluminismo, disse: “Deus, se existes, vinga Teu injuriado nome. Eu Te desafio! Ficas silencioso. Não ousas lançar Teus trovões! Quem, após isso, crerá em Tua existência?’” (Idem, p. 24).APLCDA 284.4

    Eis o que é o homem quando entregue a si mesmo! Tal é a incredulidade quando se livra das restrições da lei e ela exerce o poder! Pode-se duvidar de que estas cenas são o que o Onisciente previu e anotou na página sagrada, quando indicou que um rei surgiria que se exaltaria sobre todo deus, e desconsideraria todos eles?APLCDA 285.1

    Versículo 38: Mas, em lugar dos deuses, honrará o deus das fortalezas; a um deus que seus pais não conheceram, honrará com ouro, com prata, com pedras preciosas e coisas agradáveis.APLCDA 285.2

    Encontramos uma aparente contradição neste versículo. Como pode uma nação desconsiderar tudo o que é Deus e contudo honrar o deus das fortalezas? Não poderia ao mesmo tempo manter ambas estas posições, mas poderia por um tempo desconsiderar todos os deuses e então em seguida introduzir outro culto e considerar o deus das forças. Ocorreu naquele tempo tal mudança na França? Certamente. A tentativa de tornar a França uma nação sem Deus produziu tal anarquia que os governantes temiam o poder lhes escapasse das mãos, e perceberam que era politicamente necessário introduzir alguma espécie de culto. Mas não queriam introduzir nenhum movimento que aumentasse a devoção ou desenvolvesse algum caráter espiritual verdadeiro entre o povo, mas só o que os mantivesse no poder e lhes desse controle das forças nacionais.APLCDA 285.3

    Alguns extratos da história mostrarão isso. A liberdade e a pátria foram a princípio os objetos de adoração. “Liberdade, igualdade, virtude e moral idade”, precisamente o contrário de qualquer coisa que eles possuíam de fato ou exibiam na prática, eram palavras que eles expunham como descrevendo a divindade da nação. Em 1793 o culto à Deusa da Razão foi introduzido e assim é descrito por um historiador:APLCDA 285.4

    “Uma das cerimônias desse tempo insensato é sem igual pelo absurdo combinado com a impiedade. As portas da Convenção foram abertas a uma banda de música, precedida pelo Corpo Municipal que entrou em solene procissão, cantando um hino em louvor à liberdade e escoltando, como objeto de sua futura adoração, uma mulher com véu, que eles chamavam a Deusa da Razão. Sendo introduzida no tribunal, foi-lhe tirado o véu com toda formalidade, e foi colocada à direita do presidente, quando foi reconhecida como dançarina da Ópera, com cujos encantos a maioria das pessoas presentes estava familiarizada em virtude de seu aparecimento no palco [...] A essa pessoa, como a mais apta representante daquela Razão que eles adoravam, a Convenção Nacional da França prestou homenagem pública. Essa ímpia e ridícula encenação tinha certa moda e a instalação da Deusa da Razão foi renovada e imitada em toda a nação, em lugares onde os habitantes desejavam mostrar-se à altura da Revolução.” (Sir Walter Scott, The Life of Napoleon Buonaparte, vol. 1, p. 239, 240).APLCDA 286.1

    O historiador moderno, Luis Madelin, escreve:APLCDA 286.2

    “Tendo-se suspenso a Assembleia de seus negócios, uma procissão (de mista descrição) acompanhou a deusa às Tullerías, e obrigou os deputados a decretar em sua presença a transformação de Nossa Senhora em Templo da Razão. Como isto não foi considerado suficiente, outra deusa da razão, a esposa de Momoro, membro da Convenção, foi instalada em San Suplicio no seguinte decadí. Desde muito estas Liberdades e Razões pululavam em toda a França. Com muita frequência, eram mulheres licenciosas, embora havia uma ou outra deusa vinda de boa família e conduta decente. Se for verdade que as frontes de alguma destas Liberdades foram cingidas com uma cinta que portava a inscrição: ‘Não me troqueis por Licença’, podemos dizer que dificilmente era supérflua a indicação em qualquer parte da França; porque geralmente reinavam as orgias mais repugnantes. Diz-se que em Lyon se fez um asno beber num cálice. [...] Payán chorou sobre ‘estas deusas, mais degradadas que as da fábula.’” (Luis Madelin, The French Revolution, p. 389)APLCDA 286.3

    Enquanto o fantástico culto da razão pareceu enlouquecer a nação, os dirigentes da revolução passaram para a história como “os ateus”. Mas não demorou em notar-se que para frear o povo era preciso uma religião com sanções mais fortes que as que possuía a então em voga. Apareceu, portanto, uma forma de culto em que o “Ser Supremo” era objeto de adoração. Era igualmente vazio quanto a produzir reformas na vida e piedade vital, mas se apoiava no sobrenatural. E embora a deusa da Razão foi na verdade um “deus estranho”, a declaração relativa ao “deus das fortalezas” pode talvez referir-se mais apropriadamente a esta última frase.APLCDA 287.1

    Versículo 39: Com o auxílio de um deus estranho, agirá contra as poderosas fortalezas, e aos que o reconhecerem, multiplicar-lhes-á a honra, e fá-los-á reinar sobre muitos, e lhes repartirá a terra por prêmio.APLCDA 287.2

    O sistema de paganismo que tinha sido introduzido na França, como exemplificado no ídolo instituído na pessoa da Deusa da Razão, e regido por um ritual pagão ateu pela Assembleia Nacional para o uso do povo francês, continuou em vigor até a designação de Napoleão para o consulado provisório da França em 1799. Os adeptos dessa estranha religião ocuparam os lugares fortificados, as fortalezas da nação, como expresso neste versículo.APLCDA 287.3

    Mas o que permite identificar a aplicação desta profecia à França, talvez melhor que qualquer outro detalhe, é a declaração da última parte do versículo, a saber, “repartirá a terra por prêmio”. Antes da Revolução, as terras da França pertenciam à Igreja Católica e a uns poucos senhores da nobreza. Essas grandes propriedades, por lei deviam ficar indivisas e não podiam ser repartidas nem por herdeiros nem por credores. Mas as revoluções não conhecem lei, e durante a anarquia que reinou, como também se notará em Apocalipse 11, os títulos da nobreza foram abolidos e suas terras foram vendidas em pequenas parcelas em benefício do erário público. O governo necessitava de fundos e essas grandes propriedades foram confiscadas e vendidas em leilão público, divididas em parcelas convenientes aos compradores. O historiador assim relata esta singular transação:APLCDA 287.4

    “O confisco de dois terços das terras do reino, ordenado pelos decretos da Convenção contra os emigrantes, o clero e as pessoas acusadas nos tribunais revolucionários [...] pôs à disposição do governo fundos superiores a 700 milhões de libras esterlinas.” (Archibald Alison, History of Europe, Vol. 3, p. 25, 26).APLCDA 288.1

    Quando e em que país ocorreu um acontecimento que cumprisse mais absolutamente a profecia? Quando a nação começou a voltar a si, exigiu-se uma religião mais racional e se aboliu o ritual pagão. O historiador descreve esse evento, que não deixou de ter importantes repercussões:APLCDA 288.2

    “Uma terceira e mais ousada medida foi o abandono do ritual pagão e a reabertura das igrejas para o culto cristão. Isso se deveu inteiramente a Napoleão, que teve de opor-se aos preconceitos filosóficos de quase todos os seus colegas. Em suas conversações com eles, não procurou apresentar-se como crente no cristianismo, mas se baseou unicamente na necessidade de prover para o povo os meios regulares de culto onde quer que se deseje um estado de tranquilidade. Os sacerdotes que aceitaram prestar o juramento de fidelidade ao governo foram readmitidos em suas funções. Esta sábia medida foi seguida pela adesão de não menos que vinte mil desses ministros da religião que até então haviam estado enlanguescendo nas prisões da França.” (John Gibson Lockhart, The History of Napoleon Buonaparte, vol. 1, p. 154).APLCDA 288.3

    Assim terminou o Reinado do Terror e a Revolução Francesa. De suas ruínas surgiu Bonaparte, para guiar o tumulto a sua própria elevação, para colocar-se à testa do governo francês e encher de terror o coração das nações.APLCDA 289.1

    Versículo 40: No tempo do fim, o rei do Sul lutará com ele, e o rei do Norte arremeterá contra ele com carros, cavaleiros e com muitos navios, e entrará nas suas terras, e as inundará, e passará.APLCDA 289.2

    Novo conflito entre os reis do sul e do norte — Após longo intervalo o rei do sul e o rei do norte voltam a aparecer no cenário da ação. Até aqui nada encontramos a indicar que devamos procurar em outros territórios essas potências senão as que, pouco depois da morte de Alexandre, constituíram respectivamente as divisões setentrional e meridional de seu império. O rei do sul era nesse tempo o Egito e o rei do norte era a Síria, incluindo a Trácia e a Ásia Menor. O Egito continuou regendo o território designado como pertencente ao rei do sul; e Turquia durante mais de quatrocentos anos governou o território que constituiu a princípio o domínio do reino do norte.APLCDA 289.3

    Esta aplicação da profecia evoca um conflito entre o Egito e a França, e entre a Turquia e a França, em 1798, ou seja, o ano que, como já vimos, assinalou o início do tempo do fim. Se a história testifica que tal guerra triangular irrompeu naquele ano, será prova conclusiva da correção da aplicação.APLCDA 289.4

    Portanto, indagamos: É fato que no tempo do fim o Egito enfrentou a França e fez uma resistência comparativamente fraca, enquanto a Turquia veio como um furacão contra ele, isto é contra o enviado da França? Já fornecemos certas provas de que o tempo do fim começou em 1798. Nenhum leitor da história precisa ser informado de que naquele mesmo ano se chegou a um estado de hostilidade entre França e Egito.APLCDA 289.5

    O historiador formará sua própria opinião sobre até que ponto a origem do conflito deveu sua origem aos sonhos de glória delirantemente acariciados no ambicioso cérebro de Napoleão Bonaparte. Mas a França, ou pelo menos Napoleão, conseguiram fazer do Egito o agressor.APLCDA 290.1

    “Numa proclamação habilmente redigida ele [Napoleão] assegurou aos povos do Egito que tinha vindo somente para punir a casta governante dos mamelucos pelas depredações que infligiram a certos comerciantes franceses; que, após querer destruir a religião muçulmana, tinha mais respeito a Deus, Maomé e o Alcorão do que os mamelucos; que os franceses tinham destruído o Papa e os Cavaleiros de Malta que empreendiam guerra aos muçulmanos; três vezes bem-aventurado seria, pois, quem fosse a favor dos franceses, bem-aventurados seriam ainda os que permanecessem neutros e três vezes desgraçados seriam os que lutassem contra eles.” (The Cambridge Modern History, vol. 8, p. 599).APLCDA 290.2

    O início do ano 1798 encontrou os franceses elaborando grandes projetos contra os ingleses. O Diretório desejava que Bonaparte empreendesse imediatamente a passagem do canal e atacasse a Inglaterra; mas ele viu que nenhuma operação direta dessa espécie podia ser judiciosamente empreendida antes do outono, e não estava disposto a arriscar sua crescente reputação passando o verão inativo. “Mas”, diz o historiador, “ele viu uma terra distante, onde poderia conquistar uma glória lhe daria novo encanto aos olhos de seus compatriotas pela atmosfera romântica e misteriosa que envolvia o cenário. O Egito, a terra dos Faraós e dos Ptolomeus, seria um nobre campo para obter novos triunfos.” (Rev. James White, History of France, p. 469).APLCDA 290.3

    Enquanto Napoleão contemplava horizontes ainda mais amplos nos países históricos do Oriente, abrangendo não só o Egito, mas a Síria, a Pérsia, o Hindostão e até o próprio Ganges, não teve dificuldade em persuadir o Diretório de que o Egito era o ponto vulnerável de onde ferir a Inglaterra ao interceptar o seu comércio oriental. Daí, sob o pretexto já mencionado foi empreendida a campanha do Egito.APLCDA 290.4

    A queda do papado, que assinalou o término dos 1260 anos, e, de acordo com o versículo 35, marcou o começo do tempo do fim, ocorreu em fevereiro de 1798, quando Roma caiu nas mãos do general da França Berthier. No dia 15 de março seguinte, Bonaparte recebeu o decreto do Diretório acerca da expedição contra o Egito. Partiu de Paris em 3 de maio e zarpou de Toulon no dia 19, com grande armamento naval, que consistia de “treze navios de linha, quatorze fragatas, grande número de navios de guerra menores, e por volta de 300 transportes. À bordo iam mais de 35.000 soldados, juntamente com 1.230 cavalos. Incluindo-se a tripulação, a comissão de sábios enviada para explorar as maravilhas do Egito, e os assistentes, o total de pessoas à bordo era de umas 50.000; e já foi feito subir até 54.000.” (The Cambridge Modern History, vol. 8, p. 597, 598)APLCDA 291.1

    Em 2 de julho, a Alexandria foi tomada e imediatamente fortificada. No dia 21 se travou a decisiva batalha das Pirâmides, em que os mamelucos defenderam o campo com coragem e desespero, mas não foram páreo para as disciplinadas legiões dos franceses. Murad Bey perdeu todos os seus canhões, 400 camelos e 3.000 homens. A perda dos franceses foi comparativamente poucas. No dia 25, Bonaparte entrou no Cairo, a capital do Egito, e só esperou baixarem as enchentes do Nilo para perseguirem Murad Bey até o Alto Egito, para onde ele se retirara com sua cavalaria dispersa; e assim conquistou todo o país. Na verdade, o rei do sul só pôde oferecer uma fraca resistência.APLCDA 291.2

    Entretanto, a situação de Napoleão tornou-se precária. A frota francesa, que era seu único meio de comunicação com a França, foi destruída pelos ingleses sob o comando de Nelson em Abuquir. No dia 11 de setembro de 1798 o sultão da Turquia, por sentimentos de ciúme contra a França, astuciosamente alimentado pelos embaixadores ingleses em Constantinopla, e exasperado de que o Egito, por tanto tempo em semi-dependência do Império Otomano, se transformasse em província francesa, declarou guerra à França. Assim o rei do norte (Turquia) veio contra ele (França) no mesmo ano que o rei do sul (Egito) avançou contra ele, e ambos “no tempo do fim”. Esta é outra prova conclusiva de que o ano 1798 é o que inicia esse período, e tudo isso é uma demonstração de que esta aplicação da profecia é correta. Seria impossível que ao mesmo tempo se realizassem tantos eventos que satisfazem com precisão as especificações da profecia a não ser o seu cumprimento.APLCDA 291.3

    Foi a vinda do rei do norte, ou Turquia, como um furacão em comparação com a resistência do Egito? Napoleão tinha esmagado os exércitos do Egito, e buscou fazer o mesmo com os exércitos do sultão, que estavam ameaçando atacar desde a Ásia. Em 27 de fevereiro de 1799, com 18.000 homens, começou sua marcha do Cairo à Síria. Primeiro tomou o forte de El-Arish, no deserto, depois Jaffa (a Jope da Bíblia), venceu os habitantes de Naplous, em Zeta, e foi novamente vitorioso em Jafé. Enquanto isso um exército de turcos se entrincheirou em São João de Acre, ao passo que enxames de muçulmanos reuniam-se nas montanhas de Samaria, prontos para cair sobre os franceses quando cercassem São João de Acre. Ao mesmo tempo Sir Sidney Smith apareceu diante da cidade com dois navios ingleses, reforçou a guarnição turca daquele lugar e capturou o aparato para o cerco, que Napoleão mandara de Alexandria por mar. Logo surgiu no horizonte uma frota turca que, com os navios ingleses e russos que cooperavam com eles, constituíram os “muitos navios” do rei do norte.APLCDA 293.1

    No dia 18 de março começou o cerco. Napoleão foi chamado duas vezes para salvar algumas divisões francesas de cair em mão das hordas muçulmanas que inundavam o país. Duas vezes também foi feita uma brecha no muro da cidade, mas os sitiadores foram enfrentados com tal fúria pela guarnição que foram obrigados a desistir da luta, apesar de seus melhores esforços. Após um prosseguimento de sessenta dias, Napoleão levantou o cerco, fez soar, pela primeira vez em sua carreira, o toque de retirada. Em 21 de maio de 1799, começou a voltar seus passos para o Egito.APLCDA 293.2

    “E as inundará e passará” — Temos falado de eventos que proporcionam surpreendente cumprimento com respeito ao rei do sul e o ataque tormentoso do rei do norte contra a França. Até aqui a história concorda de modo geral com a profecia. Mas chegamos a um ponto em que as opiniões dos comentadores começam a divergir. A quem se referem as palavras “inundará e passará”? À França ou ao rei do norte? A aplicação do restante deste capítulo depende da resposta que dermos esta pergunta. A partir deste ponto são mantidas duas linha de interpretação. Alguns aplicam as palavras à França e se esforçam por achar cumprimento na carreira de Napoleão. Outros as aplicam ao rei do norte, e encontram seu cumprimento nos eventos na história da Turquia. Se nenhuma destas interpretações está livre de dificuldade, como é forçoso admitir, só nos resta escolher a que oferece maior evidência a seu favor.APLCDA 294.1

    Parece-nos que há a favor de uma delas evidências tão fortes que excluem todas a outra sem deixar qualquer lugar para dúvida.APLCDA 294.2

    Turquia vem a ser o rei do norte — Acerca da aplicação desta parte da profecia a Napoleão ou a França sob sua direção, o quanto sabemos de sua história, não encontramos eventos que possamos apresentar com qualquer grau de certeza como cumprimento da parte restante desse capítulo. Daí que não podemos ver como se possa aplicar a ela. Deve, então, ser cumprida pela Turquia, a menos que se possa mostrar que a expressão “rei do norte” não se aplica à Turquia, ou que há além da França ou do rei do norte outra potência que cumpriu esta parte da predição. Mas se a Turquia, agora ocupando o território que constituiu a divisão setentrional do império de Alexandre, não é o rei do norte desta profecia, então ficamos sem qualquer princípio para nos guiar na interpretação. Presumimos que todos concordarão que não há lugar para introduzir outro poder aqui. A França e o rei do norte são os únicos a quem se pode aplicar a predição. O cumprimento deve encontrar-se na história de uma ou outra potência.APLCDA 294.3

    Algumas considerações certamente favorecem a ideia de que na última parte do versículo 40 o objeto da profecia se transfere da potência francesa para o rei do norte. Este acaba de ser introduzido, surgindo como um furacão, com carros, cavalos e muitos navios. Já notamos a colisão entre este poder e a França. O rei do norte, com a ajuda de seus aliados, ganhou a contenda; e os franceses, falhos em seus esforços, foram repelidos para o Egito. O mais natural é aplicar a expressão “e as inundará, e passará” à potência que saiu vencedora daquela luta, a saber a Turquia.APLCDA 295.1

    Versículo 41: Entrará também na terra gloriosa, e muitos sucumbirão, mas do seu poder escaparão estes: Edom, e Moabe, e as primícias dos filhos de Amom.APLCDA 295.2

    Abandonando uma campanha em que um terço do exército caíram vítimas de guerra e de peste, os franceses retiraram-se de São João de Acre e após fatigante marcha de 26 dias reentraram no Cairo, no Egito. Assim abandonaram todas as conquistas que haviam feito na Judeia. A “terra gloriosa”, ou seja a Palestina, com todas as suas províncias, voltou a cair no opressivo domínio dos turcos. Edom, Moabe e Arnom, situados fora dos limites da Palestina, ao sul e a leste do mar Morto e do Jordão, ficaram fora da linha de marcha dos turcos da Síria ao Egito, e assim escaparam dos saques dessa campanha. Acerca desta passagem, Adam Clarke tem a seguinte nota: “Estes e outros árabes, eles (os turcos) não puderam subjugar. Ainda ocupam os desertos e recebem uma pensão anual de quarenta mil coroas de ouro dos imperadores otomanos para permitir que as caravanas de peregrinos a Meca tenham passagem livre.”APLCDA 295.3

    Verso 42: Estenderá a mão também contra as terras, e a terra do Egito não escapará.APLCDA 296.1

    Na retirada dos franceses para o Egito urna frota turca desembarcou 18.000 homens em Abuquir. Napoleão imediatamente atacou o lugar, desalojando completamente os turcos e restabeleceu sua autoridade no Egito. Mas nesse momento severos revezes das armas francesas na Europa fizeram Napoleão voltar, para cuidar os interesses do seu país. Deixou o general Kleber no comando das tropas no Egito. Após um período de incansável atividade em favor do exército, foi assassinado por um turco no Cairo, e Abdala Menou assumiu o comando; mas toda perda foi séria para um exército que não podia receber reforços.APLCDA 296.2

    Enquanto isso, o governo inglês, como aliado natural dos turcos, tinha resolvido tomar o Egito dos franceses. Em 13 de março de 1801, uma esquadra inglesa desembarcou tropas em Abuquir. Os franceses batalharam no dia seguinte, mas foram forçados a retirar-se. No dia 18 Abuquir rendeu-se. No dia 28, chegaram reforços trazidos por uma frota turca e o grão-vizir aproximou-se desde a Síria com um grande exército. No dia 19, Rosetta entregou-se às forças combinadas dos ingleses e turcos. Em Ramanieh um corpo francês de 4.000 homens foi derrotado por 8.000 ingleses e 6.000 turcos. Em Elmenayer 5.000 franceses foram obrigados a retirar-se, no dia 16 de maio, porque o vizir avançava para o Cairo com 20.000 homens. Todo o exército francês ficou então encerrado no Cairo e em Alexandria. O Cairo capitulou em 27 de junho e Alexandria em 2 de setembro. Quatro semanas depois, em 1° de outubro, as preliminares da paz foram assinadas em Londres.APLCDA 296.3

    “A terra do Egito não escapará”, eram as palavras da profecia. Esta linguagem parece implicar que o Egito seria posto em sujeição a algum poder de cujo domínio desejaria libertar-se. Qual era a preferência dos egípcios entre os franceses e os turcos? Eles preferiram o governo francês. Na obra de R. R. Madden, sobre viagens pela Turquia, Egito, Núbia, e Palestina nos anos de 1824 a 1827, afirma-se que os egípcios consideravam os franceses como seus benfeitores; que, no curto período que passaram no Egito, deixaram traços de melhoramento; e que, se pudessem ter estabelecido seu domínio, o Egito agora seria comparativamente civilizado. (Ricardo Roberto Madden, Travels in Turkey, Egypt, Nubia, and Palestine, vol. 1, p. 231). Em vista deste testemunho, é claro que a linguagem da Escritura não se aplica a França, pois os egípcios não desejavam escapar-lhes das mãos, embora desejassem escapar das mãos dos turcos, mas não puderam.APLCDA 297.1

    Versículo 43: Apoderar-se-á dos tesouros de ouro e de prata e de todas as coisas preciosas do Egito; os líbios e os etíopes o seguirão.APLCDA 297.2

    Como ilustração deste versículo, citamos uma declaração do historiador acerca de Maomé Ali, o governador turco do Egito, que assumiu o poder após a derrota dos franceses.APLCDA 297.3

    “O novo paxá dedicou-se a fortalecer sua posição para assegurar-se de modo permanente o governo do Egito para si e sua família. Em primeiro lugar, viu que devia cobrar enormes rendas de seus súditos para mandar tais quantidades de tributo a Constantinopla que propiciassem ao sultão e o convencessem de que convinha apoiar o poder do governador do Egito. Agindo segundo estes princípios, usou muitos meios ilícitos para entrar na posse de grandes propriedades; negou a legitimidade de muitas sucessões; queimou títulos de propriedade e confiscou fundos; enfim, desafiou os direitos reconhecidos dos proprietários. Seguiram-se grandes distúrbios, mas Mehemet Ali estava preparado para eles, e por sua pertinácia firmeza creu na aparência de que a simples apresentação de direitos era uma agressão da parte dos xeques. Aumentou os impostos continuamente e pôs sua cobrança em mãos dos governantes militares. Por estes meios empobreceu os camponeses ao máximo.” (Clara Erskine Clement, Egypt, p. 389, 390).APLCDA 297.4

    Versículo 44: Mas, pelos rumores do Oriente e do Norte, será perturbado e sairá com grande furor, para destruir e exterminar a muitos.APLCDA 298.1

    O rei do norte em dificuldade — Sobre este versículo Adam Clarke tem uma nota digna de menção. Diz ele: “Reconhece-se geralmente que esta parte da profecia ainda não se cumpriu.” Esta nota foi impressa em 1825. Em outra parte do seu comentário ele diz: “Se for entendido que se trata da Turquia, como nos versículos anteriores, pode significar que os persas no oriente, e os russos ao norte, porão naquele momento o governo otomano em situação muito embaraçosa.”APLCDA 298.2

    Entre esta conjectura de Adam Clarke, escrita em 1825, e a guerra da Crimeia de 1853-1856, há certamente uma notável coincidência, ao porque os próprios poderes que ele menciona, os persas no oriente e os russos ao norte, foram os que instigaram esse conflito. As notícias que chegaram daquelas potências perturbaram a Turquia. A atitude e os movimentos dela incitaram o sultão à ira e vingança. A Rússia, por ser a parte mais agressiva, foi o objeto de ataque. A Turquia declarou guerra ao seu poderoso vizinho do norte em 1853. O mundo viu com espanto como se precipitava impetuosamente o conflito um governo que por muito tempo fora chamado “o Homem Doente do Oriente”, um governo cujo exército estava desmoralizado, cujos tesouraria estava vazia, cujos dirigentes eram vis e imbecis e cujos súditos eram rebeldes e ameaçavam separar-se. A profecia dizia que eles sairiam “com grande furor, para destruir e exterminar a muitos”. Quando os turcos saíram à guerra mencionada, foram descritos por um escritor americano em linguagem profana, “lutando como demônios”. É certo que a Inglaterra e a França, foram em auxílio da Turquia, mas esta entrou na guerra da maneira descrita e ganhou importantes vitórias antes de receber a assistência das duas potências nomeadas.APLCDA 298.3

    Versículo 45: E armará as tendas do seu palácio entre o mar grande e o monte santo e glorioso; mas virá ao seu fim, e não haverá quem o socorra. (Almeida RC)APLCDA 299.1

    O rei do norte chega ao fim — Seguimos a profecia de Daniel 11 passo a passo até este último versículo. Ao ver como as profecias divinas encontram seu cumprimento na história, nossa fé se fortalece na realização final da palavra profética de Deus.APLCDA 299.2

    A profecia do verso 45 refere-se à potência chamada rei do norte. É a potência que domina o território possuído originalmente pelo rei do norte. (Ver as p. 188, 189).APLCDA 299.3

    Prediz-se aqui que o rei do norte “virá ao seu fim, e não haverá quem o socorra.” Exatamente como, quando e onde virá ao seu fim, é algo que podemos observar com solene interesse, certos de que a mão da Providência dirige o destino das nações.APLCDA 299.4

    Logo o tempo determinará este assunto. Quando ocorrer este evento o que se seguirá? Porque virão acontecimentos de maior interesse para todos os habitantes do mundo, como veremos no capítulo seguinte.APLCDA 299.5

    Larger font
    Smaller font
    Copy
    Print
    Contents